sexta-feira, 30 de novembro de 2012

...

chegou a noite
sem que o sol se escondesse
(não quis)
só que a noite avançou
como sempre, à hora marcada
e o sol, ainda que brilhante
cobriu-se de luar
porque era tempo da noite chegar
soubemos então
que o sol não contraria a ordem da criação

coração solto

deixar-te-ei coração
deixar-te-ei navegar nos rios, nos mares
e se quiseres, pelos ares
deixar-te-ei solto
livre, sem nada a que te obrigar
serás vela, caravela
serás ave, gavião
serás brisa ou furacão
tu o serás coração
sem nada te obrigar
serás livre como o ar
sair-me-ás do peito
voltarás quando quiseres
andes por onde andares
nada do que me disseres
será importante para que eu decida
se te darei guarida
pois serás sempre bem vindo
e quando me chegares ao peito
ficarei inteiro e serei perfeito.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

coitado

mergulharia no frio do mar
gelado, invernoso e batido
para acordar do torpor que me afaga
e me cativa... e eu deixo.
quer ser afagado, meu lado coitado.

pensamento

é...
hoje não me apetece falar
votar-me-ei ao silêncio
creio que vou repousar
preciso estar comigo
falarei para mim, de mim
coisas sem nexo, sem fim
até, enfim, me cansar
só depois irei falar, falar
falarei pelo peito,
pelos olhos, pela boca
falarei de qualquer jeito
nada me irá calar

agora estou cansado
não vou falar
ficarei apagado
escrevendo
sossegado

isto sou eu a pensar

escrevo

por que escrevo?
o que escrevo
como escrevo
se escrevo
então escrevo
porque escrevo
logo escrevo
agora escrevo
pois escrevo
até escrevo
ainda escrevo
onde escrevo
e escrevo
aonde escrevo
com que escrevo
é, escrevo
escrevo
escrevo
...

taciturnidade

a tristeza encontrou-me
aportou em mim
tal como antes dela a beleza
o amor e a paixão
o mar e a cor do jardim
agora tenho o só
o sozinho e a solidão
e esta tristeza em mim, abrigada
neste corpo, nesta alma
a que agora chama morada.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

pensamento

morre-se um pouco
quando morre um amigo
morre algo em nós
morre aquele bocado de vida
que só nós vivíamos.

melancolia

as palavras...
mais uma vez as palavras
estas surgem-me tristes
sondam a tristeza que carrego
no fundo tão profundo
que nem a enxergo, mas está lá
descobrem que está
revelam-mo as palavras

terça-feira, 27 de novembro de 2012

pensamento solto

pensei contar as estrelas do firmamento
pareceu-me uma tarefa ambiciosa
fútil e eivada de alguma loucura.
então, soube que estava vivo.

confissão

sabes,
o meu desejo de hoje
era escrever-te algo lindo
algo que te fizesse estremecer
por cada sílaba proferida
e que esse estremecer te fosse para além do corpo
e te fizesse sentir cheia
plena de mulher
como a lua de luar
e te sentisses dar à luz como um sol
radiante, como mãe apaixonada
que acaricia o ventre para tocar no filho
que, deliciado, se estica preguiçosamente
como um abraço dado de dentro

é isso que gostava de escrever-te
um abraço de dentro
de dentro do peito
de dentro da alma
que te confortasse
que ao tocares no teu corpo
o sentisses preguiçoso
a abraçar-te por dentro

não sei como escrever-te
não sei como estremecer-te
não sei como abraçar-te
nem sei como balancear teu corpo
num embalo de aconchego

abismo

esvaziámos nossos colos que se tornaram secos
perderam o molde de corpo, petrificaram
como estátuas, expomos a harmonia fria e dura
porém, seráfica
esgravatámos o brilho dos olhos e a doçura da ruga
em terreno deserto, estéril de memórias, vago
como tudo o que temos, vago
como o abismo que cavámos
em tempos e que plantámos em nós.
e nossos colos de tão vazios são abismos
vagos de memórias em pleno deserto.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

adeus

adeus,
interminavelmente longo
sem fim,
é assim a dor do adeus

adiado

um dia destes serei
serei bom, serei tudo
serei o que puder ser
um dia destes serei, serei, serei
um dia destes...
quando? não sei
mas serei o que sempre sonhei
amarei o que sempre odiei
um dia destes serei
tudo o que sempre adiei
hei de ser, eu sei
quando será, isso não sei
um dia destes será
e eu serei.

sábado, 24 de novembro de 2012

chuva boa

gosto da chuva que molha
molha tolos, molha todos
molha o jardim
molha a rua e a estrada
molha a água, apesar de ser molhada
porque a chuva molha o rio
molha a praia e molha o mar
lugar de onde partiu e aonde irá chegar

o que eu gosto na chuva é a qualidade de molhar
molha a cara, lavo o rosto
fecho os olhos, acelero meu andar
molho os pés, chapinho nas poças
bela forma de pecar.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

pensamento

o amor que temos fez-se aos poucos
sem que o soubessemos
e o que fizemos, soubemos fazê-lo bem

pensamento

o azar de muito boa gente
é que o seu desejo de vida
é ser o próprio desejo da vida
parecendo real e concretizável
esse desejo é pura ilusão
e dos mais atrofiantes

terça-feira, 20 de novembro de 2012

que é preciso...

que é preciso para aquecer
a alma, um pensamento
o coração, um beijo
o corpo, um abraço
o olhar, um raio de sol, um sorriso lindo
se nada disto funcionar, talvez um vulcão

saudade

há um traço de mar em toda a saudade
um sulco de lágrima riscado no rosto
o sal de abençoado, o salgado da saudade

poeta

i
sou uma edição antiga de um escrito
ainda redigido a caneta, em papel
amarelecido de tempo, garrido
exibindo os vincos da leitura

ii
sou pai de um filho que escrevo
levo pela mão, passeando ao vento e à vida
delicia-me o cheiro do seu corpo
a tinta, papel e poesia

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

voo de gaivota

aquele voo de gaivota
a que dedicamos um terno conchego de cabeça
o mais terno que pudemos
sentimo-lo vertiginoso
rápido, mas calmo, perfeito, coreografado
domínio do movimento que também sentimos nosso
como aquele achego
onde nossas cabeças se uniram da alma ao coração
e vimo-nos rodando, voando,
mergulhando profundamente num mar
em praias de areias quentes
escaldantes
que rasamos, vertiginosamente
sem pecado, sem princípio, sem fim
e quando nos olhamos
não distinguimos
se vemos, se sonhamos
o nosso movimento.

domingo, 18 de novembro de 2012

2º olhar

sei
porque gostas das palavras que escrevo
ficam-te mais tempo presentes
para que as olhes, as sintas
releias, as palavras
gostas de as ver insinuadas
meu lado enigmático.

entre o lido e o relido
há um escrito que aspira ser sentido
desnudado, carinhosamente despido
como uma virgem, na noite de núpcias.

fascina-me ser relido, sabes
delicia-me merecer um 2º olhar
por ele vivo, por ele escrevo.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

teu acordar

são de oiro as palavras
que proferes, preguiçosa
ainda, antes do dia nascer
acordas a fantasia
que trazes para o dia
preciosa, tua atitude ao acordar.
sabe bem ficar a ver.
falas de sonhos
que enrolas nas palavras
que também saem enroladas
e quando acordas, nem recordas
as palavras que proferes
parecem inacabadas
as palavras de fantasia
que acabas de evocar
têm piada. sorrio, acho bonito
teu riso preguiçoso
delicioso, é ver-te acordar.

adivinhança

adivinho o que pensas, quase
adivinho o que sentes
vi teu olhar cruzado no meu
demorou-se e agradeceu
tudo o que ainda não aconteceu.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

teu joelho

encontrei teu corpo
nas curvas de teu joelho
ele tornou-se belo
e eu ruboresci, lindo
o corpo que descobri.

sedução

falas-me das ondas que vestiste
com que refrescaste teu corpo
e sorris-me demoradamente.

falas-me das ondas feitas de mar
e do fresco do sal
como cobriste teu corpo de salgado
e de cristais coloridos que a luz desvenda
no ombro que elevas, de olhos fitos nos meus.

falas-me das ondas do vento
como penetraram tuas vestes
e te envolveram o corpo, num abraço
que descreves, libidinosamente, fresco
enquanto eu adivinho teu ondear.

sinto o choque das tuas ondas
fragrâncias quentes de corpo escaldante
que exalas ou bafejas sobre mim
e inspiro profundamente teu odor
delicioso e ocioso de ventre.

trauteio teu corpo ondulado de mar e fresco de brisa
navego no perfume das fragrâncias quentes do teu seio
e revelo-te meu desejo de te vestir.

sem título

doei-me pelo desvelo
nos dias e nos momentos
os nossos
os que quis nossos e não o foram
os que sonhei, mas não vivi
e aqueles que desejei e já esqueci
não sei o tempo deste momento.

declaração

amor meu
fizeste-te tão antigo como as minhas memórias
tão recôndito quanto meus segredos
e tão belo como a minha felicidade.

os momentos do momento

perguntaste-me quantos dias tem este momento
não soube responder-te, também não contei os dias
ou perdi-lhes a conta ou, ainda, não me interessou essa soma.
lembro-me, agora, que os vivi, vagamente: primeiro um, depois outro
e mais um e mais outro, um de cada vez... até hoje.

sei, porém, que o amor e os gestos que trocámos
e os que agora cruzamos, não são rotina
sei, também, que este momento não se mede em dias
nem horas ou semanas, segundos, meses ou anos,
faz-se de momentos e do que deles ficou.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

pensamento

qual
o peso de um dia
a força de um olhar
a dureza da palavra
a frieza de um beijo

igual
à leveza do momento
à meiguice do mirar
à doçura do discurso
ao calor de beijar

a senhora

chegou a senhora
da esperança, para uns
da desgraça, para outros
bendita, maldita
chegou ágil, bonita
simpática, super intendente
organizada, sorridente
e prometeu cá voltar, para férias
quando não for chanceler.
a mim foi-me indiferente
não me parece boa gente
e, creio, padece do poder.

dimensão da amizade

a amizade é maior
de dimensão poética
de grandeza mais que épica.

amigo

amigo é nobre humano
tal como a natureza do amor
e como o sentido da poesia
criada para desvendar
que amigo rima comigo e contigo
e com tudo o que partilhámos até à exaustão
do prazer de comungar
que amigo rima com espigo e com trigo
por serem simbolos eternos do germinar e da vida
que amigo rima com abrigo e com umbigo
enquanto afirmações corpulentas de fratria
feita dia após dia, para que se entenda
que amigo rima com sigo e com persigo
não porque seja um caminho
mas porque és tu, amigo.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

sobre vagas

hoje o dia chegou-me em vagas
como se fosse um mar
onde as vagas se sucedem, uma após outra
ou como a vida, umas vezes ritmada pelo mar
outras, escolhe ritmos variados
alguns dos quais nem sempre acerto no tempo.

mas o dia chegou-me em vagas
vagas de trabalho, vagas de ideias
tempo vago e vagos pensamentos.

acontece que de vaga em vaga
fui enchendo os lugares vagos
de sínteses, de imagens e de memórias
que um dia de inverno, quente de luz
me trouxe algures de marés que nem recordo
onde não foram ordenadas, nem arrumadas no lugar certo
algo tinha ficado por fazer e permaneceram por ali
recusando-se ser arrumadas.

as ideias e as memórias são assim:
persistentes e com vontade própria.

numa dessas vagas alinhei este texto
dele fiz método para arrumar
aquilo para que me tem faltado o vagar.

já sei como encarar a próxima vaga
sim, porque o dia de hoje chega-me em vagas.

domingo, 11 de novembro de 2012

um toque de saudade

logo após tua mão ter partido
aflorou-se-me a saudade
daquele toque solene
que minha pele reconhece, ainda
o calor não se tinha extinguido
nem a sensação de ser tocado...
a saudade estava lá, aflorando
talvez florindo, como as flores
embora feita de cinzentos
mesmo assim aflorou-se-me a saudade
pelo toque florido, ainda quente
que guardo de ti.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

temor

porque já não temo o inferno
os demónios desapareceram
partiram os anjos
deus tornou-se amigo
e não quer ser imponente.

já não me apoquenta
o calor do verão
nem o frio do inverno
porque já não temo o inferno
não tenho batalhas a perder.

aprendi que não temer
fez desaparecer o inferno.

fusão

porque nos deitamos
antes, debaixo do sol
quando estávamos quentes
ferventes de sangue
escaldantes de pele
vapor exalado de amor
debaixo de sol quente
porque nos deitamos
por amor, somente
por desejo de nós.

porque nos fizemos
pouco a pouco
fusão de momentos
e de pensamentos.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

renovação

morre algo em nós
sempre que sentimos da vida
o sabor da traição.

nasce algo em nós
sempre que ganhamos da vida
o prazer da confiança.

assim nos renovamos
melhoramos
de aliança em aliança
de criação em criação.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

desejo

abracei-te num beijo
forte de abraço
envolvi-te nos lábios
que abracei nos teus
sei que se prolongavam
os teus nos meus
beijos feitos
de lábios abraçados.

sonho

contei-te meu sonho
e continuei a sonhar
porque era meu sonho...
sonhei-o para te agradar
de sonho nos fiz
pelo sonho cresci
e meu sonho me diz
que o sonho que sonho
é um sonho de ti.

chuva de inverno ao sábado de manhã

entre as gotas de chuva
cantam-se melodias de inverno
de embalar, ouvem-se
as bategas pousando no telhado
aí se encontram umas e outras
rodam e rebolam ruidosas
celebrando a partida eufórica
destino à vista.

conforto reconfortante
melodia de sábado de manhã
preguiçoso de cama
elas cantam, eu ouço-as
cantando-me cantigas
de embalar, embalando-me
eu ouço-as, dormitando
não é sonho, ouço-as mesmo.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

domingo, 4 de novembro de 2012

dar

uma dia
partilhamos tudo
a forma do vivido
o intenso do sentido
num momento de vida.

noutro dia
alguém nos oferece
aquele pedacinho
embrulhado como prenda
com um laço de carinho.

sentimos
que daí em diante
não haverá lugar para a infelicidade.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

bom dia, mar

mar...
demoraste a acordar
tanta preguiça tu tinhas
em ondas te espreguiçavas
longas, lentas
bem esticadas
largo bocejo
murmurado

mar...
acariciavas a praia
banhavas as rochas
beijavas a amurada
deslizaste como pudeste
quiseste chegar-te a mim
quanta ternura senti
toda vinda de ti

mar...
ajoelhei-me
em equilíbrio
estiquei-me
quis dar-te a mão
com a mesma devoção
que minha mãe me ensinou
a de tocar na água benta

mar...
de ti me fiz benzido
da tua espuma quis-me ungido
trouxe-te comigo
no meu corpo, na alma
no meu ouvido
no sal das palavras
na memória...

mar...
ambos sabemos
um dia nos veremos
tu, num horizonte distante
eu, de olhos preguiçados
recordarei
tuas ondas de ternura
acho que sorrirei

mar...
se meu anjo da guarda
perguntar
porque sorrio
no que estou a pensar
não saberei que dizer
"nada"
terei que contar.