sexta-feira, 31 de maio de 2013

corpo e alma

senti-me alma
presente, invisível
morada dos sentimentos
solenidade de monge
contemplativa
amor persistente.

vi-me só corpo
eriçado da emoção
calafrio
suado arrepiado
tiques de apaixonado
reflexos da paixão.

primavera

brotam as flores
da primavera
que como se sabe não tem chão
tem ares, tem luz, tem cores
tem pássaros, músicas e amores
tem narizes no ar
mas não tem chão, isso não.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

do sonho ao pesadelo

a parede fora branca
imaculada
nela pintou os sonhos
em preâmbulos do adormecer
conhecia aqueles graffitis
pequenas paixões
que lhe moldavam a serenidade
com que dormia, leve
traçado de lábios elevados nos cantos.

a parede que fora branca
ganhou bolores
perdeu-se o imaculado
os sonhos continuavam preâmbulos
e pintavam-se, por vezes
com laivos escurecidos
sem paixões
os lábios repousavam de traço leve
de cantos descidos

repintou a parede de branco
recuperando o imaculado
quando os bolores contagiaram os sonhos
que se fizeram pesadelos
também imaculados.
o que foram sorrisos
são tormentos enrugados
carcomidos pelo bolor
escolhido no tempo.

viver

saborear
cada naco do dia
o amanhecer
o entardecer
e a noite.

querer muito
o toque das mãos
o cheiro das palavras
o conforto da presença
a amizade.
dos amigos.

sentir
o peito cheio
de pensamentos ardentes
oferendas de amor
carinhos
mais carinhos.

cozinhar
escrevendo um poema
fazendo uma música
que trauteamos
e não sabemos cantar.

saber
que se renasce
da morte.

horizonte

olhar em frente
de onde vêm os aromas
de onde sopra o vento
de onde brilha o sol
que sentimos
entranharem-se no corpo
até à alma

e na paisagem
esboçam-se os desejos mais antigos
sorridentes impossíveis
que amamos até ao tutano
por que sabemos nada sermos
sem o sonho
a alma da humanidade

terça-feira, 28 de maio de 2013

onde explode o coração

sempre me disseram
que é no peito
que explode o coração
não sei se acredito
o meu rebentou na mão
quando to ia oferecer
pulsou forte e mais forte
deu um salto bem alto
quase caía no chão
de reflexo segurei-o
e tu deitaste-lhe a mão
quando tocou em ti
deu-se a explosão.

feliz

sei que o sol de hoje
nasceu para mim
dançou-me nos olhos
assoalhou-me a alma
quis-me assim
tomei-o nas mãos
só para o agarrar
encheu-me de cócegas
tive de o largar
agora que reparo
na minha loucura
sorrio de mim
inocência pura

segunda-feira, 27 de maio de 2013

domingo, 26 de maio de 2013

redenção

um dia, a vida apresenta-se-nos generosa
perdoa-nos tudo
como quem se despede dolorosamente
surge-nos envolta dum silêncio de compreensão
sorri-nos carinhosamente como se fôssemos crianças

negro limpo

apaguei o quadro negro
onde expunha a último pedaço da minha vida
o texto e a equação em que trabalhei
laboriosamente de raciocínio em raciocínio
apaguei e tudo ficou negro
como um quadro limpo
pronto para novas aventuras

peregrino

prometemo-nos (diariamente)
numa cadência de oração
amanhã seremos melhores
faremos o que adiámos
seremos o que nunca fomos
prometemos, prometemos
a oração vã
como vãs são as promessas do desespero
ainda que cumpridas.

de promessa em promessa
adiamos o remorso
de não sermos quem gostaríamos

consumimo-nos dessa constância
de ser alguém melhor que nós mesmos

esse desejo vadio e indomável
que um dia apreciaremos
com a parcimónia (abençoada) do sal

no cimo da madurez.
sorriremos ao esfumar do remorso
satisfeitos de ser quem somos
escritores de orações.

sentido de um abraço

demos um abraço
sem sentido
não sabíamos
se de mim para ti
se de sentido inverso.

não nos importámos
brincámos
o sentido era outro.

sábado, 25 de maio de 2013

porque se parem os poemas?

são concebidos
de vontades
ou de espontaneidades
ficam em gestação
(uma comunhão de gravidez)
muito estímulo
muito amor
e paixão
nascem, soltam-se no ar num vagido
precisam de respirar
depois de amassados
e espremidos
estão doridos do parto
tão humano
que os fez paridos.

jogging ao sábado de manhã

caminhavam aos pares
ou pequenos grupos
passeando a solidão
não que fosse mau
parecia bom
cada um precisava estar só
com alguém
no seio da natureza.
e isso é natural.

as mulheres dos poetas

para os poetas
há dois tipos de mulheres
as que se perfumam com os elementos da paisagem
e as que perfumam a paisagem.

para os poetas
ambas são fascinantes
e as paisagens também.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

minha loucura

procuro a lucidez
pela escrita que pinto
e enxergo
um desenho colorido
forte, esbatido
o sentido que deslindo
ávido de entendimento
místico como sentimento.

desvenda-me a leitura
a loucura de mim
muito amado poema
vagido
grito pelo ar do nascido
pequena inocência
que nasceu parido.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

rabiscos de eros

tudo o que desenho é erótico
até as letras, em que me empenho
sejam só as letras deste poema
que de erótico só tem a pluma da pena
com que desenho as letras do poema
que é uma pena não seja erótico
e muito menos poema

olhos sem horizonte

olhos que pousam no chão
tão pesados da vergonha
tiram-se à luz e ao sol
enlutam-se
pelo negro-baço do pudor
esganam a alma
cinzelam o amargor
no rosto, sempre tristes
receosos
temem o coração
não pulsam, não se elevam
são olhos que rojam pelo chão

teu lugar

corpo a corpo
toque a toque
como passo a passo
toquei-te à porta
no corpo
convidaste-me a entrar
no corpo
de porta entreaberta
no corpo
por onde entrava
no corpo
que queria mais corpo
no corpo
que tínhamos nas mãos

quando entrei
já tu estavas dentro de mim

onde permaneces
de adormecer em adormecer

terça-feira, 21 de maio de 2013

pensamento solto

pura ilusão
estar num final da tarde pensando no amanhã
para além de um desperdício
estar passando um estardecer sem ser visto

o sapo da princesa

quis explicar-lhe porque não podia ver-se sem ela.
inspirou-se e buscou palavras belas que alinhou em frases hamoniosas.
gaguejou, um esboço de desespero de quem pede desculpa
e fugiu-lhe um "amo-te" de sopetão. ela sorriu, compreendendo tudo.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

poetas

tem poetas de todas as cores, incluindo o branco e o preto
que não vêm no arco-íris
tem poetas de todas as formas, geométricos, angulosos, redondos, sinuosos
uns mais harmónicos, outros mais vistosos
tem poetas de vários humores, sanguíneo, militante, fleumático, irritante
uns inquietos, outros distantes
tem poetas que são escritores e tem os que não escrevem
tem poetas que são leitores e tem aqueles que não lêem

tem poetas que amam e os que se excluem aos amores e
tem os que odeiam apaixonadamente
tem poetas que rejeitam ser poetas e
tem os que se dizem sem tempo para a poesia
tem poetas só da noite e tem poetas só do dia
tem poetas de café, de casa e ainda os do trabalho

tem poetas em cabelo
tem poetas de carapuço, de chapéu e de boné
tem poetas de relógio, no bolso, no pulso ou na torre e
tem os que se regem pelo ritmo biológico
tem poetas de gravata, sem gravata e tem de laço
tem poetas de camisa, de t-shirt e tem os de cachecol

tem poetas de elite, tem poetas do povo
tem poetas de cirrose e de hepatite
tem poetas com neurose, tem poeta fumador
tem poetas perfeitos, sem vício e sem dor

tem poetas do jardim, da rua e da esquina
tem poetas da biblioteca e tem da igreja,
também tem do quarto e tem poetas do palco

tem, até, poetas da TV
tem, tem e tem...

e quem nunca se emocionou
quem não conhece o calafrio nem corou
quem nunca precisou de ler um poema até ao fim
quem nunca memorizou uma quadra
declame bem alto:
- este poema não é de mim!

(se o fez e se gostou, sentiu poeta. e amou?)

vacuidade

era um poema sem tema
que não sendo bem poema
também o tema não o era.
frente a frente poema e tema
se abarcaram um no outro
o poema encaixou-se no tema
encerrando-se o tema no poema.

domingo, 19 de maio de 2013

pensamento solto

mas há coisa mais poética
que aquilo que toda a gente tem,
que protege, que partilha e que ama tanto
que até a vive
e que dá pelo nome de vida?

salto do ninho

perdoem-me os tropeções nas aves
é que ainda voo atabalhoadamente
atiro-me em frente e chamo a isso voo
atiro-me ao infinito pelo desejo de estar solto
e não ter nada a agarrar, simplesmente
caio, pairo, tropeço até aprender a planar
quando for grande hei de saber voar

sexta-feira, 17 de maio de 2013

sussurrantemente

vejo-te articular um som
que não ouço mas sei de amor
é-me bom e imagino
um repete por favor
e
ouço-te sorrir-me um beijo
enquanto me beijas em sussurro

bem-me-quer, bem-me-quer

nosso prodígio de amantes
misterioso modo, o nosso comunicar
intuimos o que entendemos
é uma voz sem som
uma imagem que temos, sem olhar
ao perto ou ao longe, tanto faz
nós sabemos
está no ar, sem lá estar
pura intuição ou coincidência
química ou uma qualquer inteligência
nosso mimo existe, vivo
onde quer que estejas
saberei sempre que me ouviste
e ouvir-te-ei sorrir que me desejas

terça-feira, 14 de maio de 2013

sodoma ou gomorra

e quando os economistas gerirem a economia
e o povo empobrecer...

e quando os juristas redigirem leis
cuja moralidade não se entende...

e quando os políticos não gostarem de povo
e não o souberem respeitar...

e quando os governos, só governarem
como ninguém quer...

e quando o cidadão aguardar
orando para que o azar não seja maior...

e quando os que sofrem
forem piegas que não se calam...

e quando o povo
se excluir de participar...

e quando a democracia
parecer não servir os povos...

e quando aos poetas nada doer
e só declamarem lírico amor...

que responderemos quando nos perguntarem
se foi isto que quisemos?

segunda-feira, 13 de maio de 2013

meu fôlego

meu fôlego de rio corre espraiado
sem margens; ignoro-as e rendem-se
à inexistência do que é ignorado.
rio da fantasia - sei-me vivo.

rio em meu corpo surdindo nas veias,
curso de sangue para o calafrio
de olhos fechados, vertigem e meia
rio da fantasia - sei-me vivo!

rio corrente de inspiração, fluindo dos dedos
em rios de escrita, afluentes, efluentes,
mapeados em papel: linhas de poesia
e rio da fantasia - sei-me vivo!

meu fôlego é de rio.

cartas de amor

suplicaram-me, as tuas cartas, que as rasgasse
também elas querem ir para longe do meu alcance.
incomodamo-nos com o cheiro a pó
das emoções e dos sentimentos que carregamos;
com a cor, elas amarelecidas e eu cinzento;
com as memórias que nos invocámos,
no toque, nos vincos, no rasgão da ansiedade,
no amarrotado da raiva.
as vezes que as percorri com o olhar
e com os dedos indicador, médio e anelar
procurando nos sulcos da tua escrita
as curvas - relevos - do teu corpo.
recordo-me que algumas delas traziam o calor da tua mão
foi bom... lembro-me do que senti.

agora reconheço que querem voltar para ti
porque são tuas e estão comigo
pedem-me que as rasgue.

sábado, 11 de maio de 2013

indagação

procuro algo de diferente
nesta manhã 
algo que pronuncie o dia
os cães trocam os mesmos latidos
os pássaros chilreiam como ontem
as árvores curvam-se ao vento
dançando como sempre fizeram
só esta procura é diferente
e fará o dia único

genuíno

há mil anos que estou tecendo
um beijo
que sempre foi teu
quero dar-to texturado
daquela simplicidade de alma
a que chamamos genuíno
porque genuinamente
te amo

sexta-feira, 10 de maio de 2013

ser teu

entregar-me a ti é ser teu
sem te pertencer
pronunciar-te uma parte de mim
quando de facto sou teu
pelo desejo de te alegrar até à felicidade
o que me faz feliz
é que sendo teu, somos nós

silêncios

do que falam os silêncios
de segredos
de medos e de rancores
de desejos, velhos e novos
de amores, de guerras de infiéis
e do que não se sabe dizer
do indizível
do impronunciável

o rei

era rei
o banco de jardim era o seu trono
os pombos vinham comer-lhe à mão
não que fossem seus súbditos
confiavam nele
que assolhava a felicidade
quando os amigos se aproximavam

quinta-feira, 9 de maio de 2013

sussurro

estou aqui
neste sopro de memória
que te tocou o momento
penso em ti

estou aqui
indiscreto à tua janela
pulando em pontas de pé
penso em ti

estou aqui
apanhei o olhar que perdeste
colei-o no sorriso que soltaste
penso em ti

minha ideia de amor

serei um rio
ronceiro, espraiado
procurando algo maior.
banharei minha sereia
em meu leito
minha ideia de amor
semearei dia após dia
passeando na calmaria
o sorriso húmido de rio.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

logo

anseio afundar meu rosto
em teu peito
e ali ficar
profundamente teu
ouvindo-te
sentindo-te
sem me mexer
entrar no teu respirar
embalar-me no teu pulsar
e ali ficar
aconchego
lar

segunda-feira, 6 de maio de 2013

campanário

aponta-me o lado do vento
mostra-me a sombra do sol
fala-me em badaladas
que eu possa contar
ensina-me a serenidade
que te deu uma alma
e o amor de um povo

pensamento solto

tanta poesia viva
no peito
no pensamento
nos dedos
de quem escreve
ainda que as palavras
não o revelem

domingo, 5 de maio de 2013

mãe

"foste tu que me fizeste mãe"
revelaste-me ao acordar.
sabia-o, claro,
mas nunca desta forma
(aparentemente) tão biológica
a mesma que me fez pai
no mesmo preciso momento.

tenho guardado como apontamentos
o teu olhar de íntima satisfação
enquanto acariciavas teu ventre,
a ternura que agarrava minha mão
para sentir em ti o pulsar na nossa vida,
a delícia que fotografavas (pai e filho),
a tua alegria feita de nós.

hoje percebi como me fizeste pai pela tua maternidade
e porque mãe sempre me foi mais que uma mera palavra
é-me uma expressão de vida.

amo-te mãe que fizemos
a tua grandeza está na grandiosidade
de que empossaste a palavra mãe.


amor perfeito

têm os poetas um amar difícil
têm os poetas um imenso amor
enorme e profundamente dedicado
o talham com precisão de artista
o querem perfeito como a flor
e amam a flor
logo depois o jardim
e as aves
o céu e as nuvens
as estrelas
e tudo
mais as pessoas
os sentimentos
as ideias e os ideais
e os poetas entregam-se
pela paixão emergente
de amar o lado humano da vida
que talham com a perfeição do amor.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

dor

o dia da tua fuga
aticei-te a maldição e o rancor
tamanha era aquela dor (funda) de rasgão
na alma, no peito, na voz, no corpo - página a página
fiquei só capa de um livro sem nada para ler - sem nada para ver
fiquei oco, vazio dorido sem eco de nós e de ti.

abandonaste-me à solidão
de despedida rabiscada em papel
sabor amargo de fel, agonia de vida
onde conheci a cobardia
aquela que te chamei e a que preenche meu dia.
agora apanho-te no lado da cama em que não estás
o cheiro que lá encontro é teu: tem rancor e solidão.

chocolate

no caminho para o chocolate
encontrei todas as vozes da minha consciência...
rezei. não para evitar o pecado,
apenas queria leves as más consequências.
deliciar-me-ia pecar
é a nossa natureza; a minha e a do chocolate.
admirámo-nos mutuamente;
eu toco-lhe seduzido, ele derrete-se para mim.

adoro-lhe a mornidade do aroma, do sabor
e da tocadura nas mãos e nos lábios
do envolvimento doce da língua
que se move lenta e forte
como o espreguiçar, libidinoso
que a garganta recebe deliciada e ávida
rouca e voluptuosamente
aconchegada ao chocolate.

amor inesquecível, obsessão incurável
envoltura de abraço, memorável
amar-te-ei sempre, pecaminosamente
desafio da minha consciência

voo de andorinha

o dia da tua fuga foi o dia do meu encontro.
passavas num voo de andorinha
rápido, inquieto, ousado e belo
anunciador
da primavera que se aproximava num voo tardio.
esquecera-me da luz da chegada duma andorinha
e aconcheguei-te graciosa junto ao peito
onde se guardam os tesouros.

o dia da tua fuga

tínhamos adivinhado
tínhamo-nos confessado
sem que uma palavra fosse pronunciada.
sabe-se e silencia-se: é assim que se foge
escapando pé-ante-pé, encobrindo, negando, mentindo
fugindo para a frente, apressado no beijo e no sono
indiferentes ao sim e ao não.
arrastámos os olhares pelo chão
(que a alma não nos traísse)
sorrimos de pânico que algo se descobrisse.
desconhecíamos e adivinhávamos
a moinha doeu, rasgou, sangrou.
corpos doridos posados à janela
qual ponto de fuga, perspectiva
linha da vida que passava lá fora
e como fora bela, recordámos
que nostalgia, de mãos apertadas de réstias.
porque tudo era vago, tudo escapou
o dia da tua fuga...
já tinhas partido e eu já te tinha largado
o relógio parou-me e o tempo conto-o sem peito
minha alma fugiu atrás de ti.

sonho

SONHAR. EM FRENTE. - apelava a placa que segui
(não sei se sonhei, se esqueci e depois lembrei)
fui andando, esperando ver a entrada num mundo de sonhos sonhados
o surreal do impossível, incandescente desejado
mas era deserto tudo o que via, nem escombros havia
e o chão só aparecia a cada passo que eu dava
a luz estava sumida e a noite não existia, tudo era vago e vago estava
aguardando ser preenchido por algo que eu não sabia o sentido
foi então que te encontrei: um ponto no meio do nada
grão de areia reluzente, pinta de poeira bem suja
de ti nasceu uma linha, curvilínea e infinita
que se encorpou e ganhou vida, se moldou e renovou
cativando meu olhar sempre que os olhos me fechavam
passavam sonos de criança, gritavam desejos de gente
preces ardentes declamadas, poesias que eram rezadas
fantasias fantasiadas e impossíveis realidades das reais possibilidades
o milagre da utopia e a utopia do milagre...
perguntei-te quem eras, que maravilhas fizeras, que querias
semeaste em meus olhos abertos tua expressão sonhada, prenhe de carinhos teus
sopraste nos meus ouvidos e eu soube: - TU ÉS O SONHO! TU ÉS DEUS!

liberdade

liberdade é paixão no feminino
sedução de amante, irreverente e fascinante
define-se a si mesma, é incomparável
sem diminutivos, sem aumentativos
senhora, menina, mulher
é rebelde e vadia
sorriso e gargalhada de todos
solta no ar, na terra e no mar
morrerá na gaiola do pássaro belo.
se a víssemos flor seria colorida, garrida
caule espinhoso para lembrar
como a papoila morre se colhida.

liberdade é partida, é chegada
é corte da amarra e laço concebido na caminhada
é cumplicidade
estuário de rio desenhado pela terra e pela água.

liberdade é dia-a-dia
brisa no corpo, sol no rosto, olhar voador
é força no peito, vento no pensamento
emoção de lágrima, grito e rouquidão
voz trémula de entrega
é sonho livre, livre e mais livre
recreio de crianças
utopias rodando de mão na mão
filhas da liberdade.

era uma vez...

era uma vez... tu nascias
eu via-te nascer, devagarinho
porque os momentos bons
vêem-se e revêm-se devagarinho

era outra vez... tu crescias
eu dava-te um dedo e tu querias andar
fugindo de mim para eu te apanhar
eu dava-te colo, aconchegavas o corpo
ficavas, rias, gostavas e dormias

era também uma vez... eras maior
querias ser grande e compreendido
exageravas tua leitura de umbigo
eras corajoso, eras voluntarioso e eu sorria
e decidia se ficaria ou se te acompanharia

era uma vez, ainda... parecíamos iguais
homens discutindo a vida pelos jornais
vivendo o tempo, fazendo pensamento
sendo adultos e nada mais

era mais uma vez... tu eras homem
eu estava cansado, podia apreciar-te
orgulhar-me de ti e adormeci
feliz pela felicidade de poder amar-te

era uma vez uma história do mundo
feita de vidas sem grandes feitos
só com enormes momentos

poesia

tu, aguarela que te pintaste em minha alma
colorida, abusas de mim ocupando-me como
amante, pecado que preciso, obsessão, deleite, poema
que sonhamos, linhas que tricotamos em palavras
que geramos, como pais de uma gramática
concebida no enamoramento de quem se prometeu.
por vocábulos nos fundimos à ação e ao destino
(porque até o hífen, sendo elo, nos separava)
nos refazemos num "amote", num "querote, até "odeiote"
"desejote", "sintote", "escrevote", "leiote" por uma lei da natureza, nossa.
tu, o início de tudo
jorras nas minhas veias o que apelidas de inspiração
que sinto como pensamentos inquietos que me explodem no peito
em torrentes de emoção e que me aflora aos olhos, aos dedos
e desenho escritos como melodias, pautas, músicas de poesia
transpirados de lágrimas, de sangue e de calafrios
êxtases medonhos de exaustão e delírios de felicidade
pelo poema terminado e pela inquietante busca do próximo.
tu! tu! tu! exclamação, desejo, exaltação, exagero exagerado
paixão, arrebatamento...

tu, encantamento, milagre, magia, pureza
força e fragrância doce e pura, pueril beleza,
poesia que moldaste minha vida e criaste meu ser
partilhamos um destino que escreveremos, rabiscando e rasurando
como tu e eu sabemos.

olhos de uma manifestação

teus olhos inteligentes, atentos
alertaram para o que não se vê nem se fala
e para o que o medo não deixa pensar.

teus olhos honestos têm tudo
e acima de tudo têm dignidade
por ela lutam e não a trocam por caridade.

teus olhos têm razão
envergonhamo-nos, fomos descuidados
confiamo-nos a uma partidarice de ismos.

teus olhos saíram à rua
sem profeta e sem deus, glosaram a democracia
no tom de uma canção de povo de bom coração

teus olhos sabem de Camões a força da poesia
persistência e tormentos
depois das descobertas far-se-ão os descobrimentos.

teus olhos, quero olhar teus olhos
liberdade, por natureza indignada
jovem ausente emigrada, voluntariosa poção
anti crise, poesia, povo feitor de utopia
forma humana de viver.

ao pai que nunca vi

cheguei, chego ou chegarei hoje à meia idade
tu como sempre, estás ausente:
a tua forma de presença, a tua celebridade e a minha recordação.
lembro-te como um messias
aparecerias, um dia, e tudo se mudaria
tu virias e eu deixaria de sentir aquela réstia de desconforto
nos colos, nas mãos, nos olhares que pressentia não serem meus
eram de alguém e eu usava-os como um trapo em segunda mão
rompia-o e gostava,
sabendo não ser feito nem comprado a pensar em mim.
e tu chegarias (acreditava) e eu procurava, aguardava
meu pai (meu) para mim.
hoje entendi a rima do teu estado:
tu, presente, ausente, silente
e não creio, queiras ser procurado
e eu quero sentir (minhas) as ternuras e os mimos
feitos à minha medida, por quem lê nos meus olhos a necessidade
e no meu peito o reconhecimento, tão terno quanto eterno.
hoje, abandonarei a minha incessante procura
encontrar-te-ei: no mar e no vento
nos olhares, nos abraços, nos risos e nos sorrisos
oferecidos pela minha gente, tão diferente de ti,
que (só foneticamente) rima com teu estado:
presente, ausente, silente...
pai... sem ressentimento.

adeus

chegou o momento, meu amor
adiei a escrita desta linhas
adiei até não poder mais
e agora falta-me tudo
até a coragem para te escrever

impulsiona-me a necessidade
tua e minha,
a única coisa que temos em comum,
de te sentir livre
sem desilusões, sem mágoas
levarei comigo o que de ti não consigo,
talvez não queira, deixar:
o teu sorriso e o teu olhar
com que me falavas
sem articular uma única palavra.

e toda a coragem que encontro
gasto-a
num último relance pelo horizonte,
num último adeus
articulado em silêncio.

à aventura

l.
o que de bom o dia tem
nem eu sei bem
só sei que chama por mim
como se eu fosse seu fim
e o que lhe vou responder
nem sei se irei saber
porque o que o dia me quer
é um capricho de deus.

ll.
sentei-me na minha cadeira
amei a minha janela
pulei das pontes para os montes
percorri longínquos sem fim
fui onde deus me chamou
andei onde a liberdade me levou
e quando regressei
montado num fim de tarde
recordei, tudo o que falei
tudo o que sonhei
e o meu dia continuou
feliz por nos encontrarmos.

quarta-feira, 1 de maio de 2013