segunda-feira, 29 de julho de 2013

eterno rio

há um rio que corre em mim
nele refresco a alma
e solto os olhos
nele corro para o mar
e marulho a saudade
nele abracei um peito
que sempre bateu por mim

na alma

na alma
onde a saudade espreita
onde a saudade cresce
onde a saudade dói
mansinha
de mansinho
onde a saudade mora
emudecida
a saudade murmura
na alma

revelação

abeirou-se teu beijo
sem ondas nem brisas
sem raio de sol nem saudade
aflorou
chegou como queria
e eu pedi-lhe que morasse em mim

sábado, 27 de julho de 2013

navegar

por vezes
para sonhar
precisamos de alguém
que sonhe connosco 
e tenha um olhar de caravela 
enfunado ao vento
rumo ao desconhecido
navegando 

latino

por vezes precisamos de sangue
para estarmos vivos
para sentirmos, vermos
odiarmos e amarmos

por vezes precisamos da dor
para nos engrandecer
para curtirmos, amadurecermos
talvez sem envelhecermos

por vezes precisamos gargalhar
para espantarmos os corvos
para declararmos paixão à vida
e à companhia dos amigos

quanto aos amigos...
nada se escreve sem eles
nem um sentido "bom dia"

o pedido

tropeçaram-lhes os olhares
e neles trocaram algo seu.
pouco depois trocavam beijos:
uns dados, outros roubados.
os braços em abraços
outros olhares e as promessas,
eram ofertas e entregas
sempre aceites
sempre retribuídas.
quando ele lhe pediu a mão
ela sorriu comovida como nunca
entrelaçaram os dedos
e saíram mundo fora de mão-dada
fundidos numa só vida.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

entre os lábios

entre os lábios
solta-se a loucura
a mesma que se esconde no peito

fogem palavras
impropérios
sejam de raiva ou de paixão
liberta-se o desejo
no musculado trejeito
de um lábio mordido

depois há os beijos
eles mesmos arautos da loucura
e exercício de musculação

morto-vivo

tudo o que tinha trajava-se de morte
desde o lado mortiço do olhar
que só ele via
ao tom esverdeado da tez 
ao modo zombie do andar
à negra alma que encobria de poesia.
o que parecia alvo e colorido
era uma rasa campa de mármore branco
com uma jarra de flores.
havia nela um sereno epitáfio
"aqui jaze quem morreu lento"

apelo

mergulha as tuas mãos em mim
deixa que o meu corpo lhes toque
nada decifres
sente tudo o que encontrares

o prazer das mãos na água
chega quando as sentimos mergulhadas

solto ao vento

apaixonei-me pelo vento
abraça-me o corpo
abro os braços e envolve-me até à alma
íntimos, confessamo-nos
o prazer enigmático do calafrio

a liberdade
o sorriso
e o desejo de um voo de gaivota
vêm depois
porque nos soltamos ao vento

leves
como um pensamento livre

quinta-feira, 25 de julho de 2013

diálogo com a morte

escrevo de coração golpeado a x-acto
uma dor fina, inesperada
de um golpe que ainda não se vê
mas sabemos que será profundamente grande
e doerá em toda a plenitude da ferida
mais o terror que lhe antecipamos

onde a dor ainda é fina
e também ainda sem dorido
escrevo aterrorizado pela morte que passou ao lado
de perto, de soslaio
os olhares que cruzamos não se tocaram
parecendo que não nos vimos

surpreende-me quando chegares
adoro surpresas
até lá, deixa os meus em paz

epitáfio

quero morrer incógnito
que a partida tenha acabado
quando os meus amigos souberem.
falta-nos a todos o jeito para despedidas.
que a mais ínfima partícula de mim
minúscula
os reúna felizes, convivendo
e saberei que valeu a pena ter vivido.

adeus

na despedida gritou a saudade
e a lágrima derramou-se
parecia assinalar o desperdício de uma vida por viver
as vozes comovidas afinaram-se
e em coro libertaram os anjos que viviam na gente
o que era despedida foi encontro
a saudade será para sempre
quanto à morte, se negra, dura e ressequida, foi vencida

quarta-feira, 24 de julho de 2013

enredamento

era o teu amor
que trazias nas mãos
fora meu e agora teu
e que eu que julgara meu
por ter nascido em mim
o que de facto aconteceu
de mim nasceu
mas nasceu por ti
nasceu para ti
por isso era teu
por isso o acarinhavas
tantas carícias lhe davas
convencida que era meu

terça-feira, 23 de julho de 2013

piano

o piano parecia dançar
na melodia que ele próprio pintava
linda, cada vez mais, bela
nota a nota, a cada pincelada
a dança que o piano tocava

o olhar perdido, da gente
que se desatava na melodia
partilhava-se pelo piano, pintor
amante dos olhos esquecidos
com eles baila, dia após dia

sexta-feira, 19 de julho de 2013

contou-me um fada
que os rios nascem no peito
onde pulsa a vida
correm nas veias
e desaguam no sorriso.
os teus olhos
são os peixinhos do rio

corpo da lua

as formas da lua
são insinuações de corpo
mulher frente ao espelho
alisando o cair do vestido
marcando à mão a curva do ventre
a linha da anca, o volume do peito
rodando de flanco em flanco
sempre rodando, num pé e no outro
como uma dança
não podem ser fases.

teu peito

abraçou-me o teu peito
e recosto a cabeça no mimo dos teus seios
que tu e o tempo moldaram ao meu rosto
aos meus lábios, ao nosso respirar

abraçou-me teu peito
de batida em batida repousou-me
até ao limbo onde sonho e realidade
se tocam, se enlaçam e repousam um no outro

abraçou-me teu peito
e fui teu amante e fui criança
pulei nestas linhas da mesma história
encarnei dois personagens do mesmo amor

quinta-feira, 18 de julho de 2013

espuma de mar

e como sempre
havia aquele mar
de tão imenso que era
o sentido e o sentimento
que marulhava em nós
que ora se nos enrolava nos pés
ora nos salpicava a face
quem diria
que é o mesmo mar alto
dos vagalhões...

quarta-feira, 17 de julho de 2013

em paz

quando meu dia for santo
vestir-me-ei demónio
e infernizarei os anjos
tão gorduchos de paciência
até que corram atrás de mim
esconder-lhes-ei as vestes
zombarei com a pequenez dos seus sexos
e jogarei o arco
com as suas auras de anjo
até que digam palavrões
sei que no final do dia
se eu me deixar apanhar
riremos todos de cansaço
e quando o deus-pai vier apagar a luz
sorriremos cúmplices de felicidade
e deus-pai orgulhar-se-á de nós
sem que o saibamos

terça-feira, 16 de julho de 2013

amanhacer

escrevi a frescura da manhã
para que o teu acordar
fosse primaveril
teus olhos, felizes, chilrearam
encantadoramente preguiçosos
à luz que chegava contigo
trazias o sol no peito

li-te uma passagem daquele amanhecer
a primavera fresca reluzente
e lá estávamos nós
um e outro para sempre

...

hoje pensei pedir-te que me contasses a história
daquela princesa que sorria porque era feliz
explicarias como a felicidade lhe nascia no peito e lhe brotava pela vida
eu acho que a felicidade lhe chegava na sonância da tua história contada
porque a vejo ouvi-la tão quieta e entusiasmada
que não admite ser interrompida
nem pelo beijo do príncipe que sempre a julga adormecida
e eu aguardo pela minha entrada de príncipe

segunda-feira, 15 de julho de 2013

beijos

conheço cada um dos beijos que me deste
fecho os olhos e chegam-me
um após outro, por vezes em grupo
visitam-me, repousam em mim
e partem, ternurentos, como chegaram
acenando um sentido "até breve"

compulsão

era dia da escrita se impor
o que fez com a mestria que lhe é conhecida
com a persistência a que se habituou em mim
pois nada mais acontecia
e eu escrevi, por fim

domingo, 14 de julho de 2013

entre o sono e o acordar

despertei da madrugada
feliz por acordar
o tempo era uma muralha escura
pesadamente irrespirável
intransponível
as memórias eram balas de canhão
caíam em parábolas imperfeitas
despedaçando a serenidade
o ar era pesado de mosto
fedores vários de angústia
o suor tinha o gelo do desconforto
e era o mesmo no sono e no acordar
como todo o resto
só fiquei feliz por despertar
sonhando que poderia mudar o pesadelo

sábado, 13 de julho de 2013

ar de vento

e foi um vento que entrou em casa
arejando os cantos, depois os recantos
onde os cantos se dobram
onde as recordações se resguardam
se aprisionam pela inércia do nada

rodou, o vento, dançou
de canto em recanto, escapuliu-se
com o ar das memórias
agora mais frescas, refrescas
como os recantos dos cantos

a sala era antiga e a dona envelhecida
sentada à janela muito bem lacrada
bem protegida do vento lá fora
tanto o pavor de se ver constipada
mas apreciava uma sala arejada

economia

serei feliz
seremos mais felizes
quando formos mais humanos
quando percebermos a economia
uma só dimensão da humanidade
que nem será a mais importante
mas de um enorme poder
destruidor do humano que há em nós
adoramos aquele bezerro de ouro
quando deus é a própria humanidade

24 teres de amor

o que é que o amor tem?
tem a textura vermelha de rosa
tem o toque de lábio carnudo
tem a humidade de um beijo
tem o conforto de um colo
tem o aroma de seio
tem a perdição de um sorriso
tem a doçura de um olhar
tem o sabor de uma lágrima beijada
tem a candura de um desejo sonhado
tem a persistência do pecado
tem a leveza do toque
tem um calor de corpo
tem um fresco de arrepio
tem a liberdade do rebolar num relvado
tem a imensidão de um areal
tem o ócio de um deserto
tem a quietude do fim de tarde
tem a explosão de foguete
tem uma batida de peito
tem um ritmo de tango
tem o aconchego de balada
tem o cintilante da luz
tem o dom da tentação
e é tentadoramente bom.

alma

guardo uma árvore
um segredo de poesia
que ela mesma me ensinou
tomando-me
elevou-me nos braços
neles me embalou, amplo
como o horizonte.

aconchegou-me no regaço
bem no centro
algures entre o céu e a terra
(que as árvores unem
pela vocação do nascimento)
aceitou os meus ditos
todos os meus pensamentos
sonhei tudo
sonhou comigo
tudo o que poderia ser sonhado.
tudo num silêncio eloquente.

deixou que o vento falasse por ela
falou-me ela pelo vento
desvendou-me o voo das folhas
mostrou-me a dança dos ramos
ilustrou-me o pulsar das sílabas
semeou-me a poesia
onde nasceu esta árvore
que vive em mim
plantada
bem no centro.

poema de pedra

pedras, eram pedras
fragmentos de pedregulhos
que namorou uma a uma
que intimidade
naquele toque forte com que lhes pegava
voltava, mirava e revirava
desvendando-lhes a alma
(caso as pedras a tivessem)
então, aconchegava-as no muro
num alinhamento terreno, de si e de pedras
e que orgulho
e que poema
um muro almado de pedras
do pedreiro poeta
construtor em poesia.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

nas pálpebras

trago nas pálpebras a preguiça
trago nas pálpebras a vergonha
trago nas pálpebras o cansaço
com que encubro meus olhos

trago nas pálpebras as pestanas
trago nas pálpebras o pestanejar
trago nas pálpebras meus olhos
com que te roubo o olhar

quarta-feira, 10 de julho de 2013

amor de infância

era um bilhete rabiscado
amarfanhado, nada mais
era tudo o que querias
era a tua confissão
amor escrito à socapa
atabalhoadamente
entregue de empurrão

surpresa, foi tão bom
mereci a tua atenção
num bilhete perfumado
a tua letra de flor
e desenhaste um coração
que bem que escreves
é todo teu o meu amor

pensamento

nos encontros mais importantes metamorfoseia-se a alma, ainda que os corpos pareçam inalterados...

fases

sempre que partia estava de chegada
em cada saída havia uma entrada
a vida continuava, como sempre, continuada
quando só entendia a forma faseada
todas as fases via, outras tantas procurava
faseava o tudo e faseava o nada

fantasia ao vento

confessou-me, o vento
já não suportava soprar
e não o deixavam parar...
perguntavam-lhe...
a nuvem, como voaria?
e quem levaria o sol?
e a lua, quem a traria?
e como sucederia a noite ao dia?
e quanto à fantasia
em que ventos se semearia?

decidiu-se o vento
fosse brisa ou ventania
ventaria, ventando
soprando no tom da poesia

terça-feira, 9 de julho de 2013

beijo de lágrima

beijei-te uma lágrima
recordo-lhe o sabor
a textura de sal no teu rosto
lembro-me como se espalhou nos meus lábios
como se ancorou nos cantos
e como te abracei
longamente
era o que mais queríamos
beijou-me a lágrima

dedos

íntimos como dedos
entrelaçados num aperto dorido de bom
distanciados num aceno longínquo
encorpam contemplares
com que nos adoçamos

sábado, 6 de julho de 2013

revelação

há dias que desejo tanto não sentir poeta
não me apaixonar
por ninguém, por nada 
além de ti e além do que é teu
e não consigo...
é como uma infidelidade que não compreendo
amar além de ti
retirar-te do centro...
porque não há centros no amor
neste amor há paixões
e todas me queimam o peito
ardente
a tua ilumina-me
uma chama em mim
recortando a escuridão

flor

os meus mimos florescem
em ti
florescem no teu corpo
que se move atrás deles
florescem nos teus olhos
que brilham por si
florescem no teu sorriso
que parecendo-me para mim
se mistura com tudo o que é teu
e me diz o que mais gosto de ouvir
como os meus mimos te florescem...

segunda-feira, 1 de julho de 2013

saudade

onde os peixes nadam
fazem-se as ondas que nomeiam o mar

onde a aragem se espreguiça
enlaçam-se as brisas em rodas de vento

onde o rio desperta
o leito faz-se manto de neblina beijada pelo sol

onde as pálpebras se abrem
foge uma memória e pinta um pensamento
que só a saudade entende

mal-estar

tenho tudo
incluindo aquela dor indecifrável
que me corrói
quase me corrompe
pouco a pouco
eternamente
como se fôssemos um do outro