sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

nada

é noite
longa
de lonjuras e de horas
parou
estacada

nada me trouxe
nada me traz
nada me leva
nada me fica

sonho vago
vazio
sem mote
a glosa ancorada
na noite
de um sono que desdurmo
sem acordo de mim

até ao avesso

desconforto-me sentado, procuro entender o que desentendo, escrevendo ou descrevendo o que me sopra: o pensamento. vejo-o, melhor, sinto-o como uma brisa que passa, toca sem mexer, o suficiente para entender e sossegar-me. agora apreende que o desconforto é um estado e, por o ser, se manterá neste modo consolidado de ser. 

percorro-me por interiores de corpo e de alma até aos avessos, esperando que só assim me desnude sem pudores. vejo a minha nudez, e por ela a minha invisibilidade que me revela menos material do que outrora supusera, quando ainda tinha o pensamento comigo. a verdade que desvendo, porque a verdade se desvenda com uma gradação  imensurável, é que um homem de avessos, nada esconde, exibe-se em toda a transparência e torna-se invisível como vidro de uma janela. o pensamento, sendo brisa, sopra leve colorido de um lado e de outro dessa mesma janela.

continuo sentadamente desconfortado: mas agora tenho uma ideia mosca cujo voo posso seguir em toda a sua geometria. darei formas ao tempo e relevo ao pensamento.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

não-narciso

nele, nela, em ti
em vós eu me vi

poderia ser o olhar meu
que por ele eu vos vejo
que por ele vos vicejo
ali, acolá, aqui

omnipresenças de mim mesmo

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

à beira d'água
leito de poeta
de rio em rio
que a poesia jorra
como água de rio corrente
que antes brotou de nascente
impetuosa
que a infância de rio e de gente
vive-se impetuosamente
como poesia nascida do coração quente
e pula, barulha, enrola, gargalha
e empurra, arrasta, acalma
serpenteia e desmaia
então estua, espraia, espelha
rejubila, dá vida
entrega-se ao mar
e leva os olhares
que se perderam
que encantou
à beira d'água

iliimensitude

gravito no poema
grávido de mim
pari-o
para que me parisse
órbita de significados
entre leituras e escritas

infinitude

leio
o poema que escrevi

escreverei
o poema que li

cada leitura
faz um poema por escrever

de todo o amor que nos dão,
só nos pertence o que recebemos

jamais

não podem calar-se as memórias
dos que foram extorquidos até à dignidade

não podem apagar-se os silêncios
dos olhares desesperados, dos olhos impotentes

não pode sossegar-se a dor de ver um país desmoronado
não se desfaz o desalento da liquidação de futuros

não há perdão por ter-se permitido a invasão
dos que constroem estampando a miséria nas ruas e nas vidas

não pode curar-se o arrependimento
de não se ter sido mais ativo e politicamente exigente

já não pode encobrir-se a raiva da nossa zanga

já não podem forjar-se versões heróicas
que esta guerra de economia só tem vítimas e vilões

não se pode deixar esquecer
que jamais alguém esqueça! nunca!

antevidência

a noite a noite a noite
todas as noites
são boas para morrer
o silêncio que se confunde com a paz
a visão clara da escuridão
a solidão doce cortantemente amarga
e o desconforto das vísceras
com que se urde a morte libertadora
aconchega-me o lençol
um movimento menino de mãe
a minha mãe toda ela ternura
ternura em beijo de boa noite
e sorrio sorrio sorrio

domingo, 26 de janeiro de 2014

urdidor de melancolias

era um melancólico sempre atento
ao pior que o dia urdia
com isso mesmo ele tecia
a muito sua melancolia

perecibilidade do eu

que os eus são assim, perecíveis
têm um tempo
morrem um pouco antes de renascermos

é uma história de ressuscitamentos
sem tragédia

só reconhece a vida
quem emerge da caruma negra
a negrura de um eu que desviveu

fracionado

quando falas de mim
nunca sei que eu invocas
se o eu que te deslumbrou
se o eu que me desejas
se eu que agora tocas

convertido

não consigo amar mais
já não quero amar mais
esgotou-se o amor em mim
esgotou-se o amor para mim
já não sou deus
não faço o diabo do milagre
a m a r
já não sou lírico nem telúrico
nem colérico
nem apaixonado
nem sanguíneo nem irado
nem fleuma eu sou.
o sol é-me o que distingue a noite do dia
a poesia nunca deu de comer a ninguém
e alimentar almas não existe
amar é uma escolha
e o coração tem uma única função
trabalhar! e bem! ou serei cardíaco
e tu também
o poema é um desperdício de papel
e por isso a poesia é um atentado
ecológico, ideológico
esse pensar e escrever em outra via
isso existe? é fantasia!
daquela que enlouquece os povos
os pobres dos pensadores
que atendem mais à dores
do corpo, da alma, do coração
da sociedade, a que chamam a cidade
ou povo, semeando o pieguice
em nome da liberdade
da paz, da felicidade
da solidariedade?
tudo fantasia,
promiscuidade
poesia
e a dívida? quem a paga?
quem viveu acima de?...
fui eu? fui só eu?
trabalhemos ou morreremos de fome
que neste país
quem não trabalha não come
e quando não formos devedores
poderemos lamber nossas dores
escrever poemas esbanjar papel
e, quem sabe, seremos poetas
se ainda conseguirmos amar...

sábado, 25 de janeiro de 2014

circunstância do colorido

a manhã nasceu escura e manteve-se nesse tom.
decidira assim, parecia.
que as manhãs nascem do escuro, é sabido;
que umas se abrilhantam e que outras se acinzentam, é óbvio.

que as manhãs se fazem ao sabor do tempo e das circunstâncias, ensinaram-nos;
que sabor é genuinamente animal e o tempo puramente humano, sabemos.

quanto à circunstâncias,
somos peixes num mar de coral: mergulhados no mar que bebemos e respiramos.
e o colorido desse mar de coral depende dos peixes que o bebem, respiram e habitam.

esta manhã nascida, de que falávamos, seria um coral cinza habitado de peixes cinzentos.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

genética do acaso

serei um erro da natureza
um acaso

creio mesmo
que o espermatozoide que me deu origem era preguiçoso
nunca quis correr nem chegar primeiro
detestava competir e amava a multidão

terá sido uma corrente d'ar, um salto
ou um qualquer movimento brusco de minha mãe
que o precipitou e quedou no óvulo
e fez-se o ovo

nasci eu
sonho a comunidade
não acredito na superioridade de chegar primeiro
e de competir de forma maníaca com tudo e todos

nunca poderei ser neo-liberal
detesto que me empurrem
empreendedorismo soa-me a impropério

na minha comunidade a dignidade é inviolável

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

esmorrecimento

morre-se, por onde morrem as borboletas
pela falta de flores

morre-se, por onde morrem os dias
pela queda no esquecimento

morre-se, por onde morrem as histórias
pela submissão ao silêncio, ao segredo e ao degredo

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

o poema que anda de boca em boca, não precisa de pernas para andar...

diálogo interno

navego
de táxi atravesso este oceano
em tráfego tráfico tragédia
que o dinheiro vale -
os mercados - na nova roupagem
não há pessoas felizes
o radio anima-se a si próprio
a proa deste táxi segue o cinza
que não termina
que não acaba nunca.

uma criança à escotilha
numa barcaça ao lado
acena-me, desafiadora sorriu -
por trás da chupeta - até aos olhos
viu-me amigável
nas minhas sorumbáticas vestimentas
de zeloso servidor de mercados
zangado no cinza deste mar.
insosso um sorriso
mostro-lhe a palma da mão
aberta, quero dar-lhe um pouco de paz
que sinto não ter.
não podia frustrar quem olha as pessoas
como o essencial da humanidade.

a criança partiu
o táxi onde navego, segue
segue, parecendo encalhado
e prossigo silencioso
como meu aceno de paz ao futuro
...

quando a política se partidariza, reduz-se, quase sempre, a algo entre a pequenez e a inutilidade.

em nome de todos os nomes

todas as palavras pronunciam teu nome
que enuncia tudo; em teu nome
tudo te pertence; de teu nome
tudo provém; chega e parte
em teu nome; em nome de todos
os nomes que teu nome tem

apelo

escreve-te
escreve-te de dentro para fora
como nascem os rios, de dentro da terra
brota o que houver em ti, seja o que for
rio, mar, calhau, flor
mas nasce, brotando escrita
bendita, maldita, por certo ainda não dita
escreve, rasura, corrige, rabisca
arrisca, escreve de onde te nasce a alma
escreve, acalma, sossega
entrega o que de ti fluiu
e paira não pares, voa, parte
vai longe, bem longe, e regressa
se quiseres, sem pressa, escreve
desenha, compõe, usa o pensamento
faz poema na memória
guardá-lo-ás como história
deste aqui e agora
que viverás vida fora
sem que recordes este momento

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

formiga
é aquele bichinho lindo das histórias infantis;
é aquele trabalhador exemplar numa organização coletora modelar;

formiga
é aquela praga que matamos sempre que invade o nosso habitat.

verso
é canto de ave
é sopro do vento
é relâmpago em noite fechada
é rasto de cometa
é voo de borboleta
é marulho na praia
é jardim orvalhado
é raio de sol nascente
é morno poente
...
é uma frase
sem palavras
de sonância almada

todos os dias terão noites
para anoitecer
todas as noites darão dias
pelo amanhecer
porque existe noite e dia
há lugar para o suceder

sábado, 18 de janeiro de 2014

morrer?...  é normal
morre-se um pouco por dia
e quando chegar a hora
nem se dá conta
porque se está habituado
ao estado mortal

era uma vez

o sol botou as pernitas de fora
e esticou os deditos até ao estalido
e bocejou cheio, redondinho e quente

e despertou o vento que quis aquecer-se
enrolou-se no sol, umas 2 ou 3 voltas, e partiu
chegou quentinho e cantador

em coro, as cigarras trinaram
enquanto as formigas carregavam
tudo como manda a natureza

bucólico
que o escritor transcreveu até ao inverno
e os povos o leram e política cometeram

arrivaram as nuvens, negras
da sua melhor negrura
nas trevas perdi a luz

apago-me devagarinho
que o negrume quer-se sossegado
no escurinho
onde se dorme o sono repousado

profissionalidades no amor

i. o engenheiro

ela escolheu
de entre todas as poses
a melhor
queria fazer amor

ele correspondeu
sempre engenheiro
foi uma máquina
contou todas as vezes

ela recostou
de cara no peito dele

ele contou
tudo com grande precisão



ii. o gestor

ela escolheu
de entre todas as poses
a melhor
queria fazer amor

ele correspondeu
sempre dominador
verificou todos os indicadores
apontou todas as vezes

ela recostou
de cara no peito dele

ele controlou
tudo com grande objetividade



iii. o político

ela escolheu
de entre todas as poses
a melhor
queria fazer amor

ele correspondeu
sempre liderando
procurou a audiência
sorriu de todas as vezes

ela recostou
de cara no peito dele

ele declarou
tudo com grande heroicidade



iv. o poeta

ela escolheu
de entre todas as poses
a melhor
queria fazer amor

ele correspondeu
sempre glosando
entregue à fantasia
apaixonou-se de todas as vezes

ela recostou
de cara no peito dele

ele exaltou
eram sóis, mares, perfumes e outros voos

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

deságuo

deslumbro-me
no teu ar
profundo de mar

faço-me rio
para desaguar
em ti
e sigo todo
eu
numa corrente

que me tomes
além dos abraços
na profundeza do mar
que é teu

donde se solta brisa
que me entregas no sopro quente
do teu beijo

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

aqui

onde estou, aqui, é árido, não sei se seco
sinto-o estéril; o lume é fogo, a míngua é grande
o que emerge é tosco de forma e mirrado de essência

aqui é longe de tempo, é longo de espaço
aqui é lugar de perdidos que em si mesmo derivam; ignoram
acenos de vida que não entendem; tateiam
paredes de negrura e navegam no breu.
aqui é o quarto escuro e esconso da vida

anseio meu voo de gaivota
a vadiagem além, onde a vida começa

fogo

do fogo, nas trevas, se fez o calor e a luz
que superou as trevas
e o amor, para nascer o sol
que é feito do fogo que aquece a pele,
enquanto o amor queima por dentro o fogo que tem
o lume que alumia ou o ofuscante da paixão.
desnorte, pode haver, mas sem escuridão
que o fogo como o saber, ilumina e pode até doer
mas apaga a escuridão das trevas onde se fez

domingo, 12 de janeiro de 2014

ideação

tenho o desaire de não ouvir
as palavras que ideio, escrevo-as
como desenhos bem da infância
há uma história em cada risco
e outra em cada volta

até que meus olhos se miúdam
aí, sorrio sem sonhar

e pensar que foi esta mania de contar histórias que criou a humanidade...

servo de si

o que eu sei de hoje é muito pouco
que dia é hoje?

tomo meu café de olhar erguido
ao balcão há um cliente
hoje é dia livre? - perguntou
sem telemóvel... - inferiu
avariou - expliquei

sem agenda
sem notícias
sem telefone... - lamentei

hoje será um dia seu - declarou
e partiu

que dia é hoje?
será o dia que quiser!

simples

não inventei o lado certo de mim
ainda não criei minha maturidade
ainda brinco ao equilíbrio
no bordo dos passeios
e sorrio cobiçoso ao chocolate
perdido na cara de uma criança feliz
e quando vejo o catraio imito-o
na simplicidade que me dedica
sem certos, sem errados

só curiosidade
de ver, entender
invento-me aprendendo assim

sábado, 11 de janeiro de 2014

íntimo

aproximei-me
todo aquele mar ali contido
consigo só na infinita solidão
remexendo-se, roncador...
roncão insatisfeito
que se saiba, o só
procura o mar
quer sentir no olhar
tudo o que lhe vai no peito

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

dias de nada

cansa-me o restolho dos dias
cheira a papel de repartição
diz-me que não sou dali
e percebo que não sonho
pesadelo!

ontem vi um animal
simpático, bem falante
discursava sem coração
de sacrifício, de solidariedade
percebi que era um animal político

talvez amanhã seja um dia sem fim, grande e pleno
talvez amanhã eu consiga contar-te o que não sei dizer
talvez amanhã as palavras não empanquem em mim e se soltem
talvez amanhã eu te diga, sem escrever, versos dignos
talvez amanhã eu saiba pronunciar-te o valor do teu olhar
talvez amanhã eu saiba alcançar o que não dizes
talvez amanhã eu saiba entender as tuas palavras
talvez amanhã eu deixe escapar um dos meus sonhos de ti
talvez amanhã meu dia não acabe tarde de mais e eu possa aconchegar-te como mereces

rio

a água corrente
no leito
gera-se o rio

a corrente
os peixes e as gaivotas
dão-lhe a vida

o olhar demorado das gentes
os segredos confessados
criam-lhe a memória

o espelhado do sol
a neblina e os pingos da chuva
ateam-lhe a magia

a cidade
os jardins e as luzes da noite
reservam-lhe um lugar na paisagem

no campo
as borboletas e as crianças
ensinam-lhe o caminho

sufoco

indecifrável este entremeio
acabou o mundo entre nós
e quando éramos 2 passamos a 1
e sufocamos neste corpo
de 1 cérebro e 2 peitos

meu povo vive convencido que é vítima. o que até é verdade; é vítima de si mesmo nesse estado resignado do qual se recusa acordar.

instalou-se no lado mais atávico do "velho do restelo", empurra-se pelos jovens para fora do país e oferece-se, como cordeiro no sacrifício, a experimentalismos (maldosos?, ignorantes?).

e ainda há quem invoque o regresso do D. Sebastião e quem viva encolhido, temendo ser apanhado na tempestade.

louco?
é evidente que sou louco
varrido!
gosto de sentir-me limpo e arrumado.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

ao sol

encontrei-te
no sol
que toca tua face
no livro, onde escrevo
onde leio teus olhos
adormecidos
para mim

meu amigo

meu amigo é fácil
compreensivo
domadamente contido
resignado até
ao infortúnio de ser o que é.
meu amigo não acredita
e compra a culpa que lhe estendem
aceita o elogio que lhe dão
costas voltadas ao poder
nem viu o daninho crescer
(embora o conheça bem)
e parte para longe, sem luta
ou fica por cá e oculta
a dor que sente da culpa
que sabe não ser sua
sabendo que é de alguém.

meu amigo, porém
vai dando sinais de mudança...

cidade

olhei minha folha de papel
li-a como uma sala branca
de paredes brancas
vazia
nada tinha escrito
ninguém ali habitava, pensei
e logo se transformou em cidade

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

seco, vazio, escuro

entregues à lonjura dos silêncios da noite,
onde os sonhos se toldam,
secaram
onde secam as fontes; na nascente.

sem nada que lhes corra, escorrem-se
de mãos dadas
como os amantes

apagados de tudo até aos olhos
embrulham-se na manta do silêncio
e respiram algum conforto.

teus olhos

teus olhos chegam-me pássaros
em bandos
olhares chilreantes
aos meus pensamentos em pulos
tagarelos
que inquiétude

(enquanto lia O segredo dos pássaros, de Vítor Serpa)

seara

todos futuros que tive
todos semeados em presentes
a todos olho, em volta
contemplando a sementeira
insinuam-se-me como onda
pela brisa de vida fresca
do vento passado
que se ouve no canto da cigarra

onde voa o céu

esvazio-me em perguntas
uma a uma escorro-me, sem pressa
que as respostas chegarão
umas vezes em bandos
outras solitárias
gralhando silêncios
como voos de pássaros
fluidezes que vêm e vão
esvoaçar-nos realidades

o corpo é a parte concreta de nós.  tem caprichos, doamos-lhe os melhores cuidados, começa por nos pregar umas partidas e um dia, normalmente de surpresa, recusa-se a acompanhar-nos.

já o espírito é o nosso imaterial, também com seus caprichos. é eterno se o cuidarmos e morre se não o deixamos crescer e nós nem damos conta quando o matamos.

domingo, 5 de janeiro de 2014

simbiose

fito o olhar
o sereno soltar das folhas
onde cresce o poema
à medida que teus olhos o iluminam
página a página
a cor nasce do esgar doce, um sorriso
um ténue massajar da folhas
o livro entre mãos
esvoaçam-me as ideias
ao aconchego de teus olhos
que finalizam meu poema
deixo-me olhar-te

noite

porque o dia só teve noite
silêncios de sossegos
desassossegados por todos os silêncios

que a solidão chega
quando nos despedimos de nós

não há sol
que desfaça a noite
de um dia assim

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

envelhecer

o que realmente nos envelhece é o medo de morrer
depois o medo de envelhecer.
tudo começa com uma simples dor de costas
e as rugas, onde líamos expressão, desenham-nos a idade
que agora parece muita (como chegou?) demais.
escondem-se uns anitos. ajuda estilo de vestir
o corte de cabelo, uns bálsamos amenos
e os analgésicos para dores das costas e outros males.
lembramos menos os medos, não os esquecemos,
nem os dominamos. pisámo-los e recalcamos-los
sabendo que se alastram pelos ossos.
enquanto não chegam outros comprimidos para o medo, esperamos
envelhecendo, mantendo o bom aspeto.

aprendi com uma velhinha linda de um retrato,
no preto e branco da portugalidade que tanto gostamos.
lia-se-lhe nas rugas a tortura do tempo e como fora dura de vergar
amarrotava na mão um lenço, que foram imaculadamente liso
com que limpava os olhos, um após o outro,
sempre na mesma cadência, e com frequência.
sorria, não chorava, nunca chorara, dizia
mas já não se continha a água dos olhos, que não eram lágrimas
afirmava, sorrindo, sem saudade e sem medo
linda de fotografia
sem envelhecer, não havia vestígios de velhice.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

simplesmente

em poesia
todas as figuras de estilo
poderiam ser denominadas
simplesmente
poesia

poesia vive de gente
pessoas pequenas e grandes
redondas e quadradas
coloridas e descoradas
tanto faz, gente
simplesmente

gente que poesia a vida
gente que vida a poesia