quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

criança que sonha ser princesa
fantasia em encantamentos

adulto que deseja ser rei
fantasia em obediências

paz

que me descansem os olhos
onde repousa aquele mar
de silêncio marulho
de corpo que se embala
de horizonte que se modela
a cima, a baixo, espelhado
longa sonância do mar

guarda-me por aí o olhar
deixa-o correr-te as colinas
saltar-te os montes
guarda-o como às gaivotas

levo-te no meu silêncio
num pensamento escrito
em voltas de vento
que me drapeiam a alma

sem calma...
a paz do murmúrio íntimo
de quem parte num peito
e de quem deixa um olhar

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

pode ser

pode ser...
pode ser... segredámo-nos
adiámos um não
ou um sim...
ou nada valia a pena...
pode ser...  dissemo-nos
quando a dúvida não havia
pode ser...
da timidez...
do despego
que só existe num pode ser sussurrado...

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

à noite

à noite
que nunca cavalga
aborda como o nevoeiro, se adensa
se desvanece entre as sílabas
de um verso

à noite
que abraça
terna, de mulher
angústia, de viúva
aperto, de saudade

à noite
que passa lenta
sem fim,  re-lenta

cubro-me com a noite
nela me aconchego, sonho
e oro-lhe meus segredos.
os esquecidos, a noite relembra-mos
e embala-os em histórias entoadas
de jamais adormecer

fizemo-nos amantes, indomados
quisemo-nos indomáveis

perdoamo-nos, antes
que o dia nos separe

ambos nos furtamos ao dia
para a noite é toque de partida
para mim é sinal do marasmo
fruto pendurado da árvore
aguardando

desígnio de homem
que não consegue ir além
de fruto pendurado em árvore

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

cidade livre

a poesia dos muros
amassada a quente
rompe verdadeira
atinge pungente
lêem-se os muros
páginas da cidade
aquele livro de gente

luar

a lua
vestiu-se de negro
enlutou-se e desapareceu
no céu
na noite fechada

a lua
depois se encheu
redonda
desenroupada

nua
o luar aconteceu
que se visse e nos ungisse
a clareza da lua ousada

não se gastem em mim palavras de poesia que eu só escrevo os sonhos que me batem no peito...

sábado, 22 de fevereiro de 2014

como a pérola

o melhor de nós
um dia há de chegar...
chegará de surpresa...
soa a oração de velório...
é falatório de funeral...
(o nosso, infelizmente)
é ausente...
chega de mansinho...
perguntem à nossa mãe...
está nos outros (em alguém)...
persegue-nos, tortura-nos...
desponta! como a luz do dia.

pássaros que gosto

de todos os pássaros, gosto
daqueles que me povoam
e esvoaçam meus sentidos
bem além do horizonte

de todos os pássaros, gosto
dos que mais vadios são
dos que têm a ousadia de ser
livres de partir sem endereço
de recusar penas douradas

de todos os pássaros, gosto
dos que voam
pelo prazer de voar

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

corvos negros

eles chegaram e escureceram
primeiro os rostos
depois as vestes
agora o olhos

eles chegaram de almas negras
eles vieram vingar seus pais e seus avós

para eles
os dias puros de sol para todos
são inaceitáveis

quando a ignorância se engenha e, por aparência, se eleva ao nível de arte, tudo fica indescritível...

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

onde ser

quero ser
onde a flor toca o rosto
onde o sorriso se desprende
onde as pétalas beijam

quero ser
onde acontece o nascente
onde a gotícula cintila
onde o rosto incandesce

desejo

deitar-me-ia
entre um lado e o outro do mundo
onde tuas pernas se unem
onde pulsa fundente teu peito
nascente de braços encorpados em mim

dos mistérios

... parece haver um certo mistério em estar vivo, o que soa a absurdo perante a evidência do facto. porém, encontro, até, vários mistérios neste prosaico ato de viver: que realidade gerou a dinâmica dos impulsos eléctricos que fazem a história palpitante de um coração (?) e a dos outros impulsos que correm as células do reticulado cérebro, comandando os precisos movimentos de uma dança(?). depois, o maior de todos os mistérios: a forma como entendemos duas realidades - a do coração e a do pensamento - num mesmo corpo. viver é um mistério profundo e digo mistério porque ainda desconheço milagre...

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

poemência

a minha recordação de menino é enorme
como os tempos, vivos de poesia
meu real de faz-de-conta acontecia
minha mãe sorria às histórias que eu contava
e chamava-lhes inocência
éramos tão felizes então...

desfolham-me os sentidos da fantasia
envolta; o sorriso da minha mãe
denuncia-me a inocência
que guardo como um tesouro:
as joaninhas na caixa de fósforos
no bolso dos meus calções

fusão

minha morte chegará
não trará dia
nem terá marcada a hora
como eu
chegará do nada
silenciosa
de silêncios se faz a morte
quietinha
sossegada
como eu
aguardando o momento
nesse dia
como agora
fundir-me-ei com meu estado
eu
sonhador de poemas

domingo, 16 de fevereiro de 2014

beijo

quero-te entre os lábios
como à palavra
que pronuncio de ti
que modelo
como modelaria teu corpo
se entre meus lábios estivesse

loucura vocação

renascer, é minha vocação de louco
que nunca gosto das roupas que visto
que trato a pele como vestimenta
que cada pulsar me diferencia
que mudar perseverante é a minha constância

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

riqueza

minha riqueza é volátil
agora é borboleta que me voa no pensamento
agora é o encontro com a palavra que soa por mim
agora é dente-de-leão, carícia ao vento, semente, flor, inspiração
agora é poema reescrito no vento que soprou minha mão
...
agora é o sorriso que vejo despontar-lhe, destas palavras

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

minha janela é mar de rios
escorrentes de água nascente de gotas
serpenteiam enxurradas
chuva na vidraça
cristais de luz
inversos do mundo
tudo na minha janela

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

inspirámos à entrada deste mundo
partimos após uma expiração
o entretanto... chama-se vida
16 batidas de coração entre cada inspiração
para que nos mantenhamos arejados

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

noite

a noite, enleante
suspende-se
que a penetremos
e no ápice seguinte
entranhou-se-nos
ante a passividade das estrelas
e o alheamento da lua

encantamento
é encontrar o firmamento

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

saltaremos à corda com a linha do horizonte
saberá bem elevar os pés até onde erguemos o olhar
pulando uma lengalenga. pulo a pulo
viajaremos entre o céu e a terra

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

cúmplices no poema

das palavras que vão ao vento
se escreve a poesia.
o poeta é um cata-vento de palavras
toma-as, uma a uma
assenta-as em coluna
como lhe chegam na ventania.
quando o leitor - poeta - lê
as palavras assentadas
toca-as, uma a uma
decifra-lhes o movimento
escuta-lhes as histórias suas
e completa-se o poema.

pobreza das palavras

as palavras
revelam-se-me tão imperfeitas de poesia
amarfanham o pensamento
as ideias debatem-se nos emaranhados de linhas
as palavras projetam-se, rolantes, são penedos
interpondo-se entre a poesia e os atos e os momentos
o que se confessa pelas palavras não ditas
não há palavras para a poesia de um silêncio
nem para a poesia de um olhar ou de um sorriso
nem para a poesia do mar ao entardecer
e palavras para escrever a alma?
e lá se professa a poesia

das palavras quero a sonância
a melodia
que me acompanha os silêncios
e outros atos de poesia

os fundos dos egos

o egos não têm fundos
são como as plumas
voam em projeções
ao sabor do vento
tendem a planar
e acabam por aterrar

o tempo é uma invenção
uma mania de contarmos a vida
como de fossem moedas

faces do tempo

o tempo chega
por vezes de rompante como despertador da manhã
outras, abeira-se leve como um sonho
ocasionalmente invade-nos como um raio de luz escapulido debaixo da porta
às vezes comporta-se como criança e chama-nos em repetidos tic-tac
enquanto se exibe no baloiço do pêndulo do relógio

já o vi insinuar-se nos raios da manhã, aclarando o dia hora a hora
já lhe senti a volúpia da noite impregnando-se-me entre calafrios
acontece o tempo chegar no frio de janeiro
ou cavalgar no destempero da vingança
já o amei com o desejo cego da paixão dos amantes
já o odiei até ao fundo do ressentimento e lutei para que partisse

de todas as vezes o tempo passou, fez-se vento
houve tempos que nem lhe notei a presença

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

intestinos

i
intestinos
aquela parte do cérebro
com odor próprio

ii
intestinos
escleróticas dos olhares
onde a esclerose se manifesta

iii
intestinos
ideias mordaças de um país
empestado, nas rua da amargura

iv
intestinos
governos que governam
em movimento peristáltico

v
intestinos
manifestação, desagrado
ronco interior, flato

vi
intestinos
origem deste escrito
enjeitado, mal-dito

vii
intestinos
quiseram-se poetas
perderam a poesia

desolhar

sabes que o olhar me foge
como voo de pássaro
rápido e geométrico
direto e incisivo
entre os pontos A e B
inquietos ou indistintos
meu olhar não tem destino
nem razão...
na verdade, nem será olhar
perdeu a grandiosidade
agora é movimento d'olhos

revelação

noto que algo se apoderou de mim
verdade!...
vi-me ao espelho sem que me olhasse
foi estranho, o que senti
via a fotografia de um homem
um senhor - pensei - com traços bem vincados
de uma idade que lhe passeava na expressão
nas rugas e nas brancas que resistiam à queda
era definitivamente alguém de meia-idade.
incidentalmente saltou-me à vista um fragmento de texto
revelava que o senhor nascera no mesmo ano que eu
tinha 52 anos!
confirmava-se! a meia-idade...
estes meus vincos não são traços de expressão
este rosto e corpo cheios
não são temporários,... é meia-idade!
revelou-mo o espelho daquela foto.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

foz

encanta-me, a foz
reunião de águas
rio e mar
um encontro de amigos
sempre unidos
uma fusão de destinos
que se estavam destinados

procrastinado

é manhã
meu dia inicia-se
com um friozito de estômago
com o aperto de peito
também a regular  insistência em fazer algo
para que não faça o que devo
e a mesma ânsia de eu não ser eu
de não ser assim
depois as inconformáveis saudades
de ser quem já fui
finalmente, o desalento de saber
que só depende de mim

sábado, 1 de fevereiro de 2014

levento

cai de leve
é o vento
prova a leveza de tudo
tudo leva
até o tempo

voa leve
vai no vento
sonho inquieto de pássaro
sem regressos
vem no tempo

anda leve
como o tempo
sopra assim a frescura
refresco puro
vem no vento