quinta-feira, 28 de agosto de 2014

de manhã

a manhã
o despertar foi o beijo que o coroou
os olhos que foram buscar-te ao adormecer,
ainda antes de se abrirem,
retornaram e tu estavas onde sempre estiveste
aguardando o sorriso que me levarias.
- que o mar precisa de peixes
que os jardins têm flores
que meus dias querem sorrisos, beijaste.

sábado, 23 de agosto de 2014

minha imagem é de um vulto numa ilha
meu amigo, o vento
dá-me colo ao pensamento
enriquece-o de mimos e folias
no regresso traz histórias, novas
de lá, onde a esperança é um reino
eu, que temo o delírio, abro os olhos
e toco o meu dia
e descortino-me, ao longe
um vulto numa ilha

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

puro movimento

onde as folhas rodopiam
há leveza, dança
pureza do movimento
passar de nuvem
vogar em barco
voo em ave
um sorriso
um pensamento
ritmo de poema
métrica do momento

dos jardins, a perenidade

o jardim a que chamo meu, porque o sinto, sei que é de quem o cuidar, ainda que sem trabalho laborioso; basta um simples olhar de entrega ao momento, e guarda-se em nós um pouco daquele jardim e será nosso, e nós dele, para sempre, que amar um jardim é assim...

e o jardim a que chamo meu é-o de cumplicidades, que não encerra, que não brota, que não expande: estão lá, como as flores, as árvores e as pedras que são visitadas pelos pássaros, pelas abelhas, pelas borboletas e pelos ventos, chegam e logo partem: poisam rodopiam e vão, chegam rodopiam e partem, dão movimento — cumplicidade — e tornam-se cúmplices deste acontecimento denominado jardim.

hoje os pássaros chegaram mais: mais próximos, mais pássaros, mais belos, mais lindos e, como ao jardim, senti-os mais meus. e eram-no, ignorando (ou talvez não). acontece sermos de alguém sem o sabermos, pelo incidente de ali passarmos, captarmos a atenção, um olhar e ficarmos alojados na memória — personagem de uma história de um momento —; é por esta necessidade de animação dos momentos que somos tão gregários, instintivamente(?) gregários, e nos pertencemos mutuamente sem que disso sejamos conscientes, sendo-o.

hoje, em meu jardim, meus pássaros chegaram mais belos, mais lindos e mais pássaros e mais meus, e pelos voos deles elevei meus olhos, primeiro mais alto, depois mais além e, finalmente, no horizonte, em linha. ao longe, uma casa, outra e outra, donde partiam os pássaros que chegavam, para onde iam os pássaros que abalavam. casas como a minha, talvez ajardinadas talvez sem jardim. os pássaros iam, pousavam, vinham, rodopiavam — no ar, no chão — como o vento, eram a cumplicidade entre jardins, que existem para aprendermos a estar com as flores, com os insectos, com os pássaros, com o sol e o vento e com todos aqueles cuidam e guardem um pouco do que chamamos nosso, ou de nós que somos gregários, por instinto.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

vocação de deus

ao escreverem-se, as ondas
ao correrem, as nuvens
descobrem-se, os sóis
de azuis que no céu e mar existem
celeste de prata marinho

rasteiam, as gaivotas
tecidas a branco e castanho
tracejando o céu entre a terra e o mar

sabem-no, as gaivotas, quanto as apreciamos
sentem-se deuses nessas alturas
e nem se importam com o facto

deuses são mesmo assim
ligam e harmonizam por vocação;
a mesma que os criou

domingo, 17 de agosto de 2014

descrevessem os nomes as existências
talvez eu viesse a entender-me um dia
antónio fazedor do ninho

e se tudo mais morrer
e se eu morrer
serei ninho

(versão 2)

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

amor e amar

os pássaros, como os frutos, criam-se nas árvores — que sempre foram ninhos,
as árvores — e amadurecem.
ganham cor — os pássaros —, fazem-se coloridos e partem à descoberta.
do bico — dos pássaros — pende-lhes um simples ramo de árvore ou
um canto de ave ou,
ainda, a banalidade inteira de um roçar de bicos.
já os frutos, sem bicos nem asas, amadurecem belos e oferecem-se
aos pássaros, entregam-se às gentes e outros animais.
árvore é lar, cria e alimenta de si mesma quem quer que passe por ela.
como o amor — de mãe —, que tem árvore algures na sua complexão,

e que estas — as árvores — entendem tão bem...
expõem seus troncos à paixão dos jovens amantes que neles se declaram;
a forma é de um coração desenhado a gume de canivete.
elas — as árvores — sabem que é um ímpeto de pássaro apaixonado
e correspondem com um gesto de amor — de árvore —,
pulsando um coração que sendo o seu, nele se grava o nome dos enamorados
inconscientemente unidos por um mui discreto ato de amor,
que apesar de  visível, para o ver é preciso procurar.
eis porque árvores, frutos, pássaros e pessoas são preciosos
para que se entenda a complexidade do amor e de amar.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

o horizonte é uma construção que se vê.
por ele impomos limites a nós mesmos, pelos olhos.
é fronteira, o além que precisamos tangível.
ainda que só os olhos ou os olhares lhe toquem.
que se saiba não há registo de alguém que tenha tocado o seu horizonte.
só os loucos vêem além daquela linha e fantasiam.
só os loucos se preocupam em ver dentro deles mesmos.
eis o universo ideal, limitado pelo olhar e oco.
recusamos ver dentro de nós algo que não seja mágoa.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

um certo pássaro grasnava em mim
levou-me ao carvalho que suportava minha casa
o que o fazia a minha árvore
eu era dali onde meu ninho se dera
que os homens, como os pássaros,
são dos ninhos
onde aprendem as emoções e descobrem os sentimentos
de onde saltam em voo livre e retornam
pelo desejo de chegar; chamam-lhes lar.
pintei o que não pude escrever
nem sei se meus olhos viram
meu carvalho tomando minha casa nos ramos
que brilham. que a natureza também ama

a luz de um sopro
na voz de canavial
onde caminham meus olhos
bamboleando 
ou uma viagem de corpo 
que a cadeira ensina
balouçando 

domingo, 10 de agosto de 2014

descrevessem os nomes as existências
talvez eu viesse a entender-me um dia
antónio fazedor do ninho

deitar-me-ei à beira-mar salgado; 
onde as ondas rebentam, 
a folia contida na viagem, 
e a espuma que rendilha as ondas é sal. 
limpará a alma do pecado original. 
o mais injusto dos pecados.

sítio

no sítio onde os pássaros voam
no sítio onde os pássaros pousam
no sítio onde os pássaros pulam
no sítio onde os pássaros gralham
no sítio onde os pássaros bicam
no sítio onde os pássaros andam
no sítio onde os pássaros vivem
também os cães latem em eco
e as abelhas zumbem
os chocalhos das cabras badalam
tal como o campanário nas horas
o vento restolha nas árvores 
o galo canta longínquo 
sem que se ouçam
sem que se vejam estão lá 
belos como sempre fazem o sítio onde tudo acontece
onde tudo chega 
onde a harmonia se respira e se bebe 
se olha e se entra
a liberdade que cada um tem para todos

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

caso os amigos fossem de ver, poderia, eu, vê-los passar, somente. 
porém, sinto-os antes de tudo
e por isso os poderia pintar de um só traço, fosse eu pintor, 
fotografar de um só clik, fosse eu fotógrafo, 
ou dedicar-lhes um poema, 
para que fique impresso no tempo a bondade do que sentimos: 
a que nos faz sorrir, gargalhar e trocar olhares,
e todas as demais melodias com forma de gente.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

nós

serei
sempre que me deixares
teu
sempre que me quiseres
ter-te-ei
sempre que me deixares
serás em mim
sempre que me quiseres
sei que há vontades
nossas
além de mim
além de ti

dos jardins

dizíamos que o jardim era nosso
partilhavamo-nos pela posse

na verdade, queríamos uma cumplicidade
algo que nos enleasse

que os jardins não têm dono
são, sem pertencerem, de quem os cuida

no jardim

há um olhar em cada flor...
- toques macios, afloraste
tu que encontras o toque
onde eu procuro olhares

das borboletas

da morte...
entendo-a, sei
que não é ruína
essa entra depois
se a deixarem

ao elevarmos os mortos
criamos a eternidade
o desejo de viver
pela morte se perpetua

já a ruína penetra
pelo latejo insano da imortalidade física
imutável crisálida

a vida é o gume
o resto será o que quisermos
eis o risco de vier

domingo, 3 de agosto de 2014

sobre homens

dos homens sabe-se pouco
o que falam de si é vago
o que dizem de outros é exagero
olham o mundo com desejo de posse e de mudança
encobrem-se nas palavras à medida que crescem
pelo silêncio desnudam-se, até ao estado de recém-nascido
sabe-se que geraram a humanidade e que por ela são paridos

diálogo interno

olho-te
folha branca
vazia.
vejo-te enrolar
dobrar em barco e peixe
depois em cisne e avião
e desenho de criança
que escrevi
não sei se é poema
mas era-me poesia

não se negue a ninguém o direito de cair:
sem ajuda, levantar-se-á mais próximo da vida;
apoiado em alguém, erguer-se-á íntimo de si mesmo.

a morte, talvez pelo seu género
tende a causar um certo fascínio
nos poetas, que são do outro género

o que tenho a dizer
não vai além de um poema
curto
acontece caber num verso
simples
às vezes é só uma palavra
outras, um silêncio

minha memória é fraca
velha e desatenta
e tem tudo para ser preguiçosa
que o é!
não guarda nada
do que leio ou escrevo
por isso escrevo.

acontece eu ler-me sem autor
acontece surpreender-me nessa escrita
agradeço à preguiça que a memória tem
quando me lembro...
tenho o hábito de agradecer a deus