quinta-feira, 20 de novembro de 2014

o céu era abóbada
o voo improvável
o horizonte projetava-se
a linha desenhava
o alicerce
o limite se define e encerra o templo

a nascente
a água brota pura
jorra sem destino
além
o voo é presumível
o altar celebra-se sem cúpula

o poema
se inventa além da utopia

horas rodopiam
bailados

minutos correm
dispersos

o tempo decifra
o poema emergente

manhã
o gesto é luz
o verbo é metáfora

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

também aí estronda
de dentro
do peito aos olhos
a tempestade arfa
esgotada
então o mar acalma

luar

a lua estava

repousava
à tona do charco

iluminava
o fundo do poço

atulhava
de prateado o lago

ondeava
a crista do mar
do melhor reflexo lunar

envolvia-a
um véu tingido de estrelas
encheu-se o céu

a lua sempre
distante e presente
cuidando
fiando
o luar

função plástica da masturbação

o movimento
entre o corpo e a mão
o sexo
a ideia
a fantasia
em tesão
arrepia
retesa o corpo
sublime
suspensa a respiração
o momento
o plástico do movimento
entre o corpo e a mão

solilóquio

de mim de mar
escrevo
o que nunca soube

caminho...

conta-me porque
me banhas os pés areados

engenho meu
poesia
teço ondas 
enrolos de mar

como concha de chão
que vais apanhar
para a deixares cair

satisfaz-te
a brevidade
simples
de a tocar 

finjo-me gaivota...

noto-to no olhar
atira-lo alto 
solitário 
distante

soltas na areia
teus passos rasantes
de voo inacabado

há uma certa solidão no voo...

no voo há paisagem
destino em pouso
aventura
frescura e leveza
prazer em viagem...

a solidão sempre
morou em peitos 
incapazes de voar

de onde és
nem te fazes ao voo

eu...
estrondo-me em ondas
rebento-me na escarpa
salpico-me em gotas
refaço-me em espuma
solto-me no ar
e parto no vento
vou aonde me levar...

agora marulho contigo
é-me outra forma
de sair de mim
de voar

terça-feira, 18 de novembro de 2014

borboleta

borboleteia
ao sol se aqueceu
se estendeu
até se espreguiçou
saiu voando
bailou
o sol em seu voo rodou
até ao final do dia
regressará de manhã
o dia nascerá
por cá por ti
borboleta
o sol bailará

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

faltam-me as inutilidades
sei que falta é uma inutilidade
o que sei também

imortalizo os ontem que encontro

amanhã traz um ontem no bolso
ontem ostenta um amanhã na lapela
e fica-lhe bem

o retorno cego é uma história perdida

dos rios

os rios caem do céu
estrelas repuxam a terra
alongam-se as montanhas até ao firmamento
estrelas esvaem-se em reflexos prateados
em leitos
geram-se os rios

abalam sozinhos
enrolam-se nas curvas do terreno
cursam buscando casas que passem perto
chamam os peixes e os pássaros
querem-se vida e penetram a cidade
à noite fazem-se em reflexos

os rios sobem às árvores
entranham-se pelas raízes, as árvores
os absorvem, incham alongam-se
crescem carregando os rios na seiva bem alto
à folha cimeira do ramo do cume donde apreciam
das gentes os reflexos que espelham do leito

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

do beijo

o sabor
orvalhada
cintilo
sal de corpo
que o mar deixou

o aroma
doce
condimento
incitante de pele
que em pele roçou

sempre que reuniões sucedem
semeia-se a ausência de silêncios
que nem entre as palavras acontecem

a mosca pousava em meu lápis

um beija-flor alando
o canário papagueava
bulia o silêncio do voo

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

caminho pelo lado mudo da vida
a palavra nasce do silêncio
é gesto
tem lábios, mãos e corpo
e voz que é muda
é poema
lê-se em pensamento
saboreia-se
mudamente, em silêncio

de abril

lembro-me
ainda era 25 de abril inacabado
e havia quem queria o 24

lembro-me
que o 25 de abril foi dia grande
e houve quem nunca saiu dele

lembro-me
que o 25 de abril teve um cravo
era um gesto de paz, encarnado

lembro-me
do 25 de abril esquecido
e havia um cravo apagado

lembro-me
que houve mais dias de abril
e de outros meses e anos

lembro-me
do desânimo do 24 de abril
fatalmente igual ao de hoje

lembro-me
em abril nasceu o gesto que nos uniu
poema, pelo cravo se fez da arma o vaso

recordarei
o intriguista bafiento, o que assanha
povo contra povo e assim governa

sinto desprezo
tenho pena, muita pena

a mário viegas

ao homem da poesia
límpida da voz rouca
recalcitrante de clareza

domingo, 2 de novembro de 2014

gotejos do dia

o sol entre a chuva
e o vento

das árvores as folhas
soltas
pingam pelo chão

os pássaros
gotas de voos
salpicam o céu

as nuvens
obreiras dos céus
mães de todas as gotas

destino

de rio em rio
corremos
desaguámos
fluentes
de rio em rio
arremessámo-nos
abandonámo-nos
silentes
de rio em rio
desejámos
a água fosse o querer
espraiámo-nos
de rio em rio
tomámo-nos
inteiros
gotejámos
chuva
aguaceiro
absoluto
de rios
navegámos
sem velas
sem remos
rio após rio
nos quisemos
de mar
nos fizemos
de ondas
galgámos
bradámos
marulhamos
ainda
que dos rios
fluímos