sábado, 30 de maio de 2015

paz

no canto do teu regaço
o aconchego é seio

teu corpo molda a carícia
o meu agracia

tudo é um pulsar solto
ritmo do peito

tempo é amor

sexta-feira, 29 de maio de 2015

flor do tempo

tomou forma
diminuendo
aroma a preguiça
deslembro-me de tudo
vadio à superfície do vento
conforta-me o sol
repouso as pálpebras
o horizonte é lindo

terça-feira, 26 de maio de 2015

no meu rio o leito paira além do mar
no meu rio espraiar é o destino
no meu rio ser é vocação
no meu rio navegar é ir além da nave
no meu rio viajar é penetrar e deixar-se entranhar pela jornada
em mim rio e navegador são a unidade

quarta-feira, 20 de maio de 2015

escrever

nunca fui, além
desentendia
a luz teimava iluminar
a palavra, eu não via
desvia
enrolada, a linha
era a palavra bordada
esboçando o voo

terça-feira, 19 de maio de 2015

nascimento

todos os sítios
a terra havia
a vida era
um grão a semente
a água o despertou
o pó o havia acolhido
agora sonhava crescer
grande
abria os olhos
um destino imenso
era
o berço
onde firmava os pés e o corpo
largou raízes
para ser
infinito

segunda-feira, 18 de maio de 2015

domingo, 17 de maio de 2015

beira d'água

escrever de água
esse líquido precioso corre-me nas veias
leva-me às margens, às beiras
o limite além do qual o corpo paira

nos beirais os pássaros recitam
e as andorinhas moldam o lar
ante o gotejar

os cisnes bailam nos lagos
e poderiam ser poetas

dos rios afloram os lírios
e colorir-se-ão as beiras

no mar as sereias ondeiam
olhos encantados à beira-mar

escrever de água
não poder aquietar-se
na calma do charco o desejo
é pedra como beijo do despertar

segunda-feira, 11 de maio de 2015

olhar cego

procuro o pôr-do-sol
e não sei

procuro-o no pote d'oiro
e não sei

procuro-o no fim do mundo
e não sei

procuro-o atrás do monte
e não sei

procuro-o na copa das árvores
e não sei

procuro-o ao fundo no mar
e não sei

procuro-o no areal deserto
e não sei

procuro-o no horizonte da cidade
e não sei

procuro-o no recorte da multidão
e não sei

procuro-o atrás das nuvens
e não sei

procuro-o
e não sei

tenho-o no olhar
e não sei

procuro-o

timbres da primavera

a voz de pássaro
fresco azul amanhecer
morno tom entardecer

encanto
a melodia do voo vivo

colorido
a cor bela do movimento

as árvores são o encontro
o céu é fundo
os pássaros permanecem
suspensos nelas

lá se aninham
em ninhos os pássaros são
passarinhos

domingo, 10 de maio de 2015

sonus silentium

a voz do silêncio
articula a palavra
entoa-a
pronuncia-lhe a forma
do corpo, desnuda-a
e a palavra dá-se
ao volume da ideia
a sonância da palavra

sonus silentium

o silêncio
se nos ensoa o nome
estremece-nos

cega ignorância

tanto quanto sei
nada falta quando se desconhece
a inexistência resulta da ignorância
sempre ou quase sempre
deste modo
a inexistência de caminhos é uma ignorância
cega, quase sempre
manifesta-se: não deixa ver

sexta-feira, 8 de maio de 2015

descoberta

a manhã era de sol. o dia, bonito; é assim que o recordo e não me lembro de o ter visto. teria, eu, por volta de 5 anos de idade, estava no quarto de meus pais, na cama aninhado no que restava do aconchego, e minha mãe vestia-se, mirando-se no espelho do psiché. envergava um vestido verde entre o azeitona e o relva - estou a vê-lo - de cabelo preso em puxo e vestia um olhar lindo e estranho que eu não compreendia. alisava o vestido no corpo de forma particular na zona das ancas e da barriga. perguntei um "-- o que foi mãe?" e obtive um "-- nada" com sorriso combinados, em resposta; ficou-me o enigma com a minha memória: tem no centro um olhar e uma expressão de rosto, de corpo, e um ar que guardei sem entender. creio que por isso mesmo a guardei.

entretanto os anos correram às dezenas, duas e meia pelo menos. era tarde, após o almoço de um sábado, no caminho para o bica com a minha família e cumprirmos o ritual de encontro com os amigos no café, a descida do elevador no meu prédio foi interrompida pela entrada de uma vizinha no 6.º andar (podia ser o 7.º) que chegou trajando o mesmo olhar que eu ainda guardava sem conhecer. senti-o e olhei-a com a mesma meninice da primeira vez; ela não deu conta e eu não perguntei nada, mas decifrara-o, apanhei-lhe o significado, o dela e o da minha mãe, e repousei um silencioso "-- estás grávida", ainda antes de todos abandonarmos a porta elevador à sorte da mola que a encerrou na cadência que todos sabíamos.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

onde meus olhos descansam
o horizonte ondulado com leveza
e mais além a infinitude sem linha de recorte

teu olhar
que tanto amo
não entendo porque se demora
em mim - o que vê? - me pergunto

segunda-feira, 4 de maio de 2015

as linhas do meu caderno

no meu caderno, as linhas
risco-as à mão
pouco direitas, rasuro-as
redondos e vértices, emendo-as
tracejos do coração.
e erguem-se, assim as manhãs
e luzem, o tom de sonho
e cruzam-se, são olhares
e escorrem, nem sei de quê.
ingénuas, as linhas
no meu caderno, eu vivo
amargo e adoço
linha a linha, me teço
volta e revolta, me faço.

domingo, 3 de maio de 2015

mãe

doce é a mãe
e o beijo dela
a pele do rosto seu
e o toque no meu
também o colo
regalo do aconchego
e o embalo onde adormeço
guardo-o, eu

doce é mãe
a ternura que me surge
deu-ma ela