segunda-feira, 30 de novembro de 2015

há corvos negros
vi-os
em teus olhos grasnam a aflição
sondam o rumo errando
cortam o ar e não voam
procuram e não entendem
e grasnam
e grasnam
e grasnam
surdos ensurdecedores
grasnam

quis tanto ser-lhes o pouso
recordar-lhes a primavera
ou o morno da cor
e eles grasnando
grasnam e enegrecem
atormentados
não cessam
não param
não pousam

eu que nunca soube nada
ignoro o negrume
que não escureça
desejo
ainda aprendo a ser filho

sábado, 28 de novembro de 2015

à luz da vela

há um conluio entre chama e penumbra
decerto há
a chama bole a penumbra baila
e alongam-se em
movimento longo amarelado
no tom breve estalido da chama
inquieta a penumbra logo
acalma...
a calmaria reluzente da vela

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

o que vem das manhãs
frescas
não lhe sei o nome
sei que é
puro
frio
frio branco do gelo
há uma beleza
nobre
o que vem das manhãs

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

destino é uma ilusão
vê-se o que se imagina
até que tudo pareça, então
predestinado

os melhores poemas esvoaçam-me
sempre
antes que os possa agarrar
os pássaros libertam-se para viver

há uns tantos que cuido e estimo
vivem comigo:
de onde vão, a onde regressam
amenos de linhas de livro

fizeram-se dóceis
de animais domados
adoráveis, pousam-me na mão
e tão frágeis de espontaneidade

mas os que me agitam esvoaçam-me
sempre
deles seguro a linha do voo
e sou catraio e sou feliz

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

incompreensível

o homem que arranhava o céu

como gato arranhando a vidraça
incompreensível
não toca as nuvens
não chega aos pássaros e tudo mais
que o céu ensina
que o alcance dá
que o além abarca
a vidraça impede invisível
invisivelmente incompreensível
presente bloqueia
e pronto!

e um sem significado de coisas acontecia

felicidade

há uma felicidade que não sei contar
não a consigo narrar
quando a vivo não faço mais nada
nem pensar nela
quero

há uma felicidade intrínseca
que vivo por instinto

o resto são tretas

sábado, 7 de novembro de 2015

não tenho poemas para livros

não tenho poemas para livros
de começo visito-os
ou visitamos-nos
perco-me a olhá-los e vê-los ser
(aos poemas)
toco-lhes — tocamos-nos
sinto-os e conto-lhes de mim
histórias desengonçadas
o sabor dos dias — isso, saboreio-os
(aos poemas)
torneamo-nos até obtermos o que queremos 
seja poesia
uma vez por outra redijo destas memórias 
evocações que parecem poemas
pobres banalidades do indescritível
real que o poema é
confirmo!
não tenho poemas para livros

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

até ao final da manhã
as ervas tal como as gigantes das árvores
alimentavam o sonho de voar
e voavam, à sua maneira
que era uma ilusão
mas não era, porque voavam
só alguém que levanta os pés do chão
as julga como não voando
e às liberdades a que se dão as folhas à boleia do vento
uma ilusão
do mesmo modo que para um pássaro voador
um homem não voa
cai ou move-se em cima — ou dentro — de algo que voa
sem meios o homem não voa
nem mesmo aqueles que acreditam que voam em pensamento
não sabem
não sabem a diferença
que há entre pensar voando e voar pensando
no final da manhã
os pássaros voadores tal como os homens
não conhecem a transcendência
a de ensaiar um voo de raízes entranhadas na terra
e mesmo assim voar
e ser tão livre e mais viajado
que os que partem e regressam por artes do movimento
mas que no fundo não o é
e muito menos arte
porque nunca deixaram elevar-se pelas coisas e pelas forças
mantendo da terra a alma que é sua
no final da manhã
no final da tarde
e em todos os nasceres de dia
atente-se que é de ervas que o pássaro faz o ninho
é nas árvores que o constrói
e são elas que o ensinam a voar dando-lhe a segurança de um salto
que quem nunca voou pensa ser no vazio
mas que eles sabem ser um pulo para a vida
ser a força da natureza