segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

todos os movimentos acorriam à luz
acender era ação sôfrega 
interruptor o destino
medo emoção em escuro estado

ao vento

o vento chegou 
ourado movimento
erva ramo árvore folha pedra
balanço pungente
memória desperta despertou
o vento chamando
desliza eleva envolta volteou
o que era? passou

a incerteza

a princípio a pedra, mais penedo,
volumosa fria e cinza redonda
fragmenta-se, depois, e seguindo  
calhau aresta cortante ruidosa
continua e, então, é areia suave 
de emperra engrenagem,
se movediça absorve sufoca pesado de pedra,
pode encher-se deserto a perder de vista
pode riscar-se praia: a linha incerta
e cintilante aparta a terra do mar

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

ao escrever sobre nuvens
aprendi que eram tanto e
que eram tão pouco de vapor de água
por lá avistei, longínqua,
a criança que se ignorou

sábado, 19 de dezembro de 2015

dissociação

a pele me possuiu
mais a mim que eu a ela
uma pequena desigualdade ou
uma simples sensação 
quando a ia vestir já não podia 
já era eu sem que fosse minha
a das mãos julguei-a luvas
coisa em branco de tomar o mundo
que uso para me afeiçoar 
um toque de indagar
uma carícia de cada vez 

fluido

a fluidez da forma advinha a distância 
lá onde se esfuma a coisa 
e as coisas todas
o perto vive e pulsa: tinge, soa e move-se
o longe esfuma-se somente 
o personagem inexiste durante 
a performance: invadir o sonho 
ligar a paisagem e alimentar-se 
dela, que o abraça
ao acompanhar da história

(na presença Do Carácter Ambulatório das Paisagens, exposição de pintura de António Melo, a 2015.12.18)

perspetivando

soletrando a perspetiva 
o elemento conjuga-se 
e a palavra - perspetiva - forma-se
dentro de quem a visita
a tela era página do texto exposto
a leveza de pincel 
esculpe-se a forma da penumbra
erigida no sonho e nada ofusca

de ofuscar vem  a impossibilidade de entender
de decifrar a claridade
e o texto não surte

(na presença Do Carácter Ambulatório das Paisagens, exposição de pintura de António Melo, a 2015.12.18)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

poesia

rumaria às palavras todas
esse bando proferido
em teu nome, para te nomear
voá-las-ia até distinguir
o poema nelas contido
talvez quisessem acolher-me
ou simplesmente encarnar-me
a letras desalinhadas
unidas pela cadência do fluir

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

empolgante
é a leitura nunca ser definitiva.
e a escrita, pensada para permanecer, talvez
permaneça na forma e na aparência;
e no conteúdo constata-se uma volatilidade própria:
aquela que a leitura lhe confere.
esta relação cede à história a propriedade de ser
matematicamente
múltipla do texto.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

forma e sinto

o que não sei dizer e sinto
o que não entendo e sinto
redijo e tomo a forma
do poema ali, que sinto

o que ignoro e sinto
o que me confunde e sinto
rasuro e reescrevo a forma
no verso me esclareço, ou minto

e se me entendo, o sinto
verdade ou mentira, nem sinto
confiro textura e forma
dou azo à brandura que sinto

há um indescritível, o sinto
creio pelo indizível, o sinto
tanjo a fluência da forma
se o faço de cor, eu minto

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

da solidez do pensamento único

cilindro
como teu entendimento se comporta
rola em torno de si e esmaga tudo
todas as flores e jardins
todas as gentes, ruas e praças
todo o movimento
depois, só – em modo único –, esse pensamento
geneticamente nascido para cilindrar cores
e indiferente aos jardins e às ruas
decreta-se omnipresente
com direito a toponímia
porque a praça é a face plana do cilindro

domingo, 6 de dezembro de 2015

do que é feita uma selva

a floresta dos pensamentos desatou-se
em selva, um enleado
pensamentos sobrevivem a pensamentos
pensamentos alimentam-se de memórias e nutrem outras
pensamentos engordam sentimentos
e alguns destes amamentam pensamentos
... a selva cresce

envelhecer é um gerar de saudade
a primeira nasce do passado
depois a do imediato, porque se não repete
por último, chega aquela do que se gostaria que viesse

nómada

andar sem fim
ter caminho sem destino
ser presente sem tempo

ser imenso sem limites
de direção e sentido indistintos
sem fito andar sem fim
para onde quer que vá, ir
aonde nada se pode conter
ser brisa ou coisa líquida
abandonar a rotina que não pensa, matuta

habito a amplitude da janela que me toma
diariamente me recolhe os sons da cidade
encastoados nas fachadas de que se fazem os prédios

beijos

sobre esse ato
que é de dádiva ou 
de recebimento, até; 
breve, longo e profundo,
simples toque de boca, de mundo;
acontece na forma doce do acontecer.