sábado, 30 de janeiro de 2016

inventar-se

perto da forma
o fazer turvo de uma linha
ignora o sentido, ainda, do
aleatório movimento
e anda desliza empina
rodopia e paira
e mergulha afunda inverte
e dispara e plana
não para inspira
expira e faz-se

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

o amanhecer, de tão escuro, não foi;
apagou-se ainda antes do nascer,
cedeu a vez; chegada a hora,
o dia, indiferenciado se fez

aforismos

há algo de bom no atravessar da rua por uma razão sem propósito;
a inutilidade do impulso é um fenómeno estritamente humano, como a adjetivação;
adjetivar é um verbo pouco neutro: se não iça é peia;

apontamento para escrever algo

há uma fábula em cada leitura e uma moral em cada história;
há gente em todas as espécies do reino animal;
há animais que rezam e outros que são deuses e alguns alheiam-se;
há minerais que falam sempre mais alto;
há flores, que sendo flores, nascem monstros,
matam e devoram e alimentam-se de corpos e são belas
de um quase romântico;
uma boa história tem todos as personagens que conseguirmos ler e
brincam a tudo o que pudermos entender;

a cada poema nasço mas nunca renasci;
ir além é desobedecer ao rigor do prefixo re;
cada síntese é uma síntese;
o poema é uma história de uma vida inteira e
os versos assinalam passagens;
as estrofes são promontórios de onde se contempla
o balançar das vírgulas, meu respirar é desigual;

não sei nada de morte e sobre a morte nada sei;
sinto que morro, quase sempre, e resisto: vivo do pensar diálogos,
fundo minimalidades até nascer e meu vagido está no olhar;
quando nasço recuso o ponto final;
o que jorra flui e o destino não o quer saber a fonte

domingo, 17 de janeiro de 2016

sob o casaco, a gola envolta, atestava um sorriso — tudo belo,
todo doce —, a fronte — face e olhos e boca — era una e
o todo: a unidade para acreditar que ser feliz é possível.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

adeus
a palavra mais dura
de pronúncia tão definitiva
como tudo o que se confia a deus

lá longe
as mulheres cantam — gaivotas
— drapeiam os corpos
suspiro translúcido ao sol
alheias a quem olha
insinuantes, porém,
espantam a indiferença
lá longe
o horizonte dilui-se de céu
ruboresce a terra
revelam-se os tons
borbulha a natureza

verão, a tarde inclina-se 
a paz aportou aqui
branda leve de penugem

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

a vida existe da troca 
com outras vidas, a vida é todas as vidas 
tocando-se, algumas, impregnando-se, outras,
ainda, cruzando-se, 
dependendo da morfologia acontecente

um poema poderia ser um pensamento 
encorpado pela formosura forma do momento

há o destino que normalmente se diz das pessoas
eu encontro destino nas árvores
as do meu jardim que serão no futuro?
cuido-as — amo-as — e quero para elas dignidade
projeto-as como algo de mim e teremos
destino: é isso que nos une em todas as estações