terça-feira, 22 de março de 2016

a minha morte irá chegar como um buquê
flores em verde de ramagem
reluzente de orvalho
em invólucro transparente de celofane
cingido a laço volumoso pendendo enrolado
um cartão de mensagem condolente ainda
por escrever
minha morte chegará sem nada para dizer
e eu morrerei, somente, como folha que partiu

segunda-feira, 21 de março de 2016

chilro 3

chilro
uma bicada no silêncio
se o pássaro o prende no bico
se o puxa em volteio
enrola-se o chilro
será chilreio

não tenho cunho e destino
onde me prenda para crescer
então me faço me tento-e-caio
me ergo enterro
e morro e vivo
em tom marinho adolescer

biografia do meu interesse

escolho que o sol me tinja
encobre-me o norte que me endurece
onde aprendi a cor nos montes e no ar
entre céu e terra alongo o mar

meu horizonte é amplo e longínquo
o puro é branco e frio e reluz
em frente o sol ofusca escarlate
o morno é de uma ausência inexplicável

meu mote é de talha granítica virada a sul

quinta-feira, 17 de março de 2016

princípio da esperança

reluzente
chama ainda não quente
tímido sorridente
trémulo
embalo que sustenta

palavras loucas, não se escrevam
se rabisquem a giz, quando muito
que o tempo as leve
se apaguem por ação da humidade
do sol e da chuva se descorem até nada serem
paredes arejadas limpa-as o tempo
dos gritos que as esmurraram

sexta-feira, 11 de março de 2016

chilro 2

chilro é uma bicada no silêncio
se o pássaro o prende no bico
e o puxa em volteio
enrola-se o chilro e será chilreio

terça-feira, 8 de março de 2016

chilro 1

chilro é uma bicada de pássaro no silêncio
se o prende no bico e o puxa em volteio
o chilro se enrola até ser chilreio

quinta-feira, 3 de março de 2016

viver

embocar na estrada poeirenta ecoando
a fragrância matinal não ser
o pôr-do-sol a indicar o caminho
andar para ele, andar por lá, ainda
visitá-lo ao adormecer e sonhá-lo

pela manhã a luz acordará
comigo, enroscada em meus olhos
despertaremos pássaros
a hora de nos fazermos ao voo

terça-feira, 1 de março de 2016

a maior desilusão edita-se na alma

pecado virginal

sempre que atravesso a rua
esta rua que nos separa
vejo-te pendida de corpo sobre o lado esquerdo
pendida sobre o coração que abafas com o rosto preso e
humedeces com todos os mucos
e o empapas e dele fazes papas pendidas
como todo o teu corpo

pois desflora-te, que rebentem livres as flores em ti semeadas
desfolha-te das securas que te empalidecem
desonra-te das honrarias que te desalinham a felicidade
desalinha-te deslinda-te até que o sol doire seja o que for; às vezes
começa num grão de poeira, que seja!
que seja e desobriga-te
desabriga-te e salta nos charcos
encharca-te e cheirarás o prazer da lama
desalma-te e enlouquecerás por coisas mínimas
então se farão reluzentes, ímpares e deslumbrantes
desmancha-te desmembra-te desforra-te e dança
rompe o raio de sol, arredonda-lhe a trajetória
curvar-se-á à tua passagem
desmama-te do pendor que nunca foi teu, desama-o
desmanda-te para todo sempre
a rua tem dois lados paralelos: nunca se encontram
nunca se opõem e visitá-los é atravessar a rua
é perigoso mas necessário
coragem para não seres pendida
desenrola-te desenrodilha-te desemmerda-te
para que nunca te desiludas

entranha do vício

são horas de fazer algo e eu mordo
mordo o filtro nos lábios e fumo
fumo, não fumo que deixei de fumar
mas fumega-me a palavra e eu puxo-a
até que me arda nos lábios
e fumega-me e aspiro-a
aspiro-lhe a fumaça
e forço-a a entrar-me no peito
pelos pulmões que são maiores
e inflam como balões e estoiram
e o peito explode e quase rebenta o coração corre
corre pelo corpo,  todo até à extremidade
extremo quero, quero a extrema unção
quero tudo extremo e o corpo treme
treme delírio calafrio e a palavra beata fumaça
esfumaça, esfumaça e fumaça é o que me brota
do peito, pelo nariz pela boca uma voz rouca
e enrolos aros bolas balões de fumo cruzados
enrolados encadeados traçados
forças extremas que só o cansaço me deixa olhar
e aprecio, exausto como se tivesse fumado, um poema 
um olhar amoral, viciado que sou em qualquer coisa que arda
desde que me queime a partir das entranhas
até que me seque a boca
e me declame vadio
e fumo e fumo e fumo