sábado, 28 de junho de 2014

amote até onde o amor pode ser
sem comprimento, sem distância, sem quantidade
um amor que é intensidade e momento

quarta-feira, 25 de junho de 2014

um homem toma num punhado toda a terra que pisa
no vento esvai-se o pó daquele momento

levadia

meus passos deixei-os na areia
abandonei-os. a nortada
fustigou-me o corpo
até ao rosto: o enlace
em que nos consagramos;
são assim os nossos encontros
bravos, encapelados...
os meus passos foram no mar

inconsistente

sou um arremesso de mim mesmo
em cada poema me inseguro
ao escrever não grito, nem choro
nem entusiasmo, não extasio.
não respiraria, se pudesse
sossegar-me-ia até à morte
e arremessar-me-ia
como sombra de uma brisa

terça-feira, 24 de junho de 2014

búzio

as ondas do mar se enrolam
em búzios, elegantemente
coloridos e luzentes
enovelam sonhos
que desatam em sons
e sussurram-nos ao ouvido.
o mar ribomba ao fundo
satisfeito
o búzio soa no peito

domingo, 22 de junho de 2014

incomensurável

sonho sempre
sempre que o mar é profundo
sempre que o céu é longínquo
os peixes e os pássaros pairam
em palavras, em versos
— elegantes —
e fim é só uma sílaba do infinito
que habita o poema

quarta-feira, 18 de junho de 2014

mãe
ensinaste-me histórias de animais
de meninos bons e de maus
eram eu, os meus anseios e os meus receios

mãe
que me vais ensinar hoje(?)
que ao fundo do jardim há uma árvore
ansiando uma história bonita

mãe
corro, correndo desalmado
descobrindo na árvore
mais uma história de mim

mãe
as tuas histórias sempre
terminam com o teu sorriso
quão linda sorris "FIM"

leituras

i
leio em modo de ócio
passos - voos - da manhã
leio um turista que vem
antecipo-lhe o passos
perdidos, atrás dos olhos
um corpo sobrevivendo à novidade
em êxtase hesitante
cansaço de peregrino
carrega as ainda não-memórias,
que o tempo ordenará,
religiosamente feliz

ii
leio o vagar de uma gaivota
rasando tudo o que quer
pousa em cume - imponente
fitou-me demoradamente
partiu, levou-me os olhos
deixou-me o olhar

divagando

quisera os sonhos fossem ondas
mar, em verde e azul prateados
rendilhado em véu de espuma branca
salpicos, brincando na areia
enrolando nos pés.
teus olhos correriam peixes;
formariam cardumes, os teus olhares,
que teceriam o horizonte em prata
povoado de sol, de vento e de gaivotas
encheriam as ondas que rebentariam
nas pedras, polidas, limpas e cintilantes
moldadas a água e a mar

era sonho..., quisera
o sal da lágrima é de mar

sobre pétala

era a pétala
o toque, a cor
o aroma
era o lugar do mundo
o encanto do universo

o que ensina um voo de abelha
um borboleteio
um bambaleio ao vento, flor
doação, gesto de paixão
florido no lar levita

na pétala há poesia nunca escrita

terça-feira, 17 de junho de 2014

a demanda

no resto de um dia
presente
um pôr-do-sol, sempre
de aberto radiante
a encoberto anuviado
nunca será distante
nunca será ausente
realmente
querer-se-á encontrado

saudade

no horizonte
os montes saltam sobre os telhados
as memórias saltam sobre o quotidiano
sobressaltos no horizonte

domingo, 15 de junho de 2014

pulsar

os olhos guardo-os no peito
juntos aos meus
no rosto plantei  janelas
a luz que irradia delas são olhares
dos olhos que se irmanam em mim
alvoroço de um pulsar

o que realmente interessa é aquilo que que se acredita: esse aquilo é a verdade.
o resto? que importa? por lá mora a mentira...

realmente importante

quero ser
uma existência pequenina
suave de vento — talvez
brisa — discreto,
de banalidade
cheia,
a frugalidade da calmaria
nascente de um sorriso em esboço
a vulgar felicidade
desprendida dos sentidos
dos meus amigos

quinta-feira, 12 de junho de 2014

de todas as dores
a mais dorida
chega-me
não sei como
nem sei de onde
sinto-a viver em mim

efémero acolhido

acolheu-se na lapela de um fato
preto, claro em cinza escuro,
um sorriso, pin de amarelo,
ou bandeira engalanada
quando a procissão que ia
no adro, passava.
antes mesmo que o pálio fosse visto
antes ainda da banda soada
caiu da lapela  o acolhido  creio
de empurrão, ou arrancado, e já
na calçada, o sapato que o pisou
agarrou-o, e no tacão o levou,
pisando-o, arrastando-o pelo chão

quarta-feira, 11 de junho de 2014

poema

onde a ave fez o ninho
onde a porta escancarou
onde o mar confidenciou
onde o rio pulou

onde a água tem aroma
e o sal abençoa
onde existe doce de água
onde a ave se sacia

o tempo
como todo o resto na vida
custa usar na míngua:
os ingratos últimos momentos

sobre o mistério da palavra

na poesia
arte do indizível
as palavras são sonância
uma melodia de fundo
e tomamos os significados
que enchemos e esvaziamos
das palavras, cheias,
que dispomos e compomos
ao som harmonioso das palavras

é uma arte a dois, de conivência
entre quem escreve e quem lê
só em cumplicidade se revela 
o inexplicável que o sentido tem

momentos não

um dia que devia não ter acontecido
um jeito no cabelo que estragou
um arranjo na jarra que a tombou
uma limpeza na moldura que a partiu
um arranjo na mesa e o copo derramou
um toque pessoal que desmoronou
momentos em que fomos a nossa desilusão

terça-feira, 10 de junho de 2014

que dizer de um homem
que escapa às vozes para ouvir os pássaros?
e de uma ave
que abandona o bando para pousar numa mão?

domingo, 8 de junho de 2014

terra de fragas

de onde nasci
as pedras eram duras
de pedra se faziam casas e lápides
monumentos
e outras moradias para as memórias

de onde nasci
o povo respeitava as pedras
a terra as plantas e tudo mais
deus conjugava as preces
que a vida era dura e incompreensível

de onde eu nasci
a terra era o cheiro a vida
os cantos escondiam as amarguras
que nasciam nos campos
ao lado do trigo

de onde eu nasci
a terra gemia a escravidão
de ignorância se tecia o véu
da servidão
de quem não nasceu senhor

de onde eu nasci
o tempo correu e tudo mudou
a terra tornou-se inculta
o senhor morreu, abandonado
da terra se fez monte

quadro

o sol não visitava a manhã
a passarada muda, andava
pelo chão picava aqui
ali bicava, migalhas
talvez de pão
tudo em sossego...
nem um som

a velha dava o que tinha
o regaço de rainha
dele voava pão
caía, rolando no chão
tagarelava uns mimos
desaparecidos na imensidão

sábado, 7 de junho de 2014

sábado à tarde

tarde de sábado, quase sete
o filme já visto, a tv está só
escorre a preguiça
inicio umas mini férias
aproveito o sabor da calma
que chega do cansaço
prefiro a que vem da paz

choveu, e o vento trouxe o sol
brincam com as sombras, todos,
e com os ramos das árvores.
fresco, o lá fora
aprazível
a cor é linda, o tom entardece
suavemente, como a preguiça
calmamente, como o cansaço

a tv abandonada fala em vão, já visto

um melro posa na árvore do fundo
ao centro, um chorão
perscruta à volta, pressente-me ao longe
sabe que o apanhei na imagem
e continua, a naturalidade de uma pose
como este texto que se sente gerado
letra a letra, entendendo as emendas
um e outro, elementos de um quadro
composição de um dia
espírito de um estado calmo
de sábado, pouco depois das 7 da tarde

quinta-feira, 5 de junho de 2014

se o dia te for pesado...
se tiveres de poisar o dia...
deixa uma parte de ti
de permeio entre o dia e o poiso
que os dias só serão teus
enquanto lhes tocares

andante

sonho até ao fundo do caminho, viajo
parto comigo mesmo
arrumo a partida em sonhos
a bagagem que se faz minha

viajar é assim
passear o sonho na avenida
apresentar-lhe os transeuntes e deixá-los entrar
e acompanharmos a paisagem

que a história é só uma, de viajem e de sonho
e o sonhador e o viajante são o mesmo narrador

mistério do beijo

beijos não se escrevem
nem se dizem
despontam
soltos, da entrega
pousam, de pluma
caem, de chapão
jorram, de nascente
humedecem, de orvalho
indescritíveis
mote de estrelas

incompreensível estado de ser feliz

o desconhecido era a arte que nos unia
o caminho que pisávamos com a satisfação de saltar nas poças
éramos crianças de olhos arregalados no horizonte
o sol nunca se punha e estava lá, sempre
de sorriso feito para nós
éramos piratas, dos bons, éramos pessoas heróis
éramos grandes, sem sabermos
que a nossa grandeza era ser o que éramos
e nem sabíamos o que éramos
sabíamo-nos felizes, e bastava
é-se feliz quando basta a felicidade para o ser
(feliz)
o sol ainda se detém no mesmo lado
seu sorriso permanece redondo de perfeição
hoje, temos a nostalgia de um passado feliz
e a felicidade, vinda não se sabe de onde
— não há mal nisso, sorri-me o pensamento
na verdade, que o que habita em nós não vem da lado nenhum
está lá!
o desconhecido de ser-se feliz, porque se é
razão intensa da felicidade em nós.
acontece passar a nostalgia; uma mirada complacente de-nós-para-nós
com esboço de sorriso colhido nos lábios e na ausência dos olhos

quarta-feira, 4 de junho de 2014

terça-feira, 3 de junho de 2014

partiríamos... vadios e errantes
que errar é a mais humana das virtudes
e vadiar a maior riqueza

segunda-feira, 2 de junho de 2014

dia poema

era luz, era cor, era perfume
era fruta, eram flores
vivazes, eram olhos
eram mãos, dadas, pousadas
inquietas, eram pombas
era sol em abóbada
era lago, fonte jorrada na praça
era dia
era dia poema que as palavras não contam
que em silêncio os olhos declamam
que no ar se semeia e se respira
era poesia
a poesia que faz o dia

domingo, 1 de junho de 2014

contorno movimento

li nos teus movimentos a ave
descobri o lirismo do voo
sei porque me paira o pensamento
vi onde converge o sol
compreendo o vento que te abraça
e se faz brisa
e porque arriva o perfume de mar

o que sei das gaivotas
sei o que buscaram em ti
o desejo de viver
o prazer de vadiar
e o amor ao mar

leio e releio o movimento
a ave
o voo
o poema
a brisa é sempre fresca
e o aroma de mar acentua-se
em essências, a cada passagem

outra face do óbvio

óbvio?
nem tudo é assim tão óbvio
não é óbvio que as árvores sejam poleiros das aves.
já vi pássaros com árvores nos bicos a caminho dos ninhos
eram arvores empoleiradas nos pássaros
com eles voavam
algumas batiam os ramos vigorosamente
intimamente sabiam que voavam
voavam mais que qualquer homem dentro de um avião...

não se diga que rancos não são árvores
se plantados na terra se fazem árvores frondosas
não seja o tamanho que defina a árvore
como se determina nos homens
afinal não é óbvio que um ranco não seja uma árvore
e, embora não o pareça, é obvio para as aves
serem poleiros de árvores que voam
que sentem o voo vigorosamente
é obvio.