quinta-feira, 30 de abril de 2015

o surdo sonha, fala 
e ouve-se, e fala mais alto
e ouve-se mais

invade-o o êxtase, sublime
ouve-se e tanto quer dizer

e o surdo ouve-se
tagarela e é feliz

da pérola

como se agradece a pérola deixada
pelo beijo da entrega
que é dádiva, a maior?

como se cuida a pérola polida
redondo cintilante que toma 
dos olhos o olhar?

e o brilho
que a enche brota nascente
como se agradece a pérola?

quarta-feira, 29 de abril de 2015

sexta-feira, 24 de abril de 2015

entardeço
acosto adormeço
preparo o anoitecer
alcanço
a estrela do sonho
passeio-a e leva-me
ao alvorecer

geometria da noite

a noite
como se desenha a noite?
com um traço, assim
despojado reto
entra nela, por fim
a curva em traçado
de esfera, envolve
isolando
o movimento, só

sexta-feira, 17 de abril de 2015

divagando

i.
a nascente dos dias jorrava-os longos,
infinita,
espremidamente longos

acontecia serem puxados a pulso
por todos os pulsos do mundo

o que os fazia mais longos e desejados

e tomou esta forma, o tempo:
longo e desejado

ii.
segue o patamar da rua empoeirada
abeira-te dos parapeitos
das janelas joga-se a luz de um para outro lado

se o fogo respeita a noite, aquecendo-a
ela gosta
e irmanam-se  pela lareira

iii
o que afasta as pessoas
não é a distância mas a falta dela
a sobreposição e o empurro:
o antes de tudo, o antes de nada, o antes de mais
e o pior, o antes de todos, que a ganância tem

sexta-feira, 10 de abril de 2015

o texto sempre foi mais amplo e mais rico
que o autor e o seu pensamento
o texto enriquece-se nas leitura
por elas se alarga
são elas quem o dizem

ócio em fim de tarde

sabes
a bonomia da tarde
quer-nos a ternura em final de dia
o nome entardecer

olha
o morno ponto
o sol redondo avermelhado
deitado vai-se esconder

sente
o corpo estirado
em banco aberto, acordado sono lento
momento antes de anoitecer

e futuresce, a palavra sedutora,
ela única o poema

a fantasia das palavras

todas as palavras têm sexo
depois do género.
todas as palavras fornicam
ininterruptamente
não suspendem a depravação
de serem o que são. enleiam-se
sem se acotovelarem
desmandam-se no verso
e gritam esparramadamente.
a fúria contínua entranha-se
tomando as palavras que se penetram
viciadas. oh deus!
que derrame, que desalinho
que desordem
se funde fecunda e gera.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

do verso

o verso é o todo uno
cume do viandar
sonho em frase despojada

e flutua, o verso

do poema nada sei

dos versos

recorta, pinta e cola
recola, porta e cinta
recinta, pola e corta
morde a língua, fala só
míngua a lorde, ró de si
empenho e travessura
ou travenho e empessura
o menino vai enchendo o caderno
digo, livro

do poema nada sei

dos versos

um verso in-
verso outro verso
era uma vez o poeta
acontecendo

do poema nada sei

quinta-feira, 2 de abril de 2015

amador

i
amo a dor de me doer
não amo, é o meu amor

ii
saberás
que amar não se sabe
é sabor
indescritível

sobre o vento que passa
sabe-se, já passou por cá
e, sobre tudo voltará,
passando, sempre

quarta-feira, 1 de abril de 2015

viajante

viajo
quando meu comboio descarrilar
terei estrada para correr
e quando esta acabar
serei do mundo, sem chão, para me perder

se deus resultar da preguiça
de entender ou de explicar
o acontecer

a preguiça - a mãe
dos males - pela maternidade
fará deus nascer

e sendo companheira
do ócio pariu o diabo, irmão
de deus e poeta, bom de ver

para onde dirigir o olhar
se a paisagem é ampla
longa e larga, profunda e alta
como a cegueira?

poderá a terra ser árvore?
alçar-se ao céu
pó-de-ser

poderá a árvore ser ave?
devotar-se ao ar, pairar
se erguer

poderá a ave ser chuva?
destinar-se ao chão
chover

poderá a chuva ser terra?
início e fim
viver

ditado

escrevi no pôr-do-sol que me caía no caderno. era meu
sem o ser e senti que poderia escrevê-lo, ou escrever-lhe,
em cima, para nele ficar gravado e ser dele
também.

iludi-me, pensando que seria autor da escrita,
quando era só o motor, a máquina do movimento. a mensagem vinha dele
e apanhando-a eu, tinha de a pôr, não sei a quê,
e fi-lo no caderno sem que pudesse dizer as ondas da areia,
as sombras do areal que o pôr-do-sol me descrevia.

não pude fazer o ditado
e foi neste estado de aluno menino que me mantive,
por isso dei-lhe toda a atenção que tinha,
tudo o que me restava.