terça-feira, 13 de dezembro de 2016

desesperança

não há lugar para jardins
não há espaço para flores
e os pássaros não têm onde voar

tombam nadas da mão
pendem estéreis os sonhos
de nadas tão nada que são

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

encantamento

da flor
acerquei-me dela
como para...

sem verbo a pétala
mimosa
acerquei-me dela
como...

a cor delicada
macieza
o mimo
acerquei-me dela
só...

existindo

terça-feira, 15 de novembro de 2016

continuando

todos os tropeços
são almas que rosnam
não te inquietes
nunca te culpes
recorda, já passou, a tua mãe
afaga o beijo que te acariciou

de súbito

o de anuncia a eminência
que o inesperado pode ter
pontua de previsível, talvez

explica-se o nem sempre da surpresa
sendo esta um asseio
se se procura resposta a piropos
que  de súbito – são-no
todavia, esperados
criam lugar ao espanto
até justificam a estranheza

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

azul de azuis

encanta-me o azul das folhas
tingidas desta estação
um azul de árvore fosse
de azuis que o não são

têm um fundo de céu
juntam um toque de chão
uma pinta verde cor de verão
se os verões fossem verdes
de azuis que o não são

mas o azul das folhas é
luz que morde a atenção
límpida como o ar 
tem a frescura do mar
tão livre como o pairar
cadenciando ao pulsar azul 
do coração em azul peito
se os peitos fossem
azuis que o não são

terça-feira, 11 de outubro de 2016

existenciar

o passado é de matéria inconstante.
o futuro sustenta-se na ideia de eternidade.
o presente urde-se mutante e eterno; é
uma impossibilidade: em sentido concreto
confirma a existência como milagre.

preguiçar

encosto o olhar ao
pensamento em fim-de-tarde, por aí ficar,
largueza fora, planura
saboreando o ar

o ideal sem sonhar
pairar ameno, leveza em sentimento
instante pleno, ápice
corpo a assoalhar

piscos, os olhos teimam
fechar e tudo verem, ainda tocar
o reluzente acontecendo
crepitar do entardecer

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Coimbra

um certo ar de ser
Coimbra

corre-te nas artérias
um fundo encapelado
rimando com resignado
Coimbra

uma rima improvável
um quase sem sentido
como em ti, Coimbra
o o e o i recusam o ditongo
enleiam-se na consoante
e formam sílaba, a sua.
então unem-se na palavra
acentuando-se 

Coimbra
de vontades várias

Coimbra
de sonância assíncrona

sábado, 20 de agosto de 2016

ainda é tarde
ao tempo sobra o rumo

alguma vez serei luz?
ou só a manhã que não sabe existir?

à pergunta dos loucos
responde o puzzle dos significados

nem tudo passa, só,
há o que frutifica à passagem

ainda é tarde 
o tempo não se avoluma

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

a cor desacanha o dia 
é de azuis e amarelos
de verdes e vermelhos
em tom de ser alumia

é uma cor que grita, canta e ri
é uma cor que pula, voa e anda
é cor a porta, janela e autocarro
em tom de rua ensolarada
de manhã pequena desocupada
a passo gerúndio corado
é domingo ou será sábado
podendo ser até feriado

quinta-feira, 28 de julho de 2016

i.
as flores se aprimoram por gerações
para seduzirem, o que fazem com mestria:
são belas, ainda que se desconheça o propósito:
algumas para se alimentarem,
outras pelo nobre desígnio da reprodução

ii.
há um vento que concorda comigo
falo e ouve-me
ouço-o, responde-me rumor de folhas
e refresca-me
a cadeira em que repouso bamboleia
suave, pendulando concordância

quarta-feira, 27 de julho de 2016

ao rubro
é onde a dança nos põe
no olho da ebulição
o gesto deflagra movimento
há um inconsciente nisto
e a graciosidade que se espelha
vem de dentro

o rei dos peixes

eu pequeno
à lareira, meu avô dizia histórias fantásticas,
chamava-as de contos.
adorávamos o do rei dos peixes,
sabíamo-lo de cor: magnífico.
meu avô enchia-nos do melhor que imaginávamos,
era o rei, tal a força da sua generosidade,
eu era peixe para ter um rei assim

quarta-feira, 20 de julho de 2016

ares da beira-mar

o marulho deste mar tem
ondas pequenas, chegam e
enrolam-se nas pedras às risadinhas

vejo as pedras hilariarem-se pelo contorno
das ondas e pelos banhos de salpicos

foliam duas formas da mesma realidade

ao largo, as ondas são mais
vigorosas: enormes roncadoras como
fossem soltas de longa clausura
ou
empurradas por força maior
que desconhecem

provirão da agitação dos peixes
pujantes no bater de barbatanas e
nos jorros de água que expelem de guelras arejadas
ou
ainda, serão coisa de sereia:
sabe-se que instigam o mar
que ondula a voz de água e sal
em melopeia de encanto, se matiza
a aragem, cantando

a realidade tem uma presença de vento
toma todas as formas, até as mais invisíveis

sexta-feira, 15 de julho de 2016

o sopro

tomou a chama dourada
da vela enchameada
o pavio fumegou
afirmava a tristeza
pelo brilho que se apagou

dizer

no íntimo de
cada palavra vive
uma ideia que se aprimora
para ser numa história

é coisa breve de brisa
como borboleteando
obtém um quase soletrado
encorpando a natureza do voo

terça-feira, 28 de junho de 2016

há cavalos que perduram em seu rasto,
por mais paisagem que passe;
são de trote longo,
de galope poderoso
e têm vontade equina. frente ao sol
recortam-lhe o brilho na forma do seu perfil

sexta-feira, 17 de junho de 2016

floriu manhã
fresca de primavera

bebo manhã
e respiro primavera
o florido converteu-se olhar

ensaio respirar manhã
quero beber primavera
sondo o desconhecido em flor

o que faço poderá nunca ser
porém há olhos primavera

disgrafia

escrever
de luz apagada, escrever
palavras encavalitadas
de letras, também
em frases que se julgam versos
seres iluminados
emergentes
da escuridão que apaga a luz
no adro onde convivem cegueiras

rumoreja

rumoreja
por enquanto rumoreja, só
a um odor morno anunciador
do verão, ainda brisa

e ouve-se
esse bater de asa ocioso
a cigarra ou a abelha
que escuto borboleta
e rumoreja

vaga de onda
esse vai e vem sem fim
de um indecifrável embalo
rumoreja
em suspenso de flor
belo leve livre maior
de interpretar
saboreando o ciciar

rumoreja

terça-feira, 31 de maio de 2016

talvez
o dia seja uma partícula mínima
onde assentamos momentaneamente.
depois, algures durante o sono,
muda-se a partícula
e acordamos noutra que não distinguimos da anterior.

as partículas sucedem-se,
porém, vemo-nos sempre na antecedente,
há mudanças que nunca percebemos. por vezes,
esforçamo-nos para que tudo fique igual:
desejamos o imutável...

o passado, em todas as suas partículas,
ensinou-nos o desfrutar do presente,
o futuro serve-nos a utopia
com que ocupamos o agora, o que nos faz levantar,
preparar o pulo,
o que realizamos durante o sono,
para a partícula seguinte.
talvez.

a ocultação ou
a não aceitação de si,
no todo ou em parte,
geram o enigmático do ser;
traduz a intraduzível dificuldade:
entender-se.

o que se desoculta ou
o que se aceita,
transparece; este é,
porém, um processo interminável.

domingo, 29 de maio de 2016

fica-te bem o luar
com que atas o cabelo
que enlaças nos dedos
e tamborilas um mistério
a mesa é tua
fica-te bem
o luar o rumorejo
e a luz da vela
é bela
fica-te bem ao luar
cobiça-te o cabelo
transborda-te o olhar
fica-te bem a felicidade

sexta-feira, 27 de maio de 2016

pulsão

mantinha a luz acesa,
sempre, o quadradinho luzente
era seu; o ato: adornar a rua,
queria-a radiosa.
via-a menear-se vaidosa e nua
passeando sua
janela brinco, colar
pingente, anel,
jóia em corpo encastoada:
o luzir permanente.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

e se desconversássemos um pouco
— sugere-me o poema —

para despojarmos as palavras do comum
que o sentido lhes venha do som gerado no íntimo

para as conversas desabotoarem enredos
em vez de descreverem um enleado de tangentes

para que as pessoas sigam mãos-dadas com os poemas
fossem filhos com os pais

para ouvirmos a voz de dentro: a que declama
a poesia que desagua em nós

perfeitos são os versos ditos no olhar do encontro:
o poema cristalino

quinta-feira, 12 de maio de 2016

a oposição

eles
acumulam ódios
usaram os seus como lastro
acamam os restantes
camada a camada
enche-os um pesadume
afogar-se-ão berrando impropérios
todos precisamos quem reme
cada qual no seu estilo
todos no mesmo rumo

sexta-feira, 6 de maio de 2016

dos beirais

dos beirais
a água pula
gotejam pardais
líquidos chilreios
chapinham
traquinam
crepita abril
maio e muito mais

quinta-feira, 5 de maio de 2016

pelas borboletas reconhecemos o borboletear
dos dias
em modo sem remorso de ondear florindo
trajetos

há seres que recusam o voo direto
reto geométrico do pardal ou
do faísco de chuva

o encanto toma todas as formas
e ao movimento que as traça, demora-o
o necessário para encantar

como o dar-se da figura de bailado

segunda-feira, 2 de maio de 2016

4 fragmentos do amanhecer

1.
há rumor nas madrugadas:
um não-sei-quê do que poderia ser,
um odor a 2.ª oportunidade.

2.
as folhas libertam manhã: iluminam e
movem-se leves sem preguiça;
há um fresco de terra que as inunda.

e roçam-se pela cauda do vento
lá rodopiam um sorriso matreiro:

o burburinho do despertar.

3.
o sopro das palavras carrega-lhes a melodia;
todo o dito tem fundo de ventania.

4.
agrada-me em deus a esperança:
uma espécie de utopia endeusada.

passar da aurora

desabotoa-se a aurora
corpo morno em manhã fria
chama em luz vinda de seio
o que acarinha e alimenta
o que acolhe e irradia
até que aurora seja dia

terça-feira, 26 de abril de 2016

é de azul onde te sentas
e os sonhos onde descansas teus pés

teu olhar de folhas verdes hoje tem flores
teu sorriso em bando tem o recorte do voo

fechas os olhos
e o dia suspende-se

há um cisne em teu pensamento

segunda-feira, 18 de abril de 2016

alguns, no desassossego,
alaram cavalos e os fizeram brancos,
fosse qual fosse a cor, era importante
que resplandecessem.
há um ideal ligando leveza e força a graciosidade
no movimento e a reluzente:
a ideia de luz emanando do íntimo é
uma ideia poética, e voa por meios próprios.

terça-feira, 12 de abril de 2016

sempre me despedi da vida
fui despedindo
desalojando de mim o que não gostava
o sem importância
o supérfluo
sempre foi assim
sempre fui assim
sempre tive dificuldade em convivier com o desinteressante
e sempre sendo assim verifico
que me tornei enjeitado de mim mesmo
este é o meu trajeto segredo
uma sinusóide que sempre pareceu reta
como todas as despedidas

quarta-feira, 6 de abril de 2016

como dizem e o como escrevem é artifício
como sentem é onde germina a arte

o odor onde residem as memórias
tem fundo de gaveta e pó de prateleira
tem escuro de guarda-fato

no debulhar de um álbum
as fotos acenam aos dedos
e estes acorrem
sedentos
ao bulício de reencontro

há uma espécie de magia linda
no assomar das memórias
de entre névoas e mofos com aroma
a pó-de-arroz e bolas naftalina

terça-feira, 22 de março de 2016

a minha morte irá chegar como um buquê
flores em verde de ramagem
reluzente de orvalho
em invólucro transparente de celofane
cingido a laço volumoso pendendo enrolado
um cartão de mensagem condolente ainda
por escrever
minha morte chegará sem nada para dizer
e eu morrerei, somente, como folha que partiu

segunda-feira, 21 de março de 2016

chilro 3

chilro
uma bicada no silêncio
se o pássaro o prende no bico
se o puxa em volteio
enrola-se o chilro
será chilreio

não tenho cunho e destino
onde me prenda para crescer
então me faço me tento-e-caio
me ergo enterro
e morro e vivo
em tom marinho adolescer

biografia do meu interesse

escolho que o sol me tinja
encobre-me o norte que me endurece
onde aprendi a cor nos montes e no ar
entre céu e terra alongo o mar

meu horizonte é amplo e longínquo
o puro é branco e frio e reluz
em frente o sol ofusca escarlate
o morno é de uma ausência inexplicável

meu mote é de talha granítica virada a sul

quinta-feira, 17 de março de 2016

princípio da esperança

reluzente
chama ainda não quente
tímido sorridente
trémulo
embalo que sustenta

palavras loucas, não se escrevam
se rabisquem a giz, quando muito
que o tempo as leve
se apaguem por ação da humidade
do sol e da chuva se descorem até nada serem
paredes arejadas limpa-as o tempo
dos gritos que as esmurraram

sexta-feira, 11 de março de 2016

chilro 2

chilro é uma bicada no silêncio
se o pássaro o prende no bico
e o puxa em volteio
enrola-se o chilro e será chilreio

terça-feira, 8 de março de 2016

chilro 1

chilro é uma bicada de pássaro no silêncio
se o prende no bico e o puxa em volteio
o chilro se enrola até ser chilreio

quinta-feira, 3 de março de 2016

viver

embocar na estrada poeirenta ecoando
a fragrância matinal não ser
o pôr-do-sol a indicar o caminho
andar para ele, andar por lá, ainda
visitá-lo ao adormecer e sonhá-lo

pela manhã a luz acordará
comigo, enroscada em meus olhos
despertaremos pássaros
a hora de nos fazermos ao voo

terça-feira, 1 de março de 2016

a maior desilusão edita-se na alma

pecado virginal

sempre que atravesso a rua
esta rua que nos separa
vejo-te pendida de corpo sobre o lado esquerdo
pendida sobre o coração que abafas com o rosto preso e
humedeces com todos os mucos
e o empapas e dele fazes papas pendidas
como todo o teu corpo

pois desflora-te, que rebentem livres as flores em ti semeadas
desfolha-te das securas que te empalidecem
desonra-te das honrarias que te desalinham a felicidade
desalinha-te deslinda-te até que o sol doire seja o que for; às vezes
começa num grão de poeira, que seja!
que seja e desobriga-te
desabriga-te e salta nos charcos
encharca-te e cheirarás o prazer da lama
desalma-te e enlouquecerás por coisas mínimas
então se farão reluzentes, ímpares e deslumbrantes
desmancha-te desmembra-te desforra-te e dança
rompe o raio de sol, arredonda-lhe a trajetória
curvar-se-á à tua passagem
desmama-te do pendor que nunca foi teu, desama-o
desmanda-te para todo sempre
a rua tem dois lados paralelos: nunca se encontram
nunca se opõem e visitá-los é atravessar a rua
é perigoso mas necessário
coragem para não seres pendida
desenrola-te desenrodilha-te desemmerda-te
para que nunca te desiludas

entranha do vício

são horas de fazer algo e eu mordo
mordo o filtro nos lábios e fumo
fumo, não fumo que deixei de fumar
mas fumega-me a palavra e eu puxo-a
até que me arda nos lábios
e fumega-me e aspiro-a
aspiro-lhe a fumaça
e forço-a a entrar-me no peito
pelos pulmões que são maiores
e inflam como balões e estoiram
e o peito explode e quase rebenta o coração corre
corre pelo corpo,  todo até à extremidade
extremo quero, quero a extrema unção
quero tudo extremo e o corpo treme
treme delírio calafrio e a palavra beata fumaça
esfumaça, esfumaça e fumaça é o que me brota
do peito, pelo nariz pela boca uma voz rouca
e enrolos aros bolas balões de fumo cruzados
enrolados encadeados traçados
forças extremas que só o cansaço me deixa olhar
e aprecio, exausto como se tivesse fumado, um poema 
um olhar amoral, viciado que sou em qualquer coisa que arda
desde que me queime a partir das entranhas
até que me seque a boca
e me declame vadio
e fumo e fumo e fumo

sábado, 27 de fevereiro de 2016

abraço fundo
o silêncio límpido
a entrega não se diz
do amor pouco se conta
nos olhos o quente mudo
do completo estar

tudo é pequeno minúsculo e
tudo é desimportante e nulo
além do abraço profundo

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

à noite, vinga a madrugada
um azul detrás do cinza
e uma aura acobreada varre a paisagem
que inda estremunhada se agita despindo o relento
as flores despertam florais
o aroma é fresco orvalho em doce cor
zumbe na pétala a abelha também flor
trinam os pássaros tons matinais
soltos na pauta que é do vento
como te amo madrugada
sigo teu rumo de alvorada
para ser mais um
pequeno ser que faz o dia nascer

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

um cimbalino

o restolho das vozes é
um murmúrio indecifrado de gente em seus círculos.

pires e chávenas e copos, também em redondo,
gritam se os amontoam e
calam-se às pancadas de molière anunciando
o ronco da máquina: a bica de onde brota um café
expresso, bem tirado, servido a bandeja circular
na curva de um movimento de braço em
corpo bulindo a passo bailarino.
acompanha o sorriso, arredonda lábios, de um e outro lado:
um serve outro toma. agradecidos, ambos.

a colher atravessa o creme e circula na forma da chávena
o pires aprecia, e aguarda, a colherinha de espuma
o café liberta perfeito a hélice do aroma.

o sol encurva os raios e ilumina a fragrância
doura o ar e
solta o vigor da consistência de existir.

o miúdo circula arrastando o olhar
entre mesas e cadeiras
e aprende os passos do bailado
a melodia do aroma
o ritual que um café tem
a razão porque é um cimbalino.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

acredita
o que te assusta é mais
muito mais que a morte é o esquecimento
que não te recordem
que o vazio não fique

acredita
toda a partida é incompleta
a sopro se lapidam as pedras
sempre brancas
de memórias tuas e das que não tiveste

acredita
há uma possibilidade de heroísmo em cada dia
há uma vida inteira para não desistir de ser herói

a cores o teu nome e
as palavras geradas para o proferir

as que sonhei - são
belas - reluzem na tua aragem
pego-lhes, que não se digam
mimo-as, que não se tresmalhem

são de uma cor enchente
de íris em arco corpulento
o céu à terra erguido

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

do vento

do vento
há cor e perfume
há ronco entoa a segredo
aceso em sussurro
há voo denso em volume
há evento lufada
enfuna paisagem

a que soa um sentimento?

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

do dormir

então durmo
o tempo é de estar
entre o tudo e o nada
sem névoas
sobrevoando sem que o sonho inquiete

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

recordar

o vazio do baú acorda
poeira flutua
em torno do raio de sol inicia-se algo

no vazio do baú
histórias encavalitam tudo
os objetos, se os há
carregam-nas silenciosos
sob o manto das memórias são

sábado, 30 de janeiro de 2016

inventar-se

perto da forma
o fazer turvo de uma linha
ignora o sentido, ainda, do
aleatório movimento
e anda desliza empina
rodopia e paira
e mergulha afunda inverte
e dispara e plana
não para inspira
expira e faz-se

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

o amanhecer, de tão escuro, não foi;
apagou-se ainda antes do nascer,
cedeu a vez; chegada a hora,
o dia, indiferenciado se fez

aforismos

há algo de bom no atravessar da rua por uma razão sem propósito;
a inutilidade do impulso é um fenómeno estritamente humano, como a adjetivação;
adjetivar é um verbo pouco neutro: se não iça é peia;

apontamento para escrever algo

há uma fábula em cada leitura e uma moral em cada história;
há gente em todas as espécies do reino animal;
há animais que rezam e outros que são deuses e alguns alheiam-se;
há minerais que falam sempre mais alto;
há flores, que sendo flores, nascem monstros,
matam e devoram e alimentam-se de corpos e são belas
de um quase romântico;
uma boa história tem todos as personagens que conseguirmos ler e
brincam a tudo o que pudermos entender;

a cada poema nasço mas nunca renasci;
ir além é desobedecer ao rigor do prefixo re;
cada síntese é uma síntese;
o poema é uma história de uma vida inteira e
os versos assinalam passagens;
as estrofes são promontórios de onde se contempla
o balançar das vírgulas, meu respirar é desigual;

não sei nada de morte e sobre a morte nada sei;
sinto que morro, quase sempre, e resisto: vivo do pensar diálogos,
fundo minimalidades até nascer e meu vagido está no olhar;
quando nasço recuso o ponto final;
o que jorra flui e o destino não o quer saber a fonte

domingo, 17 de janeiro de 2016

sob o casaco, a gola envolta, atestava um sorriso — tudo belo,
todo doce —, a fronte — face e olhos e boca — era una e
o todo: a unidade para acreditar que ser feliz é possível.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

adeus
a palavra mais dura
de pronúncia tão definitiva
como tudo o que se confia a deus

lá longe
as mulheres cantam — gaivotas
— drapeiam os corpos
suspiro translúcido ao sol
alheias a quem olha
insinuantes, porém,
espantam a indiferença
lá longe
o horizonte dilui-se de céu
ruboresce a terra
revelam-se os tons
borbulha a natureza

verão, a tarde inclina-se 
a paz aportou aqui
branda leve de penugem

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

a vida existe da troca 
com outras vidas, a vida é todas as vidas 
tocando-se, algumas, impregnando-se, outras,
ainda, cruzando-se, 
dependendo da morfologia acontecente

um poema poderia ser um pensamento 
encorpado pela formosura forma do momento

há o destino que normalmente se diz das pessoas
eu encontro destino nas árvores
as do meu jardim que serão no futuro?
cuido-as — amo-as — e quero para elas dignidade
projeto-as como algo de mim e teremos
destino: é isso que nos une em todas as estações