terça-feira, 31 de dezembro de 2013

a voz do túnel de gente

o som era de violino
encorpado em gente pobre
pelo abandono

as cordas vibravam, via-se
em garganta de anjo
ressoavam em peito de deus
e soavam pelos túneis
entranhando-se
naquele bocadinho de vida
dos transeuntes de olhos fixos
no nada ouviam
conforto de ser
daquele lugar de todas as horas

intemporais, passavam
dançados, confessados, apressados
deixando um nada de si
(a minúscula moeda)
suficiente para manter a voz
um violinista, ali, adrajo

a comunhão de almas que se tocam
a economia de arte
dá-se do fundo mais profundo
a troco de trocos

creio que o conforto de alma não tem preço
creio que ninguém pode pagar por ele
creio que todos os trocos são blasfémia

fantasiando

conheci-te
conheço-te, reconheço-te
decalcas movimentos
à contraluz conversas
que guardei minhas
revês, aqui e ali,
o modo de estar
nas memórias
nas recordações
engendradas pelo tempo
já não sei se vivo
se revivo,
se recordo ou se invoco

que seria do presente
sem as recordações passadas
sem as memórias futuras?

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

saudade

minha saudade
é de trepar aos mastros
não que a saudade tenha mastros
nem mar ela tem
tem recordações caravela de antigas
e nela se navega, fosse mar

pôr-de-sol

foi blasfémia
chamaram-te passageiro
quem não te vê todos os dias

não lêem no poema
a poesia além da rima
e no papel vazio
não encontram poesia

sábado, 21 de dezembro de 2013

oblíquo

oblíqua, a escrita
inclinado, o poema
erguido por um homem
perpendicular ao sol
que vive no meio (do) dia
e que se derrama
letra a letra
em vaga inclinação
a obliquidade

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

centro comercial em 10 itens

  1. um centro comercial é uma catedral de compras, há sempre um altar onde comprar;
  2. um centro comercial é um sítio onde se passeia, divaga e vagueia, se convive e namora, onde se compra e onde se transeundam os amigos do consumo;
  3. um centro comercial é um microclima onde as estações do ano chegam e partem mais cedo;
  4. um centro comercial é um culto caro feito de pechinchas;
  5. um centro comercial é um lá fora insípido e acético, sem chuva, sem sol, sem vento, sem frio e sem calor;
  6. um centro comercial é um lá fora com um estacionamento dentro de portas e wc limpos;
  7. num centro comercial o esforço de subir é igual ao de descer pela boleia da passadeira rolante;
  8. no centro comercial há 2 prateleiras, desajeitadas e reduzidas, dedicadas à poesia;
  9. num centro comercial rareia a poesia; usam-na para decorar clichés; 
  10. um centro comercial é a caverna onde se revela a alegoria.

por vezes, preciso retorcer-me para ver o dia.
outras, é o dia que se contorce para que eu o veja.

ao cantar do galo

o peito…
o meu caiu algures ao acordar
entre o céu e o mar
numa terra d'além
onde o vento marulha
e inquieta é a dor

minh'alma...
desalmou com o peito
inquieta
pecadora
baloiçando
sob um raio de sol

meu olhar...
persegue-os
cantadeiro
da dor
(sem sentido)
ao calor soalheiro

meu sonho

uma dia
escolherei uma mão
talvez a direita
com que agarrarei o coração
com ele escreverei
um poema
de passagem
sem início
sem fim

supresa

um dia a vida assoma-nos farta
prazerosa
linda, de despontar
bela, de frescura e outros aromas
gostosa de viver
e dizemo-nos a sonhar
(pois)
acordemos, que os sonhos
só duram se forem vividos

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

perspicuidade

quando meus olhos perderam as lágrimas
percebi que nunca as tiveram
eram ondas das marés
notava-se pelo movimento
de mar
e o horizonte ondeava
uma linha indefinida

bom dia

que te sorria, o dia
cheio
como o peito
escapando pelo olhar
de tão cheio

ateado em poesia
bom dia

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

desencontro

sem palavras
seco
sem o cristalino
sabor da chuva
em gotas
sem pingo luz
seco
sem corrente
de letras, nem escorrentes
mirrado d'alma
sem poema
desencontrado da poesia

domingo, 15 de dezembro de 2013

degraus

há os subidos
os descidos
ainda os tropeçados
e os escorregados
também os outros
onde passamos sentados

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

história suspensa

viviam uma história de campanário
um badalava as horas
a que outro respondia, contando cada batida

intercalados na vida
o que um fazia dia sim, dia não
o outro repetia dia não, dia sim
conversavam e ainda convivem
certos no tempo, que é o deles

uma história suspensa
sem curso e sem fim

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

morrer de amor

morrerei quando quiseres
não precisas pedir
nem dizer
é só quereres
fecharei meus olhos
guardarei teu rosto
suspirarei fundo
e morrerei por ti
como sempre morri
de amores

clausura

se acreditas que o teu fogo
se gasta acendendo o cigarro
então é verdade

se acreditas que o frio
é o que sentes em janeiro
então é verdade

tão pouco que sabes de ti
tão pouco te deste a saber
e nunca morreste.
como poderias sentir o fogo do renascer
se desconheces o gelo do transe?

deve ser verdade

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

desassossego

tu olhas-me
eu perco-me
beijo-te íntimo
o mais que posso
toco-te porque me controlo
meu desejo é apalpar-te
agarrar-te fundo
como te sinto
minha

saudade

em mim
banco de jardim, desbotado
enrolado leve do vento
repousa a folhagem
partirá depois das pétalas
que eram delicadamente brancas
e murcharam
(e)
dissipam-se as formas do tempo
nas pregas deste entendimento
tão garatujo de ser

nostálgico

lembro-me do tempo de inverno
as poças d'água gelavam
partíamos o gelo
e gostávamos, lembro-me

lembro-me que os dias nasciam
com o sol nascente
a terminavam num aconchego na cama
lembro-me

lembro-me do pôr-do-sol
ser um momento mágico do dia
aguardava-o, via-o sempre
tão longínquo, lembro-me

lembro-me da minha avó
e dos doces olhos, quase cegos
mimava-me de longe
receava que eu não gostasse, lembro-me...

lembro-me dos meus amigos miúdos
amizades grandes, mais que irmandades
lembro-me

lembro-me que ontem detestei meu dia
que o senti perdido de tempo
como desejei esquecer-me, lembro-me

lembro-me do peso da nostalgia
e do cheiro que tem, sinto-o

domingo, 8 de dezembro de 2013

aplauso

quando voam,
os pássaros aplaudem os poetas
os mortais pensam que é pelo bater das asas
os pássaros sabem que é pelo voo

voos

já vi voos diretos à utopia
onduleiam
incertos
borboleteiam
belos de se verem

sábado, 7 de dezembro de 2013

luto

a cobardia
é um bicho medonho
primeiro alimenta-se dos medos
depois dos homens
das multidões
e quando chega aos povos
morrem os ideais
padecem os países

no meu país
mandam ignorantes medrosos
semeiam fantasmas no povo
germinam cobardias
matam os ideais
que nos fizeram país
são medonhos
antes fossem bichos

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

neste jardim

neste jardim
as velas se enfunam
só para acompanharem os pássaros
que voam pelo destino
que um dia escolheram
ainda habitavam o pequeno ovo
e já sonhavam, no calor do choco
com jardim do ninho
e o dia em que estenderiam asas
tremendo de coragem
saltariam. e vogando
seriam nau e descobrimento
deste jardim

aconteceu

tropou à porta de mim
que nem era minha
era de uma certa consciência
que eu nunca vira
que mal conhecera.
ela, que propalava ser minha
ignorou o tropar
ainda que este voltasse
mais e mais, sem sossego.
ora sucedeu
que o tropar emudeceu
e a consciência adormeceu

beata

teu colo é de um rosário
que acaricias nas mãos
conta a conta
onde intercalas ladainhas
suspiros e desejos
de tudo e do céu
carinhoso rumorejo
meiguice ao alto no olhar
cruzas teu peito
de um bailado de mãos
coroado dum ósculo
te consagras e proferes
"uma boa horinha"

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

loucura

a loucura tem um dia
como a morte
enlouca-se, morre-se
e nada se mantém
ou de nada valeu
enlouquecer eu morrer

no dia da minha loucura
enlouquece-me
como se tivesse frio
muito frio
e precisasse do teu corpo
para me enlouquecer

no dia da minha loucura
discorda de mim
concorda comigo
mas não me fites indiferente
nem me cites pelo que lês

no dia da minha loucura
sopra-me um beijo
se puderes
toca-me por um beijo
que a minha loucura
se fará pura
como qualquer forma de vida

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

beijos teus

teu beijos, acatei-os
uma a um
confissões de sentidos
onde as palavras mordiscam os sentimentos
onde a emoção consome a voz
eram húmidos
colavam-se na pele
onde fitavas o olhar
revelaram-se
e desvendaram-te

mar prateado

deste mar tirei um lago
longo, escuro, largo
nele cresci uma ilha
que não plantei
de tão sombria
o sol nem tinha luz
que a alumiasse

estive
até o sorriso me nascer
como sol da manhã
das memórias
que um dia guardei de ti

o mar
sempre navegante
evaporou o lago
onde a ilha já se havia afundado
e escolheu-se prata
para oferecer o brilho matinal

sábado, 30 de novembro de 2013

e eu
abismo feito de abismos
tombo em mim
vagueio
profundo sem fundo
sem fim
e se finco pé
em vez de me erguer
retombo
vadio
meu modo de ser

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

entregar-me?
escolheria ser flor
sempre cheia da vida que só uma flor tem
pássaro, borboleta, vento
perfumada de orvalho, de raio de sol
branca no toque, como uma rosa
silvestre

não sei nascer em jardins

dedicatória

sou os dedos
toda a redondeza de corpo
que encorpa a tua beleza
feminina de ser
animal de desejar
flor de cheirar
que num  beijo te entrego
eu, que pelo beijo me entrego
e me dou pelas mãos
por onde saio
genuinamente
teu

ser

vens de mim
como um pequeno adeus
tímido de feitio
desejoso de partir
sereno na chegada
indagador na estada
em silêncios
sempre em silêncios
onde vives
e vens de mim

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

ácido

seria ácido, corrosivo
sem condicional

se te declarasse meu amor
serias corroída, de dentro para fora

acontece às pessoas
momentos antes de deixarem de o ser!

procurei o pôr-do-sol que não se via
encontrei-o, aguardava-me, algures
entre o dentro e mim e o horizonte

no resto de um dia
desvenda-se um presente
há sempre um pôr-do-sol

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

retrato sapato

é assim:
uma vez um  retrato feito de um sapato
e para quem o plantou, retratava
quem lá não estava.

mistério indagava:
- como se pode retratar alguém sem lá estar?
poderá haver fotografia de uma imagem vazia?
assim explicava: assim daqui; assim dali;
assim não queria ser confundido com o dono do sapato
que trabalha em assunto sério
sem tema para poema, sem lugar para a poesia;
e, ainda, amava o mistério.

heresia! assim descobriu
o trabalho que fazia, melhorou com a poesia;
a poesia que escreveu, tinha tema muito sério;
a gente intrigada, devagarinho descobriu
o dono do sapato, usado e retratado;
e de boca pequena o assunto era falado;
o tabu estava instalado.

no 1º aniversário, depois de três ai jesus
assim fez trus, escolheu uma fotografia
tão próxima e detalhada que não escapava nada:
ruga, ponto negro ou papada.

agora sabem porque é assim?
é que se não fosse assim
como escreveria este poema?

exaustamente feliz

esgotaste-te
ainda estás estafado
como após um orgasmo
sente-se na tua face
nos teu olhos
como acariciam cada leitura
(interminavelmente)
do que escreveste
feliz, exaurido
amaste fodidamente

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

postal de s. valentim

desprende-te desses olhos pardos de tristeza
e deixa que se alegrem em alguém.
tropeça sem medo
nessa vida alinhada, engelha-a e amassa-a
machuca-te e aceita a cura de um beijo.
despe-te desse bafio ricamente adornado
limpa a maquilhagem que te greta as mãos
e a face
te seca o peito que já se parte de ressequido
exibindo-te o empedernido a que chamas coração;
como vês, não se compara com a imagem desse postal
que torturas na mão. a quem o vais dar?
não o escrevas: rabisca-o, rasura-o, porquê?
porque sim, porque é assim o amor;
ficas nervosa quando dizes que amas, e depois?
é porque amas e pronto, rasura-o
para que vejam, que saibam que tens ansiedade de amar.
e não te preocupes com a resposta,
talvez não seja a que gostarias, e então?
se o que queres é amar, ama! ama! e ama!
sem palavras românticas,
que o romantismo nunca esteve nas palavras
mora no peito e despeja-se pelo olhar e pela entoação.
sim, a entoação que se dá às palavras
sejam elas quais forem, mesmo que te pareçam impropérios;
já ouviste um palavrão que te acendesse o desejo de ser para ti?
ainda bem! pois não és um caso perdido.
e olha, esborrata-me bem esse postal com o teu batom
não precisas de uns lábios perfeitamente desenhados
mas de uns lábios bem amachucados nesse pedaço de coração de papel
já sentiste um beijo perfeito? saciante? carnudo?
doce e terno? desejado de tanto desejo?
pois bem, digo-te, tem lábios colados
gulosos, que nada têm a ver com esse fino recortado.

e o teu corpo? meneia-me esse corpo, dá-lhe balanço
realça-lhe as formas
ou de nada vale a dieta que estudaste e cumpres religiosamente
aceticamente,
sem uma pinta de desejo de pecar, de comer o proibido.
estala o verniz dessas unhas até à loucura
como aquela que imaginas sentir um dia, e ensaias
quando pronuncias para ti um "meu amor" forte e arrebatador
que entregarás ao teu amante que colocaste bem alto num pedestal.
pois bem, atira-te de cabeça, aplaca-o e rebola-te nele
despe-te rasgadamente e sorve-lhe o perfume
e mistura-o com o teu e devolve-lho pela pele
a tua pele na dele. vai-te a ele!
exibe-lhe os teus seios, mostra-lhos
como são bem nutridos
com os melhores cremes e carícias
que disfarças em massagens corporais
corporais uma treta!
são corporais porque também é corporal o prazer
e o desejo, aquele que faz as tuas mãos perecerem de outrem
e desejar-lhe os lábios, mais!
a boca bem aberta, bem cheia do teu seio
ah!! prazer! supremo! vai-te a ele
dá-lhe teu ventre, dá-lhe as costas
dá-lhe tudo o que sempre quiseste dar-lhe
vai-te a ele!
dá-lhe esse maldito postal torturado de mãos em agonia
imperfeito de tudo como o amor
que perfeito e mais que perfeito só o pretérito.

por isso corre, corre à chuva e salta na lama
constipa-te, se for preciso, engripa-te
enlameia-te tanto que os sapatos fiquem estragados
e põe-te na frente dele, barra-lhe o caminho
dá-lhe tudo o que tens e se recusar não interessa
tu ama-lo e és bela, que importa o que aconteça?

erigi-me (de pé)
entre máquinas engenhosas

devo ser engrenagem
ainda que meus joelhos não dobrem
erro de conceção

como sairei daqui?

estado de outono

o outono não chega
entende-se
depois bebe-se
aquele tom castanho avermelhado
de árvore e pôr-do-sol
morno prazeroso

acompanha-nos gentil
modesto, pelo acolhimento

e também não parte

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

e quando o estado de morto é o modo mais fácil de viver?

trajetos e estados

de cada vez que me sento à mesa
vejo um lugar onde posso escrever;
procuro um ponto, olho pela minha janela;
um ponto na minha janela para onde viajo
umas vezes só, outras levo comigo o desejo de fantasiar.
porto-me, então, como uma criança entusiasmada com a brincadeira
da qual tanto gosta, que precisa de a contar à avó:
e intermitentemente brinca e vem explicar o quanto se divertiu.
são assim as minhas idas e voltas
entre o ponto da minha janela e a folha de papel em que escrevo;
e palpitam-me os olhos e faísca meu peito.
o entusiasmo descreve-se a si mesmo pela impossibilidade de parar.
nestas alturas não respiro: inspiro e expiro
porque a fantasia e a escrita são destes estados.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

o pôr-do-sol

no sítio do horizonte
a montanha copiou-te a silhueta
arredondada, de corpo e de montes
de curva ondulada,
também um v bem vincado
onde o sol se quis acoitar; e lá se pôs
um pouco antes do céu estrelar
e da lua se encher para luar

galo de barcelos

esgravatei o chão
e não estavas lá
de madrugada cantei afinado
e não me atendeste
defendi o território corajosamente
que deixaste vago
alindei minhas penas, colori-as
e sorriste de mim
procurei-me num novo look
e deixei este lugar
agora, que sou do mundo, amas-me
e chamas-me teu

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

nós

se pelos olhares nos abraçássemos
como fios, que se dão em nós
cegos
ou outros, mais artísticos
como os de marinheiro, que ama
e teme o mar,
seríamos a bolina e a amura
seríamos o navegar.

fuga

creio que terás por aí
uma morte para mim
dá-la-ei aos meus pensamentos
aqueles que me torturam
é eu que não suporto não pensar...

essa morte matar-me-á
antes que eu descubra que estou morto
assim acontece a quem foge da dor
e morre-se pelo pensamento
por ele se define a vida

sábado, 16 de novembro de 2013

entrei no dia

um pássaro cantou um raio de sol
o sol fez um voo de pássaro nas nuvens
as nuvens exibiam-se volumosas de luz
majestades sem tempo. soprei,
quis influenciar o momento
e o tempo que era de calma
deixou-se afetar, como sempre, devagar

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

aquelas mãos dadas
não eram de passeio
eram de dança
mas naquele momento
era a mesma coisa

guardei uma gota de chuva
que mergulhei num raio de sol
e coloquei num arco-íris
o anel mais lindo que havia
e como te fica tão bem

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

biografia iii

nasci em 1961 e tremo de vara verde ante do peso quando me chamam poeta, pelo temor de manchar a primeira forma de literatura que amei.

sempre escrevi, escrevinhando, enquanto estudava psicologia e me tornei profissional. escrevia e acelerava o meu crescer, o meu ver. tive filhos que entraram na escola e me ensinaram a ingenuidade do escrever escrevendo simples. fascinava-me ouvir aquelas composições tão luminosas de gente.

hoje escrevo emoções pela alma que deixo desfiar em linhas que se enovelam em palavras e estas se alinham em escritos de fantasias que conheci na infância e nunca mais larguei. sacio-me ao escrever, necessito-me a desenhar, a rabiscar a rasurar algos com força de mote e métrica de peito.

embora o meu temor de macular a poesia conviva comigo diariamente, um impulso secreto e uma mulher maravilhosa impelem-me a que me desvende, o que tenho feito. já participei numa antologia de poetas portugueses e agora tenho a honra de colaborar numa antologia de poetas nascidos no Brasil e em Portugal, o que me faz muito feliz. sempre me deliciou a sonância que sinto poética do português falado no Brasil

maria

maria era livre quando sentia girassol
maria rodava, rodava, maria feliz
perseguindo o infinito, luzente e quente

maria seduzia quando sentia malmequer
maria dançava e em cada pétala maria semeava
ora incerteza de um não, ora a candura da mulher

maria apaixonava quando sentia poesia
maria soltava o corpo, maria encorpava a alma
maria entrava no sonho e ao meu colo, maria adormecia

estranho amor

contradição é viver num gume quando escrevo
e tirar a linha ao horizonte para que não haja limites

contradição é confiar no meu avesso
para sentir a profundidade e a serena doçura do olhar

contradição é saber que escrevendo não envelhecerei
e sentir que quando escrevo vou crescendo

contradição é parir um poema
e sentir-me fillho da poesia

estranho amor este
ser pai e irmão da sua arte

nota biográfica

escrevo entre o pânico e a necessidade: um gume. a necessidade é pessoal, transborda-me; o pânico é de mácula na poesia.

não procuro a perfeição, procuro tão somente sentir a poesia que pode viver no mais imperfeito dos seres. de outro modo, como se poderiam escrever poemas?

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

amarelo de van gogh

far-te-ia um poema em tela
de amarelo pincelado, forte
belo, de girassol
um ramo de girassóis
e teus olhos sendo dois
brilham, uma plantação
amarela viva
de onde tu despontarias

terça-feira, 12 de novembro de 2013

natureza

ao ser gente
tornei-me rio
corri
fiz corrente
empurrei a margem
pulei e aspergi
acalmei
parei
espelhei
espraiando
encontrei o mar
mergulhei
com ele me misturei

nada

sentei na beira do nada
por ser plano, confortável e fresco
como um degrau de escada

o que fazia ali? nada
onde me sentava? nada
em que pensava? nada

sentei-me na beira do nada

refugiado

vi a desgraça
pintada de negro
aguardando, pacientemente

vi a solidariedade
pintada de branco
atabalhoada, palrando

entre a dádiva e a necessidade
começou o abismo
onde se perdeu a dignidade
onde se plantaram justificações
estéreis como os problemas
havia sorrisos mas não houve flores

falou-se de desgraça frente aos desgraçados
ignorando-os
na passerelle das competências
desfilaram verborreias, inconsistentes
jardins sem flores
onde é negra a graça da desgraça
porque negra nasceu
e ninguém lhe falou
nada se lhe perguntou

delírio

a ideia
que chegou de ti
tinha tudo
até a dúvida
a dúvida assaltante
encapuçada
que encapuçou a ideia
vinda de ti
que não reconheces
sendo tua

caos

um dia…
a cabeça acaba por pousar na mesa
primeiro numa mão
depois na outra
nas duas
e aqueixa
o queixo na mesa
o olhar distante como no início
a força anímica menor
mínima
e expressão vazia
como o olhar, agora
o caos...
a cabeça tomba sobre a face
tudo na mesa
das migalhas, da chávena
de uma bebida qualquer
as lágrimas não vêm
ja avisaram

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

colar de migalhas

3 migalhas num colar queriam ser belas; desejavam brilhar
só faltava um pescoço para as passear.
deveria ser fino, formoso;
alto, mas não muito vistoso e que gostasse de as namorar.

o pardalito faminto e inquieto bicou o colar, queria as migalhas
o que não deu certo. salvou-as o melro que chegou mesmo a tempo:
que bem ficariam na plumagem escura, pensaram.
mas o esperto do melro, topou-lhes o sabor
e ao abrir o bico para as engolir de uma só bicada
intrometeu-se a pega, animada pelo colar, que viu uma jóia
de um cintilante brilhar que afinal era orvalho. furiosa
atirou as migalhas para bem longe. caíram aos pés de uma menina

que as apanhou feliz. encontrou o colar da beatriz
a boneca mais linda, feita e vestida pela avó
que hoje fizera um colar de migalhas de pão
e todas iriam passear, olaró.
cuidado que as migalhas não caiam ao chão.

o tombo da desilusão

tombou sobre mim a desilusão
descobri, a desilusão não chega
tomba, como um ataque
mas não ataca, tomba
pesa inerte, algures
entre o corpo e o espírito
mesmo quando não distinguimos um do outro
ou quando um e outro nos falta
ou quando gostaríamos que faltasse
este tombo...
inerte de desilusão...

"erres" de rio

e o rio correu-me
andei ligeiro, brincando
fugindo em pulos de pés
fingindo não os querer molhados
-- rio não molha, sorriu-me a margem
rio refresca, rio rega, rio rejuvenesce 
e outros "erres"
e rimos em altas risadas
que risota
eu, a margem e o rio

descoberta

descobrir lentamente
a noite por trás de escuro
a luar ao redor da lua
o dia seguindo o sol
a via à volta tua
o vazio da tua ausência

sábado, 9 de novembro de 2013

amor

queria tanto ver-te
que te procurei
primeiro no improvável
depois no impossível
e encontrei-te no inexgotável

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

envelheço

envelheço
e me antiguo
por ordens
me desconcerto
descompasso
de um tempo
que não tem passo
sem volta
sem 2º oportunidade

envelheço
e me antiguo
sem que entenda
sem que me entendam
espanta-se a lógica
deixam-me escárnios
em sorrisos e berros
querem que saiba
que envelheço
e me antiguo

peregrinar

se quiseres deixa-me
deixa-me. sei que nem sempre continuar é abandono
às vezes é só continuar por caminhos diferentes
quem se senta precisa ponderar a caminhada
quem muda de caminho segue a consciência
assim é a jornada de preregrino

minhas tias

quando minha alma me parece vazia
vou à infância e lá me deixo, em colos
onde aprendi a sentir a ternura em carinho
chegado na voz soada a peito
no aroma a corpo aconchegado
no prazer íntimo de colo gerado ali mesmo.
as minhas pequenas mãos lhes tocavam os rostos
para lhes sentir os sorrisos e acabavam beijadas.
agora, quando nos encontramos ainda sou puxado
para o colo das minhas tias
entre os meus 50 anos e os 70 delas somos crianças
amando-se com toda a meninice.
ao cruzarem-se, os nossos olhares resplandecem
um infinito brilho de iluminar a alma
de quem se ama almadamente.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

biografia ii

nasci a 4 de novembro de 1961, no Porto, gorducho de querubim em mão de fadas , pulava entre colos e sorria, e a felicidade, de pudesse ser emoção, seria a única que sabia. com os tios conheci a traquinice e com eles fui diabinho radiante. aprendi a ser feliz sendo angelical e amando a travessura.

a minha adultez chegou precoce. quando  aprendia a escrever as letras, depois as palavras e os textos, sonhava com um modo inintelegível de palavras que se decifravam por si como se não resultassem da justaposição de letras. era assim que via a escrita de adulto e enchia "lousas" e "lousas" de desenhos hieroglíficos que sonhava fossem palavras. um dia escreveria assim, afirmava secretamente para mim.

trabalhei imenso para ser um adulto bem comportado e aspergido de traquinas. licenciei-me em psicologia, fui pai de 2 filhos que me ensinaram a escrever depois de ter casado com aquela que o destino incumbiria de assolhar as rasuras que escrevi rasurando (e que apelidou de poesia.)

porque há algos que se perpetuam, ainda hoje sou impelido para desenhar linhas que deixo enovelar em sonâncias de alma, algures entre o silêncio e a euforia. assim abraço palavras com que urdo poemas; escritos, suspiros de vadias emoções sem céu nem inferno, tal como o horizonte que nunca teve linha e muito menos divisória.

neste vadiamento assumi-me assim e do advérbio de modo fiz meu nome por me soar mais almado antónio assim d'oliveira e o senti-lo mais apropriado ao meu ser desenhador.

nada

passei o dia no meio de nada
rodeado de coisas
coisas de nada que se espinhavam
e os pássaros, sempre espertos, nelas se empoleiravam

depois, o dia passou sem que partisse, mudou
e quando eu passei, se é que passei, que eu nem notei
nada não me arranhou, segurou o pássaro
e eu voltei, quando não sei, para mais um dia no meio de nada

espraiar

ouves?
este mar, onda a onda
espraiar...
na areia
tanto prazer numa dança
num enrolo
ouves
espraiar...
o ronceiro som do mar

ouves
tem sonância de corpo na cama
espreguiçar...
soada de lençol
escorregar...
ouves?
espraiar...

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

idealizando

viveria onde pudesse pairar
que os toques, a existirem, fossem de alma
e por eles se sustentassem os corpos
as mentes e as ideias
as mesmas que sustentam ideais
as âncoras da humanidade

pairaria incauto, como deve ser
uma existência feliz

ondear

quero um lugar de onda
onde possa ondear
mas não quero ser onda
que essas são filhas do mar
e eu que só me sinto perdido
é lá que quero estar
enterrado até ao pescoço 
mergulho a cabeça na água 
para me sentir renascer
ou para me fazer renascido
sem frutos que tenha de dar
possa meu estado ser peco
bravio, sem poda, vadio
resistente ou moribundo
como arbusto daninho
que vive para ondear

contemplação

bem no alto do calhau que nomeei meu
contemplo
as rugosidades do tempo
que chegam nas nuvens
salgadas, carregadas de mar.
toco com a língua no meu calhau
sinto-lhe o sal e a lisura da brancura
tão pura que eu amo tanto;
como amo este meu território
de guardar no bolso junto ao corpo
onde me sinto livre
verdadeiramente liberto
para lhe conhecer a grandiosidade

terça-feira, 5 de novembro de 2013

mirada

o mundo, do tamanho e forma de uma gota de água
resplandece quando tocado pelo sol
de tão cristalino que é
tal como as gotas de orvalho
e as lágrimas,
venham elas dos lados da alegria
ou nascidas da tristeza.

o sol, eternamente quente
que existe redondo que já o vi
tem o reluzente que sempre habita em nós
e alimenta-se de sentimentos
e cintila na emoção

pequenezes que fazem sorrisos
olhares radiantes
e belas fotos

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

domingo, 3 de novembro de 2013

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

testamento

se puderem, se vos for possível deixem-me morrer
sossegadinho, calminho como o respirar de um conto infantil
era uma vez... e eu morri.
e começa o enredo de magia e fantasia infinitas.
peço que não escolham réis, príncipes e princesas
nem animais de colo
prefiro vadios e transviados
e se quiserem mesmo animais, convidem os acossados.
criem um conto preferencialmente sem moral
sem felicidade final
somente uma história que possa continuar com todos
e tenha um dia seguinte.

doçura

era noite
queria que me agarrasses
como um favo, me abanasses, apertasses
tirasses de mim toda a minha doçura
que meu mel te cobrisse
que dele te deliciasses

e tu obreira rainha
fadando a noite
fizeste de mim o favo mais doce
atulhado de mel

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

intuitivamente

havia poemas nascidos
de quem ainda não escrevia
porque não sabia;
de quem sonhava e sonhava
sem paisagem e sem história,
via-se com uma pena
que da mão lhe saía, em linhas
encadilhadas em algos
a que dava voz.
os olhos moviam-se
para o céu, para si e para dentro
como acontece com os poemas
ele sabia
sem que soubesse porquê
ali havia poesia.

do estado das pessoas

ela abeirou-se
precisava saber se tudo estava bem
não estava, não estava...
nada estava bem
mas agora que se viram
tudo parecia melhor
e assim ficou...
melhor

sábado, 26 de outubro de 2013

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

cega paixão

desejo pedir-te, mesmo suplicar-te que me ames
que me ames como se não houvesse mais ninguém
a cegueira da paixão não me deixa entender
como serei mais amado quando me escolhes de entre outros

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

biografia

minha biografia escreve-se de banalidades, como as letras que a integram. nasci a 04.11.1961 e sinto que desde logo me pularam de colo para colo: pais, tias e avós. fui deles e eles meus, por inteiro. durante 6 anos fui a única criança daquele reino de fadas mimentas que me fizeram sentir querido, lindo e inteligente. aprendi a ser príncipe, a ser ouvido; senti o conforto do colo e o prazer de trocar carinhos pelas mãos, pelos sorrisos e pelas palavras, em noites à lareira, enquanto me crescia a fantasia dos contos lindos de impossíveis, do meu avô. ouvi-os vezes sem conta e nunca se repetiram. que lindos, dizia então; que poesia, lembro hoje.

o tempo impeliu-me a escrever fantasias. primeiro com um ardor dorido de adolescente (sempre apaixonado) em plena revolução. passei a jovem adulto, profissional de psicologia, competentemente adulto, que por um ímpeto sempre inexplicável pecava: perdia tempo escrevendo devaneios que obnubilariam qualquer adultez, os quais sempre fui encobrindo, não sei se por cobardia intelectual se por um desejo intrínseco de culto do secreto. foi um tempo de treino, talvez de experiência.

recentemente, já sem noites e sem lareira,  sem nevoeiros e sem manhãs,  sem mais nada para além da impetuosa necessidade de fantasiar, escrevi da minha alma os vagidos e as traquinices tal como os ouço e me tocam e dei por mim parindo-me a cada letra, verso a verso, umas vezes com a delicadeza brotante da nascente, outras com a crueza estrondosa do vagalhão, deixando emergir o que em mim sempre esteve e para a qual não encontro outro nome, senão mesmo natureza. foi então que me apropriei do advérbio que me define o modo e dele fiz nome meu; antónio assim d'oliveira.

solidão

a solidão dela fizera-se de abandonos
abandonos de memórias
primeiro as boas, depois as más
que antes de partirem escorraçaram tudo

um livro, só
um livro numa mesa
de pé de galo
ladeado de uma chávena, só
vazia de tudo
também havia uma caneta, só
e uma folha de papel
uma folha, só
quando chegou alguém
puxou uma só cadeira
sentou-se à mesa, só
de tudo debandou a solitude

dito e não dito

quando me olhaste: — doçura
eras meu mel

quando me sorriste: — bom dia
eras meu sol

quando soltei: — querida
gritava: — meu amor

quando te beijei: — bom dia
como desejava morder-te

terça-feira, 22 de outubro de 2013

frágil intelegibilidade

a fragilidade com que escrevi meu nome
como o constatei quebrável, sem que fosse cristalino
frágil; mole, sem que fosse moldável, sem que fosse flexível...

a fragilidade com que escrevi meu nome escorrente no papel
como tinta aguada, como gordura ao sol
sem forma, sem textura, sem mensagem

não entendo, porque não me aceito frágil

boa água

tanto espero e mais desejo
que meus olhos saibam dizer-te
o que eu não sei
o que não me perpassa os lábios
o que a garganta não desata
o que a língua não modela
a ideia que baralhei e não encontro
e na qual tropeço diariamente
constantemente

tanto espero e mais desejo
que meus olhos saibam contar-te
o rio em que minha alma se transformou
o prateado brilho, onde navegas
que em mim resplandece teu vogar
toque, corpo, água e sol
teu sorriso colorindo a janela
uma lágrima gritando
boa água

conversas ocas

foi tudo dito
tudo está dito
restam glosas e mais glosas
no mesmo tema
no mesmo assunto
sem nada acrescentado
sem nada mudado
sem novas vistas
falar e abafar silêncios
verborreia e mais verborreia
oiçamos o silêncio
entendamo-lo, sapientes

domingo, 20 de outubro de 2013

mudema

gosto das letras mudas
por mim, todas as letras seriam mudas
as palavras pronunciar-se-iam mudamente
com os olhos bem coloridos de expressão
os poemas seriam almados, plenos... enormes
os poemas seriam declamados com olhares

meu espelho

agasta-se dia a dia
o espelho em que me vejo
pica-se-lhe o espelhado
amarelece
ao ritmo das paredes onde se aninha
enquanto as rugas se lhe desenham
na imagem do espelhado
e no olhar que me reflete
vejo-lhe o brilho
que o espelhado imagina

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

nascente

onde a lua voa
e o pássaro passeia
onde as nuvens navegam
e a chuva caminha
onde as poças chapinam
e as crianças brincam
afaga-se a liberdade
e o poema corre rio

memórias

contam-se as memórias
uma a uma
sem contas, sem ordem
como a memória
sucedem-se
ligadas num punhado
fossem cerejas

assolham-se, limpam-se
alindam-se e guardam-se
tesouros sem tesouro
brilhos sem brilhantes
essência de existência
velam-se e ostentam-se
em pensamentos secretos
sorrisos enigmáticos
olhares perdidos

o indecifrável da compreensão

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

banho de vida

se te parece
que a vida te cai aos pés
não a pises
não a evites
não a ignores
sobretudo
nunca te lamentes
chapina nela
até te sentires mergulhado
de vida

trovoada

dormente
este céu de nuvens
espessas
penedos flutuantes
contundentes
quase ruidosos
quase faiscantes

tateei o luzente
simples
como um caminho
vadio
tinha aroma a tardio
despreconceituoso

um poema
talvez extraviado
ainda incompreendido
ansioso
para ser desvendado

fizemo-nos companhia
embrenhados na trovoada

o dia rompeu
não havia poema
nem eu

nós

teu dia chegou-me
perfumado de ventre
onde o sol nasce
meu dia enleou-se no teu
e conjugaste-nos com todos os segundos

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

verdade

assim
dispersa pela cidade
numa situação verdadeira
mente insustentável
fizeste-te de aragem
tal a tua ânsia de chegar
a todos, teus amantes
alguns indignos de ti
verdade
pela qual existem
muros e pássaros

pariu-me o vento
batizou-me o temporal
enchi-me do nada
do ar e voei
já que não podia andar
minha mãe chamava-me
cabeça-no-ar
compreendia-me

voto de humanidade

espero que a idade me cure
desta forma infiel de viver
não renascer em cada estação
não apreciar o vento e a neve fria

que eu ganhe cor e verdor
e ao ser homem seja alguém

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

desejo

se eu pudesse
correria até voar
rumaria com o vento
dançaria em teus cabelos
rebolaria em teus seios
abrigar-me-ia em teus dedos
confortar-me-ia em teu ventre
flutuaria no luar
voaria num só pé
brilharia como os rios
seria cristal sem tesouro

emociomar

deixem o mar destapado
o mar precisa-se aberto
cheio de água fervente
espuma tudo o que sente
vociferando encapelado
sintam o mar por perto
pois o mar é sagrado

fumar

o prazer de um cigarro
esfuma-se, no fumo
a memória aloja-se nos ossos
daí se solta
com o calafrio

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

desalento

caíam as mãos
peso do desapego
amargo da consciência
depois o corpo cansado
até para as mãos

que caíam
escorrendo pelo corpo
à frente dos braços
agora escorridamente longos
mais longos
tão longos que jamais abraçariam
e as mãos caídas, separadas
jamais se acariciariam

os anéis
tornaram-se largos
afastaram-se, impercetíveis

terça-feira, 8 de outubro de 2013

ídolo

sossega
o peito
pulsar
demais
pode ser
defeito

menina
corada
respiração
pesada
grito
engatilhado

pro herói
da banda
rosto
de revista
que canta
que dança
que artista
perfeito

não pulsa
demais
sossega
o peito

indecisão

vou
não vou
ainda
aqui estou
depois
de desejar
tudo
alcançar

se a poesia fosse um templo
os poemas seriam vitrais
contempláveis de dentro da capela

(baseado em Goethe; "Poemas são como vitrais pintados")

mais além

sentir-te é ir além dos sentidos
o mais além, sem distâncias
sentir-te a doçura da memória que te assalta
e te desconcentra
sentir-te o pensamento que me reservaste
e te contraria o momento
sentir-te a ligeireza com que te desprendes do dia
enleada te deixaste num detalhe de nós
sentir-te pelas incompreensíveis noções
de alma gémea, química, telepatia, seja lá o que for
sentir-te por algo que sinto como essência
do que chamamos amor
que nasceu de nós, cresceu
desmesuradamente, sem controlo
é o que sinto
e o que sinto diz-me que sei muito pouco
e o que sinto nunca se conjugou com medida e controlo

domingo, 6 de outubro de 2013

sorriso de pássaro

o sorriso num pássaro
tem voo e tem chilreio
tem olhar: primeiro um olho
depois o outro
tem distinção de plumagem
tem confiança: de se deixar mirar
e de vir comer às mãos
e não há alma que não lhe sorria

sábado, 5 de outubro de 2013

boa água

meu poema jamais se re-escreverá
jamais de repetirão as letras de que nasceu

o que minhas tristezas parem, não se escreve
e não há palavras para a insipiência deste sol peco

meu poema foi rio abaixo
boa água
por ali vogará
compondo-se no horizonte
onde os olhares se põem

viagem

segui a voz do cantar
acendi o sonho do poema
tocou no horizonte, a melodia
um pouco de mim não quer regressar

as viagens são assim

algo de nós por lá fica
algo de lá nos acompanhará, sem fim

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

urdêncios

um poeta vive nos silêncios
fios dobados, anovelados
deles urde poemas
em paciência de enxoval
em amor virginal, de entrega
um dia...

assolha-os ao tempo
ao vento
em silêncio, trauteando
um tesouro...

silêncios

silêncio, a soada que não se ouve
o silêncio escuta-se e entende-se
o silêncio de uma gargalhada
o silêncio da palavra
o silêncio do olhar
o silêncio do sorriso
o silêncio da tarde
o silêncio de um olhar sorrido num final de tarde
o silêncio de um poema
o silêncio de estarmos connosco
em silêncio

terça-feira, 1 de outubro de 2013

ressequido

esvaziámos nossas carícias
primeiro ocas, agora ressequidas
magoámo-nos na aspereza do toque
já não há corpo nem meio nem lugar
para as carícias

debandaram como corvos negros
gralharam horizonte fora
até ficarmos aliviados
agora magoamo-nos se nos tocamos

tempo de brincar

vi tantas histórias nos montes da areia da minha ampulheta;
cresciam em camadas, os montes e as histórias.
podiam ser doces, pareciam-me de açúcar
amontoado, destinado a um bolo guloso;
eram sagradas de sal imaculado
como o do batismo na minha igreja,
que só a santa mão do sacerdote tocava;
via-as areias de um deserto que alguém galgava
com ou sem amada, sempre uma aventura.
então o tempo parava e a hstória mudava,
o personagem renascia num outro episódio,
feito camada a camada,
que os meus olhitos de menino namoravam
e nelas se alimentavam brincando.
quando eu sabia brincar com o tempo.

a ampulheta

lembram-se da ampulheta?
instrumento maravilhoso
acumula o tempo
solta-o, devagarinho
caindo, em montinho
de cima para baixo
trabalho da gravidade
e o tempo lá dentro
não foge, caindo
se cima para baixo
depois tudo pára
também há a pausa
conhecem? a pausa?
ampulheta tem sempre pausa

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

à janela

aquele amor perfeito
com que iluminaste a janela
a cada dia que a espreito
por ele te vejo nela
então sorrio, para ela
um sorriso que é teu
flor da minha janela

introspeção

no reboliço de uma conversa
de mim-para-mim, aprendi

recostei-me no silêncio
sem tempo
que deixei em paz
sabia que ali devia estar

tudo o que aprendi
sempre esteve comigo
sem o saber

palavras

serão eternas as palavras
as nascidas do teu nome
as crescidas em teu nome
que os dias guardam
memórias, imortalidades

palavras espalhadas no ar
fossem dente-de-leão
palavras viventes no chão
fossem pedras do caminho

a imortalidade do dia
que eterno se fez
de palavras
em teu nome evocadas

bocejamar

então mar?
ainda bocejas?
onda a onda
ruidosamente

venho ouvir-te
gosto de ouvir-te
preciso ouvir-te
ver-te
só depois cheirar-te
e sentir a tua aura
a neblina
a frescura
a beira-mar

no caminho para cá
senti-te
teu chamamento
minha necessidade
amigos
um chama
outro precisa
nunca se sabe quem

e hoje bocejas
oh, se bocejas
preguiçoso
quem não te conheça
ver-te-á vigoroso
há vigor na preguiça
espraiaste tu
satisfeito

tu e eu
venturosos
bocejando
onda a onda
passo a passo
amigos
ruidosamente amigos

viver, como árvore

como árvore
enterro os pés na areia
que espreguiço como raízes

como árvore
preciso do fresco do chão
para viver

como árvore
embrenho os braços ao céu
para sentir o celeste

como árvore
preciso do divino ar
para viver

como árvore
ofereço-me pelo meu tronco
à poesia de amantes

como árvore
preciso de um coração de amante
para viver

meu dia

de tão estranho que me seja
lembrou-se de mim, o dia
teve-me, quis-me
amou-me como filho
rondou-me, libertou-me
deixou que lhe mudasse o curso
deixou-me aprisionar-me
deixou-me crescer, escolher
deixou-me gavinhar
sempre com a complacência
de quem olha amando, acaricia
não importa o concordar

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

desesperança

e depois, mateio-o
disse-o ela
tom de lamento sem confissão
doía-lhe tanto
a cada palavra sentia na mão
o cabo vibrando da lâmina entrando
no corpo que sentira seu.
cortou-lhe o peito, o olhar surpreendido
pânico de morrer.

e depois, era tarde
arrependimento, de nada valeu
se ainda pudesse
ofereceria ao golpe, o corpo
que sendo seu, nascera para sofrer.
tanta dor, tanto doer...

(a propósito do telefilme português E depois, matei-o)

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

morrimento

morrer-se por dentro
acontece antes do corpo

depois
seremos o que formos
mais que alguém sem uma parte
seremos quem sabe e quem sente
morta uma parte de si

o tempo da  metamorfose
o modo do renascimento

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

o sol

o sol
luminoso e quente
da felicidade
nasce no peito

quando se põe
pela razão de ser necessário
dá lugar ao conforto
que só a noite conhece

o sol
o astro sol
é a inspiração
sem a qual este texto
seria destituído de sentido

natureza da água

de toda a água
a da nascente, é a mais vigorosa
a do rio, a mais livre
a da chuva, a mais generosa
a do mar, a mais viva
a da nuvem, sonhadora
a da lágrima, a mais salgada

o u t o n o

o gesto que se me esvai das mãos
escreve outono
o-u-t-o-n-o
foge-me o sentido destas articulações
de dedos, de letras, de pensamentos
outono
ou tono
outo no
vá lá entender-se um corpo
anatomia de ossos, nervos e músculos
sem ideias?
vá lá entender-se um corpo
mergulhado, enrolado
em outono insignificado?

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

fim

à beira d'água nascem os rios
à beira d'água despede-se o mar
para logo nos reencontrar
marulhando-nos como rios
que nem sempre correm
espraiam-se preguiçosos
quiçá temerosos
o vazio do acabar

sabe-se que o mar vai e vem
enganando-se perpetuadamente
ignorando que renasce nas marés
onda após onda

natureza pássaro

chilreiam os pássaros no nascer do dia
chilreiam os pássaros na ramagem das árvores
chilreiam os pássaros no entardecer
chilreiam os pássaros dentro do poema
aquele lugar que deus quis para eles
e que os poetas criaram inspirados neles

domingo, 22 de setembro de 2013

a vida, como um poema
um conto cheio de histórias
uma em cada dia
uma em cada verso
uma em cada parágrafo

sábado, 21 de setembro de 2013

não aos escritos
não às palavras, gastas
deformadas, de tão mal tratadas
encalhadas
por pregões, vendilhões
e galifões que as usam
em cânticos matinais
para escurecer o povo
do olhar até à alma
a quem levam o sol e luar
para hipotecar.
sequiosas criaturas
do sangue e das lágrimas
a quem confiámos
o céu que nos ofereceram
os infernos que agora temos

carrego nas mãos o mesmo que no peito
no corpo, às costas, no colo, no regaço
palavras sem dono,
palavras nunca amestradas
jamais dedicadas, palavras sem amo
como as verdadeiras palavras são
do vento, onde viajam
do ar, de que se proferem
do peito onde se sentem
da alma onde se fazem
uma a uma, sílaba a sílaba
para que nunca sejamos sós

que nos fizemos gregários como palavras
que nos concebemos como agregação de sílabas

fazem-se muros de palavras
pintam-se muros para as palavras
constroem-se palavras para os muros
quando o papel não chega
para a grandiosidade de escrever
de um punhado de areia
quando uma  montanha nos vai no peito

acolhi um olhar perdido
regressado não sei de onde
pronto para partir
soubesse ele o destino
soubesse ele onde pousar

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

o sol
a lua
tocam-se
pelas pontas
talvez dos raios
sem olhares

um olá
um adeus
algures
entre
um entardecer
e um anoitecer

terça-feira, 17 de setembro de 2013

fantasia

perfuma-me a tua voz de fresco ar
e leva-me pela mão
onde os contos ganham princesas
onde as bruxas sucumbem
onde o bem sempre sobrevem
por mais adulto que eu cresça

colhe minha alma de menino
embala-a pela tua voz
veste-lhe um personagem duma história tua
e deixa-a fruir que será feliz

marmóreo

esclerótico
aquele olhar tudo gelava
acre de branco
parecendo imaculado
era só branco
nenhuma cor estava
olhar de mármore
marmoreava

garatuja

desenhos à margem, no caderno de notas
insistentemente à margem, das notas
que desenhas, enquanto anotas
a tua liberdade, e nem notas

um pensamento, um ritual sem tento
em desenho, o teu momento
em que fugiste, em que voltaste
sempre por dentro
daquele registo, daquele diário
daquele desenho, onde anotas o tempo

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

despedida

quando ela lhe disse que ia regressar, ele não entendeu.
quando cruzaram olhares, ele gelou.
quando ela pousou o olhar no infinito, ele chorou.
jamais cruzariam os olhares
e ele jamais sentiria a mornidade do conforto

sobre hipocrisia

a hipocrisia não se combate, nunca se vence, tem pele de vítima.
a hipocrisia não se tolera; ideais e liberdade, desprezam-na.
quando associados à inteligência, mirram-na.
porém, à mais pequena distração surgirá colossal.
a mais daninha existência.

sabores do fado

sabem-me os lábios à ausência
a que me habituei
sabem-me os olhos à saudade
que nasceu comigo
sabem-me os dias à mingua
que o luar me deixou
sabe-me o tempo à aventura
que o partir me dói
sabem-me os sonhos ao reencontro
que o renascer pariu

à beira-mar

meu beijo descobriu-te
húmido frio
é da chuva, brincaste
sabíamos ser da neblina, do mar
hm, hm; enrolou ele
no seu tom de bem-estar

sábado, 14 de setembro de 2013

um pensamento escrito

mãe,

chego com um sorriso, sem pedido de perdão, sem declaração de amor e muito menos uma exposição de admiração. tudo o que tenho é um texto escrito ao ritmo do pensamento: um pensamento escrito para ti. não conheço nada mais espontâneo. não conheço nada mais bonito, nem nada que deseje mais para ti e para mim.

noto que te escrevo por "tu" embora te fale por "você", sem que use o termo que me ensinaste ser de tão má educação que o guardei na gaveta dos impropérios. terei ficado unilateralmente íntimo de ti e noto como tu sempre foste unilateralmente íntima de mim. neste pensamento seremos "tu e eu" ou "eu e tu" e o teu olhar angustiado dará lugar à expressão de marota cumplicidade ternamente feliz que tens para mim. nesse momento as dores passam-te, a idade desaparece-te e transformas-te numa espécie leve de bobo para me mostrares que brincar é bom e desejável, desde que as intenções sejam boas — a vírgula é tua e enfaticamente colocada e acentuada por ti.

isso, as intenções: o que pensamos, o que desejamos, a pureza no estarmos seja onde for. sabes que cada vez estou mais assim? e sorris de vaidade; não murmuras o valeu a pena porque pensas no consegui. é por isso que sorrio e sorrio na escrita destas palavras ainda não rasuradas nem revistas, nem na pontuação: espelham o espontâneo que tanto gostas. é mais natural, elogiarias e eu ouviria e sorriria; teria piada. hoje, entre ouvidos e sorrisos, faz-me todo o sentido.

mãe! tenho pensado na morte, não tanto pelo medo que tenha de morrer, mas é o meu medo que tu morras. engraçado, é que venho preparando a tua morte desde os meus 10 anos, talvez antes, ou um pouco depois, e embora sereno, ainda não estou preparado. é altura de me sorrires um burro velho não aprende línguas, e é verdade. também me dirás que todos morrem e só deus sabe como e quando, a que eu acrescento na sua infinita sabedoria, no meu mais silencioso sarcástico. tu, que não tens o ressentimento que eu sinto, sei que se ouvisses, os teus olhos, primeiro ficariam vagos e oblíquos ao chão, para depois se cravarem nos meus e golpearias o teu graças a deus muitas, graças com deus poucas e eu respeitar-te-ia impotentemente, sabendo que no fundo até a morte é natural.

sabes que houve tempos em que só tinha medo da minha morte? e tu rezavas, quase sempre com prazer, parecias e dizias-te pronta para o céu, ao passo que eu detestava rezar, saía-me algo mecânico como a tabuada;  sei que falo mas nunca sei o que digo e tenho de pensar nas palavras que acabei de proferir para lhes encontrar significado e nem sempre chego lá. hoje escrevo poemas e gosto de trocadilhos entre poemas e orações, entre rezas de declamações; o deus ganhou poesia, eu fiquei mais sereno. e tu manténs o mesmo olhar sobre mim, com que me fazes sentir ungido: e tu sabes que eu gosto e eu delicio-me com o prazer que colhes do meu gosto. mães e filhos são assim: impenetravelmente juntos.

já nos confessámos que o tempo urge: os nossos encontros serão menos, decrescentemente menos, e tornámo-los mais intensos; têm mais abraços, têm mais carinhos, mais toques, mais olhares cruzados. têm mais marotices, como quando eu tinha 5 anos e era assumidamente menino, sem saber como carinho de mãe faz crescer.

sei que ficarei magoado quando morreres, mas sei também que terás um beijo para me confortares, daqueles com que me curaste de tantas quedas e eu talvez consiga escrever-te um poema.

o meu sorriso mãe.

da génese das palavras

são os pássaros que trazem as palavras
aos pios, nos voos
aos chilreios, no alto dos poleiros
e nós dizemos palavras para os imitar

beira d'água

tenho vida de mar
infinito, de horizonte
meus meses oceanos
e os anos são ondas
ritmadas
de amplitude e força
desconhecidas

pês da primavera

primavera tem ímpetos
tem impulsos
primavera tem pássaros
e passarinhos
e muito desejo
ainda que destituído de p
como sol e flores
ventos, verdes e cores
tem abelhinhas e borboletas
zumbindo, rodopiando
a fertilidade das flores
o crescimento das árvores
e a reprodução
sempre a reprodução
e seus amores

primavera em setembro

a primavera faz-se de desejos
ideais. só depois se aproveita o sol
para a iluminar
e as palavras, para falarem dela
revelando as conversas dos pássaros
as flores despontam do verde
só porque querem participar
deste espreguiçar de vida
que vemos, porque procuramos.
o acontecer de primavera
ver-se-á melhor de olhos fechados
porque também há os aromas
sobre os quais ainda não falamos
e as juras de namorados.
era setembro.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

a morte

a morte. a morte chegou-me de manhã, com o nascer do dia, ainda antes de eu acordar.
instalou-se. estava instalada.
tinha um vestido vermelho e eu que nunca tinha reparado. eu aprendera que se vestia de negro  negro da morte  e, talvez por isso, nunca tenha notado a vermelhidão da vestimenta.
também me sorriu, o que teve em mim um efeito que poderia chamar-se encanto feminino. por isso não pude deixar de a olhar e, depois, de a apreciar, com o meu melhor olhar distante.
ela insinuava-se, sentada, tombava ora sobre um lado, ora sobre o outro, num rebolo das ancas sobre a almofada da poltrona. usou o sempre clássico cruzar de pernas, dançado e enfeitado por dois joelhos perfeitos. insinuava-se também  pelo olhar: ora tropeçante no meu, ora indiferente, como a ignorância.
minha pose era seráfica, hirta como um sírio, como aprendi com meu pai e sabia-me a castigo ou a alerta. por ali ficámos, estando: eu sonhava, ela instalava-se, mediamo-nos, cúmplices.
não fossem as modas dos tempos e teríamos ido ao encontro um do outro pedindo/oferecendo lume para um cigarro. mas agora seria um convite explícito para sairmos: os dois para um momento de intensa intimidade, no exterior, à porta de algo  neste caso do sonho  em torno de um cigarro que partilharíamos passa-a-passa.
acordei! tudo tinha passado, porém, estava cá tudo: o vestido vermelho, os olhares e o desejo de uma passa, também.
compreendi porque o cigarro mata.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

meu gato

o melhor riso de um gato arrebita-lhe os bigodes
para que lhe acentue os cantos elevados da boca.
é que os gatos não têm lábios. por isso não beijam;
lambem e continuam a sorrir aquele sorriso; de gato, claro.

o melhor riso do gato fecha-lhe os olhos
para que a gargalhada seja mais profunda.
por isso ronronam como só os gatos sabem.
a minha namorada não consegue ronronar mas vê-se gatinha
e cerra os olhos quando sorri. tal como os gatos
quer uma gargalhada profunda; de gato, claro.

o melhor riso de gato pode ser indecifrável.
efeitos da personalidade felidea, independente. por isso
criou o mito de dar: dá mios, dá saltos e dá-nos o prazer
de o termos ao colo, enquanto o gato sorri
como os gatos; enigmático e indecifrável, claro.

poema

tivera eu um útero
e far-te-ia renascer em mim

fora eu um jardineiro
e far-te-ia florir em mim

sou o bobo demente
sentado no mais cinzento dos cinzas
tu és a cor que me chega
e pedes-me que te pronuncie
como sílaba de poesia

verdadeiro deus

velhinha:
 meu deus, como nasceram as estrelas? foram semeadas? quem as plantou lá no céu?

deus:
 nem uma coisa nem outra. são obra da criação e foram criadas por ti e outros como tu.

narrador:
—  a beata velhinha sorriu. afinal deus tinha um humor divinal.

lengalenga

ao adormecer, sei
que viverei a história
que escreverei enleada
na que sonharei acordado
de dia, na companhia da janela
que quis ser minha e eu sou dela

pensamento solto

morreria todos os dias
se pudesse
pela tenrura do renascer

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

fazemos amor como loucos
é uma loucura, o nosso amor
ouvi ou li que só os loucos amam
os outros não desmancham a cama
e nunca engelham os lençóis

meu sonho

meu sonho, sempre grande
enquanto aprendia as letras sonhava
com irreconhecitude da minha caligrafia de adulto
enquanto aprendia a ler sonhava
com grandes públicos atentos
enquanto aprendia as outras matérias sonhava-me
mestre nas habilidades científicas, literárias e artísticas
...
enquanto escrevo um poema, sonho
com o convívio das nossas fantasias
enquanto escrevo um poema, sonho a fantasia
e por ele distendo meu sonho entre o aqui e o de lá

chove lá fora
pois, deixa chover
o sol cá de dentro espelhará
na chuva que sempre tropeça
nessa vidraça
e escorre pelo olhar, brilhando
ente o reencontro e a despedida

a ansiedade

tem um corte fatiado
fininha, meticulosa
insistente, persistente e fria
fria até aos suores; frios também
rói, moi, corroi
de um vazio transparente e solene
aloja-se entre os dentes cerrados
no franzido do rosto
no lado apertado do corpo
contraído até ao estalido
no estado dorido
da ansiedade

consome o bom dia
amarelece o sorriso
cheiro frio a perfeição
do mofo organizado
o mais perfeito pecado
a ansiedade

domingo, 8 de setembro de 2013

hoje quero meu dia botando fogo
fogo de língua
fogo de labareda
fogo de sol quente
tudo fogo amarelo, vermelho, luminoso
fogo quente de verão
hoje quero meu dia assim
enquanto eu sinto o fresco
do verde do meu jardim

sábado, 7 de setembro de 2013

mealheiro de rios

havia no mealheiro
o necessário para ter um rio
daqueles que chapinam, que nos ouvem
que se fazem ouvir e falamos
um rio rico e brilhante de prata bem limpa
um rio amigo que correria comigo até ao mar

naquele mealheiro eu guardava,
o sonho que sempre recordava
a cada moeda que lá amealhava

havia naquele mealheiro
o necessário para ser rio

tinha tanto de morte em mim que a vida se mudou por falta de espaço e eu morri.
equilibrei as as coisas, enxotei a morte, a vida regressou e fui renascendo.
então renasci.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

cumplicidade

pesquei um poema espelhado
no rio que te banhava
— há tanto tempo e não desamo de ti
cintilou o rio
eu escrevi

traço de poesia

desenhei-te em traço de poema
vi-te à essência de ti mesma
envolvi-te em fantasia
daquela que me insinuaste
e te soltaste um beijo
um olhar
um sorriso
um abraço
um aceno
uma flor
...
tanto faz
ser-me-ás poesia

um desejo

tivera eu
um beijo teu
que o dia seria meu
o estardalhaço que faria, eu

fantasia

é frágil a vidraça da minha janela
por ela viajam os sonhos
ainda que feche as portadas
e tenha as cortinas cerradas

rio

o rio
para onde rio
riou-nos
sorrimos
as rimas
que rimos
tu ria(s)
eu ria
ainda rio
na beira do rio

dia

dia de tirar a respiração
inspiramos, inspiramos
queremos tudo, tudo dele
e guardarmos, bem para nós
soltos no suspiro
duma memória doce do horizonte

a luz que era da vela
fez a vela ser da luz
de outro modo não se veriam
uma e outra se pertenciam

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

minha alma bastarda seduz,
seduzida que vive por todo o desconhecido

conjugação

pela manhã deste-me um beijo
fresco de crocante e suculento, tudo junto,
bem polpudo como sempre
— logo dou-te mais — declaraste-me
— bommm, guarda-mos — pedi-te eu
— beijos não se guardam, dão-se 
dão-se sempre frescos, acabadinhos de sentir
querem-se aromatizados — ensinaste-me
então e aqueles apressados — indaguei
— são rápidos, são pequeninos — continuaste-me 
mas para serem beijados, têm de ser frescos
se recessos não são beijos
nem ósculos serão, que nem esses são ressequidos.
isso de que falas são tiques em molde de beijo
outras vezes são desfeitas
amordaçam e despeitam os agredidos.
beijo não cabe em "tupperware"
nem se conserva em frigorífico
beijo tem, sempre, aroma do momento
— e dos beijos que te dei — balancei
— foi nos teus beijos que aprendi o que sei — sorriste-me
no teu peito nasce a poesia que escrevo — escrevi —
... ainda que me chames poeta

poeta espécime

poeta só existe no estado independente
e nem da independência se torna refém.
é arisco, indomável e errante
transviado por natureza
solta poemas: assinala o caminho
que não o siga quem gostar do conforto

a poesia tem a beleza da aventura
vive de trepar o impossível e de pairar o infinito
e morre nos círculos das rotinas
por aí não há poetas

angústia

todos os dias sinto a infelicidade
de uma folha branca, de uma janela vazia
aguardando
que nela me verta que nela eu encontre
o sentido tresmalhado do dia

terça-feira, 3 de setembro de 2013

trajetos da tarde

i
não sou nada, por isso
quando olho pela janela
só encontro meu reflexo
todo o resto, eu invento

ii
destino de homem
que se foi fazendo bicho
é bicho-homem
corpo de homem
alma de bicho;
indistinto bicho

iii
a metafísica, a filosofia
e uma certa poesia
são modos de procurar
a felicidade
em dias de mau-humor

iv
ai,
como eu tenho algo para te dar...

v
vejo uma flor que cresce do chão
estica-se, balança-se, aproxima-se
o chão ajuda-a e eu sorrio-lhes
pateta da emoção...
não sou nada... nada...

vi
a primavera escreve-se nas árvores
e também nas flores
livros estampados de paisagens
com o mar, sempre o mar,
ao fundo
para onde todos os rios correm

vii
as folhas
amarelas-castanho de morno e de sol
libertam o outono
dançam ondulações de mar
(ainda o mar)
unem-se sem capas, algumas enrolam-se
outras rebolam, livres, porque é solta a poesia

viii
os amantes, como poetas, assinam nos troncos
querem a perenidade de um epitáfio

pé-de-orelha

puxa minha orelha
e lá encontrarás o último segredo
aquele que lá deixaste
ouço-o todos os dias

aventura

de todas as vezes que saí empenhei algo de mim
investimento na viagem iniciada para um incerto
visto como certo, de tão crentemente desejado
empenhei-me de todas as vezes que parti
levava numa mão a amargura; do errado
na outra, a convicção
trilhei em frente, fitado no horizonte
aquele mesmo que um dia libertei da linha

quadra

vagueiam as letras em teu nome
como no céu as estrelas
compõem palavras nós
amor, entrego-me a lê-las

Só o mistério chega inteiro ao fim.*
e desvanece-se
solta o vazio


*Almada Negreiros; in Textos de Intervenção


segunda-feira, 2 de setembro de 2013

poeta d'água

poeta faz-se de água
nasce em água de útero
espraia-se em água de rio
vagueia em água de nuvem
escorre em água de chuva
renasce em água de mar
brota água de lágrima

beira-mar

cada onda volta uma folha
era o mar.
o vento
a inspiração da página seguinte
gravura prateada a sol.
o poema
o voo da gaivota, sempre gandaio
desenho dos ventos de poesia.

ainda o mar
na melodia de fundo
ao grito de gaivota que declama o poema
que a areia e a rocha aplaudem
enquanto a criança pequena
planta castelos na areia
que o mar os abrace
e o sorriso lhe aparece
então o poeta tece inutilidades.

leve

aprecio o nado dos peixes
aprecio o voo das aves
aprecio a leveza de ter os pés ao nível da cabeça

domingo, 1 de setembro de 2013

manoel

com quantos pássaros se escreve teu nome
que letras se usam para pintar o céu
quantos desenhos tem um poema
com que revelas segredos a deus
desrimando
rumando à poesia que quer ser criança
fantasia
sem "quantos" nem "comos"

a praia de todos

ela, a praia
nascera dele, o mar
e dela, a areia
é amada por eles, as gentes
que nela arejam os corpos
assolham a alma
exibindo o que têm
ora exuberantemente
ora em absoluta discrição
como ela, a praia
de todos, os momentos

amores

amor é doçura do tempo que chega em alguém, com a forma de vida
amor é uma ideia amadurecida em peito sonhador
amor é aquele colorido num arco do vento
amor é o cristalino da água na concha das mãos

meu futuro foi ontem, correu no pôr-do-sol
hoje foi passado que me chegou de presente

desconcertante

o sol partiu de manhã
agora que é tarde, ainda não veio
há bocado, que era noite, fez-me tanta falta

sábado, 31 de agosto de 2013

inevitável

a paz é simples, quer-se
tem a sabedoria de criança

a guerra é complexa
tem aquela sabedoria de adulto
a da inevitabilidade

charco

há água no charco
guarda o rosto da noite
guarda o raio do sol
guarda olhares enamorados
guarda a rezinga do velho
guarda o olhar de cão
guarda o rosto de criança
enquanto aguarda traquinice de meninos
em chapinos e ondas
e mistura-se tudo em alegria

a dureza do dia-a-dia tinha muros
entre eles e entre os dias
fez-se de pedras e de espinhos
nascidos e criados entre eles
todos os dias

e como ela temia desejar-lhe a morte
e se a comiseração de deus intercedesse?
como se vive com peso na consciência?
não confiava no deus em que acreditava
podia não ser tão bom quanto ela
que disso não tinha consciência

um beija-flor
dá às flores tudo o que precisam
atenção, toque
tudo com muito carinho

a importância dos segredos

na sabedoria criança
os segredos partilham-se com amigos

na sabedoria adulta
os segredos guardam-se

a paz

tem a forma de um sonho
tem a sabedoria de uma criança
a paz
nasce nos rios e nos riachos
onde a água corre
para tocar nossos dedos

livro de poemas

das folhas de um livro
dobram-se aviões de papel
voam em poemas
rumos da fantasia

raio de felicidade

o raio de sol assomou à janela
e entrou sala dentro

os olhares iluminaram-se

meu mar

minha paixão é de maré-cheia
de mar
salgada, de abençoada
roncante, de ondas possantes
pura, de espuma de mar
espraia-se, enrolando na areia

pensamento solto

há um sítio onde se desperta do sonho
aí mora a escrita
aí o sonho começa a viver

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

um porco que gostava de letras

o porco fugiu para a horta e comeu-lhe cada uma das letras. sim, sendo os porcos omnívoros, também comem letras. porém, resultou ser impossível dizer-se para onde o porco fugira: não havia palavra. tinha sido comida.
logo surgiram tantas letras que se alinharam em filas, como se quisessem dançar. ensaiaram composições novas para dar nome àquilo cujas letras o porco comera, depois de ter fugido.
alguns dos arranjos eram impronunciáveis, uns quantos hilariantes e outros eram normais. de todas as hipóteses, acabaram por escolher HORTA, por parecer a mais bonita: — aquele H mudo dava a distinção merecida à horta — concordaram todos. até o porco.
a palavra era igual à antecessora, só que agora todos (letras e porco) sabiam porque fora escolhida.
as letras gostaram do convívio letra-a-letra e das sílabas e das palavras simples e compostas que formaram.
o porco continua na horta — agora com um novo nome — e se o deixarem comerá todas as letras, incluindo o H mudo, que confere distinção.

lucidez

já vivi dias de grande lucidez
neles senti-me pronto para morrer
neles dei o verdadeiro valor às coisas
incluindo a morte e a vida
que sendo irmãs, as vemos como inimigas
pelo estado de obnubilada consciência
em que habitualmente nos instalamos

a lucidez chega com o perigo
com a míngua, com a despedida
e com o definitivo
manifesta-se pelo óbvio
com que valorizamos um céu azul
ou um sorriso de olhar brilhante
e com que identificamos o supérfluo comezinho.
a lucidez não perdoa o arrependimento
do olhar pregado no chão
a menos que sejamos lúcidos para soprar sorrisos
e sentir-nos-emos prontos para morrer.

fratria

o sapo perguntou à rã:
somos irmãos?
podemos ser, mas sou eu quem coaxa.
respondeu a nova irmã do sapo.

da poesia ao poema

em poesia sente-se a profundidade
do humano desconhecimento
e das coisas triviais
que se descreve com palavras conhecidas
e outras inventadas

o poema é o momento
sincopado pelos arranjos de palavras
para debelar a indiferença

entre a poesia e o poema
há pontes inacabadas
os pensamentos dos poetas

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

raiz de árvore

a raiz das árvores
sei que não é quadrada
porque as árvores servem-se dos números
mas não são de números.
as raízes das árvores são profundas
entram pela terra adentro
até ao coração e libertam os vulcões
são como a paixão da terra.
às vezes atravessam o mar
e tomam a forma de algas
e acolhem os peixes
(os peixes pulam nas raízes)
e o mar agradecido
vai arrefecendo os vulcões
para que não queimem as folhas das árvores.

as árvores, o mar e a terra são amigos
por isso nos deixaram crescer
tal como às flores, aos pássaros
e aos insetos cantadores do verão quente
e nós reconhecidos fizemos barcos de árvores
para conhecer o mar
e só depois aprendemos os números
e descobrimos a raiz quadrada
que sabemos não ser de árvore
porque conhecemos a árvore.

pensamento

talvez inútil seja uma forma in de ser útil...
já uma inutilidade é acharmos a idade útil e in

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

cheguei
como a luz, sem vento
como o piscar de olhos
como o reflexo pupilar
como o ruído da noite
cheguei

sem mais nada

sussurros do acordar

o sol sussurrou-me um raio pela fresta da janela
e sussurrava aos retratos de gente antiga, imponente
que posava sussurrante aguardando o clic
que os poria na sussurrância da cómoda que outrora compraram
ou na pendurância sussurrante da parede, cuja cor escolheram.
fizeram-se sussurros em memórias
história daquele quarto cheio de histórias sussurradas
tão sussurrante e tão sem mofo

sussurros da manhã

o sussurro fumegante do café
o sussurro estaladiço do pão
a manteiga que sussurrava a torrada
o lá fora sempre sussurrante
as flores sussurravam entre si
as borboletas voavam em sussurros
o vento sussurro que sussurrantemente sussurrava
os olhares sussurraram algo
e um beijo sussurrou em mim

teus passos

fechei os olhos, precisava
sentir teus passos no pensamento
tinham um sabor a carícia
soavam como soalho de lar
iam e vinham, rondando-me
sonho
e sou o centro do universo

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

sem tempo

tanta que tu és de madrugadas
de pores-de-sol, de tempos de nada
namoras-me ronceira
na orla de calmaria que tem a paz

deixámos a meio o canto dos pássaros
dissemos todas as palavras pela metade
fizemos o mesmo com as frases
as carícias e as juras

temos de nos encontrar
sem precisarmos de argumentos

aconteceres

a manhã, amanhece
a tarde, entardece
a noite, anoitece
enquanto o dia acontece
tecendo-se, também tece
a tela do dia seguinte

sábado, 24 de agosto de 2013

lá, onde a terra parece tremer
são abraços de amantes
tudo pulsa mais forte
mais quente e mais

meu amor

quando o vento me soprou a face
também me envolveu o corpo
reconheci teu afago
tuas mãos, e meus lábios
transpiraram, suave:
— meu amor

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

a sonância de um poema é das palavras, entoadas
como notas faladas por alma de criança
ária de coral, encanto da poesia
em qualquer língua
em qualquer lugar
em qualquer momento

uma corda da roupa no horizonte

o horizonte tinha uma linha
era uma espécie de corda da roupa
ao longe
onde pendurava pedaços de coisas
coloridas, drapeantes ao vento e ao tempo
era lindo.

uma vez pendurei coisas na parte de cima da linha
o que parecia impossível resultou bonito
na mesma corda havia algos que não caíam
e outros que não esvoassavam
de um lado e do outro eram coloridos
drapeantes ao vento e ao tempo
reluziam ao sol, era lindo.

tentei-me e tirei a linha do horizonte
com ela foi a corda da roupa
os pedaços de coisas caíram,
dispersaram-se, amontoaram-se
e movimentaram-se; uma dança
entre o céu e a terra, sem linha.
sem corda
drapeiam ao vento, dançando
reluzem ao sol, fantasiando cores
formas e movimentos
que só à imaginação interessam
e tornam feliz quem ali desvenda poesia.
é lindo.

divagando

na divagação, os meus pensamentos
são desejos tresmalhados e pedaços de nexos
que convivem no devaneio, aquele lugar de liberdade
regido pelo princípio do bem-estar.
na presença da escrita todos se alinham
parecendo o que nunca foram:
ordenados.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

vento

— o vento de ontem beijava, abraçava, era ousado
e o vento de hoje oscula, roça, é tímido

— na fonte dos ventos há tantos
e cada um só nos cruza uma vez
passa, é um vento...

— há a fonte dos ventos?

— é num sítio que fica entre os montes altos
está ligado ao céu
é lá que guardam todos os sopros dos santos
os de acender o lume, os de soprar as migalhas
os de soprar as sopas e o caldo quentes...
é que no céu não há ventos

— é, o vento é coisa do céu...

além

tenho o condão de olhar o silêncio
sem ficar esperando
pela leveza dum beijo te aproximaste
desvendaste-me que sou como tu
que gosto de estar comigo
tens o dom de me entender

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

o silêncio
de onde me grita a tua voz
que não me chama
que não se zanga
detém a saudade que se ouve

o dia se esvaziou ao fim de tarde
e com ela o sol se foi
a noite chegava cheia de estrelas
para a infinitude de um luar
foi lá que encontrei teus olhos

diálogo

— psiu!
— porque me mandas calar?
— porque não me deixas ouvir-te.

as meninas dos olhos

somaram gerúndios:
correndo, pulando, gritando, rodando
chamando a algazarra
um passarão grande
fazendo de conta ou faz de contando
colorido, com penas de almofada.
trazia com ele a história pulada,
a princesa apanhada,
o rato esconde-esconde,
a dona macaca sempre quadrada
que queria a patela muito bem saltada,
a serpente vidente que fazia de corda
e qua adivinhava os erros das contas
e a tabuada.
e o recreio de tão animado
estava vistoso, estava todo inchado.
e hoje eu sinto-me recreio.

quando o sol me roçou as meninas dos olhos
o recreio chegou

dia-a-dia

houve um dia que não acordei
acho eu
espreguicei-me de olhos cerrados
levantei-me aos bocados
lavei-me, saí
trabalhei: telefonei, escrevi
tomei café
pus meus olhos assoalhar
vi uma folha cair
desenhei no canto do papel
tomei notas
encerrei a reunião
regressei a casa
jantei
e à noite não adormeci

imponência

e foi um ar que nos deu
um voo rasante de gaivota
vadio, que perseguimos
elevando o nosso olhar

utopia

sonho

na margem
no bordo
na beira
no início
no cimo
no alto
no ondeante

e ao primeiro passo a vida começa
e encho meu sonho de vida

meu tino
recusa a falta de tino
que o destino tem em si

meu tino
não procura culpado
para o arrependimento
nem para este sentimento
de sentido tresmalhado

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

meu vento maroto empurrou a água do rio
fez-se onda de água rebolada, e tanto que gostou
deu uma gargalhada de água chocalhada
subiu uma pedra e numa pulada
caiu noutra água, e mais uma onda rebolada
o vento agora mais vigoroso soprou bem soproso
na rebolada onda de água que soltou um marulho
bem do fundo do peito e pôs-se a jeito
queria que o sol a fizesse espelhada
percebendo-lhe a vaidade, o vento com vivacidade
chapinou a água tão agradecida, feliz e abrilhantada

meu vento
tem um meu de amigo

não me dá posse
dá-me intimidade e bem-estar

nossas mãos se engramparam pelos dedos
o que seria verdade se fossem ferros
ou se nós fossemos ferreiros
mas nós que quisemos ser árvores,
arbustos e flores
então engavinhamo-nos de mãos
assim existimos de dedos enrolados
mais fortes que aço

domingo, 18 de agosto de 2013

quando o mar desaguou no rio
que eu vi, corrigiram-me
são os rios que desaguam no mar

quando mostrei o mar entrando rio adentro
dissertaram-me sobre as marés
e percebi que pouco sabiam de vizinhanças
de águas, de rio e de mar

quando me reduzi a um punhado de letras
nasceram-me palavras para descobrir cores
cheiros com aromas de letras
e enrolos de língua
só pronunciáveis em pensamento
e de boca fechada.
também despontaram palavras como lavândula

a linha que une
também limita

tirei a linha ao horizonte
procurava sem limites
e a linha limitava

sábado, 17 de agosto de 2013

sentidos de filho

minha mãe chamava-me filho, era aconchegante
meu pai chamava-me filho, protegia-me
minha avó chamava-me filho, era mãe duas vezes
minha vizinha chamava-me filho, estava enganada
minha catequista chamava-me filho, era língua de deus
minha mulher chamou-me filho, foi querida
um desconhecido chamou-me filho, pareceu-me que juntou mais qualquer coisa

da ponta do meu lápis sai uma linha
única, sozinha
que se enovela em voltas e se enrodilha em letras
palavras e pontos que interrogam
exclamam e terminam.
às vezes tenho um pauta musical
outras, o que me parece um poema
outras ainda, um desenho lindo de criança
a maior parte delas fico com uma garatuja de adulto
que só um adulto entende.
então, eu fico sem sentido.

o que sei, sonhei-o no fundo de um céu bem azul
onde mergulhei bem além das nuvens, do sol e dos outros astros
lá, perdi a linha onde meu olhar sempre se agarrava, no horizonte
agora meus olhos pousavam em pontos, pontos bem soltos e a linha
seria a que eu ousasse e a minha fantasia sonhasse

o passado guarda-se nas recordações
o futuro guarda-se no olhar
o presente é, não se guarda

as memórias são presentes
de recordações olhadas pelos olhares
aqueles onde se guarda o futuro
costurados com a linha do horizonte

minha casa vive rodeada do verde que as árvores pintaram
e as relvas espraiaram-se só para que os pássaros as passarinhem
e assim vai sendo entre o passado e o futuro: o vento chega
puxa as folhas às árvores, passa a mão nas cabeças das flores
e roja-se na relva: quer sentir o verde 
enquanto as aves bicam no chão, que é a sua forma de passear
e deixam-me apreciar, porque também me vêem de verde.
há um sino na torre da igreja que canta de meia em meia hora
é um tempo religioso, da criação, para poetizar o tempo real
que construímos árido e contundente como o cimento que modelamos
do qual às vezes não gostamos.
no tempo real, minha casa está cercada de um jardim
é feita de pedra e cimento por homens de máquinas medonhas
com que rasgaram a terra e o céu por ela.
no tempo poético, a natureza deu-me o direito a fazer meu ninho
e eu sou um pontinho negro, pairando entre o verde e o azul do vento.
o tempo poético é daquela meninice que há em nós
que fantasia, pula e sorri com o futuro nos olhos
que bom que é ser feliz.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

pensamento

existe sempre uma dificuldade em nos mantermos vivos
a vida vivida nunca será fácil de viver, para ser gostosa
a vida fácil, muito fácil, tem tédio e (geralmente) é fastidiosa.

incrédulo

por ti tudo será possível
até o céu encostar-se à terra à procura de aconchego
e os anjos, que sempre vimos como estrelas
entrarem no paraíso, que afinal
sempre esteve aqui, contigo, onde o semeias

por ti tudo será possível
até as rochas entoarão hosanas lá das suas alturas
e os anjos que pensávamos estrelas do céu
que afinal sempre esteve em ti, rodar-te-ão
serão putos de um recreio, felizes por ali estares
 
por ti tudo será possível
eu sei, só não sei dizer, nem escrever
também não sei desenhar, como te sinto
e não me parece que caiba nas 4 letras de amar
embora eu saiba que por ti tudo será possível

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

confissão

escrevo-te em confissão
o que guardo para mim
escrevo-te segredos
que sopro no ar
liberto os pecados
que escondo na aragem
pela escrita
que me confessa
sem penitência
rezo o poema

desvendamento

escrevo de ti
a cumplicidade dos segredos
a cada revelação
algo desvendo de mim

o que escrevo de ti
algo que desvendo de mim

terça-feira, 13 de agosto de 2013

infância

era criança o suficiente
para desenhar tudo o que via
criava histórias com cenários
ilustrando pensamentos
sem balões. sem diálogos
os desenhos se declamavam
e alimentavam-lhe o sorriso
tão bem que o fazia
com a mão abraçou meu dedo
para que eu o entendesse
e com ele sentisse em poesia
que sabia ter-lhe nascido

talvez quisesse que o lembrasse
se algum dia se esquecesse

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

a propósito de Ennio Morricone, II

descobri!
agora sei porque nasci
para te seguir, de ouvido
correr e andar
por onde a imaginação me quiser
e tudo mais que de mim vier
será a tua música a latejar

dignidade

serve-me a morte, fria
em porcelana dura
finamente decorada
nada esbotenada, não a quero cortante.
servir-me-ei da morte fria com talher prateado
servir-me-ei com honras de convidado
a talharei e comerei bem mastigada
de boca sempre fechada, engolirei silencioso
sorrindo e apreciando, ainda
que me saiba asqueroso, a comerei até ao fim
agradecendo ao cozinheiro
seu empenho em meu repasto
sua atenção em mim.

ociesia

há uma certa poesia
que vive nos jardins
soa a cigarra
e alimenta-se de ócios
e
delicia-se num dolce farniente
no cheiro de um livro de poemas
nas viagens dos pensamentos vagos
no belo, sempre belo sorriso da amada
e no desejo preguiçoso
de escrever banalidades em forma de verso

domingo, 11 de agosto de 2013

estrofe

pois
quando as árvores respiram
inspiram poetas
expiram magia
e sopram do bosque
ares de poesia 

melodia

toco-te
como as cordas da minha guitarra
soltas um acorde
encanto-me

sopro-te
como o bocal da minha harmónica
soas uma melodia
encanto-me

acaricio-te
como às teclas do meu piano
desenrola-se a magia
encanto-me

dançamos
a leveza de uma valsa
a paixão de um tango
exorcizamos

desatamos
aquele mesmo sorriso
de adão e eva
quando descobriram a nudez

sábado, 10 de agosto de 2013

a propósito de Ennio Morricone

há músicas que têm o dom de nos completar
depois de as ouvir
torna-se difícil resistir a escrever um poema
que sempre se sentirá de um belo
até à lágrimas

amigo imaginário

escrevo-te da imaginação
aquele lugar
onde tudo é imaginário
como tu meu amigo

escrevo as histórias
imaginárias
que ambos vivemos
de uma verdade imaginária
tão real
é que a realidade se imagina
e a imaginação se realiza
o segredo da nossa amizade
que tecemos nos silêncios

a viúva

existia debaixo de um negro de lenço
o corpo despontava das vestes negras
num branco seráfico de pele
a que luz das velas amarelecia
de amarelecido de cera ardente
os olhos tomaram-se do luto
num corpo, como as velas, encurvado e gotejante.
havia ainda algo seu, pouco estimado
podia ser alma ou simplesmente algo
perdido, abnegado, esperando o momento
além daquela luz de vela e do luto de viúva
que a afastava dali.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

pura poesia

a poesia sem palavras
chega no vento
soa das árvores
declamam-na as folhas
dançam-na as borboletas
também as abelhas e as aves
desenham-na as crianças
em linhas simples
em formas planas, transparentes
infância dos olhares sorridentes

de passagem

cruzei com um olhar de gaivota

era a serenidade determinada
a beleza de um voo livre e certeiro

esclareceu-me que lhe valia
a sua independência vadia

íntimo

seja quando for
o mar entrar-nos-á pela porta dentro
quererá visitar-nos
estender-se-á a nossos pés
mergulha-nos-á os tornozelos
molhar-nos-á os joelhos
e nele banharemos as mãos
seduzir-nos-á para nos tomar o corpo
nas ondas que nos fez, à medida
intimamente, acreditamos
algures, nós e o mar
entrevimo-nos gémeos
quando nos sentimos irmãos

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

poliversos de amante

o estado de amante sente-se como as estrelas: pontos, reminiscências
que encantam um belo de um céu estrelado.
partículas luminosas, aparentemente insignificantes
que são tudo: são a força do universo, talvez o prenúncio de poliversos.
tal como o amor: é a anunciação de tantos todos, feitos de pequenos nadas.
a mais poliversa das existências.

o estado de amante sente-se como os sorrisos; encantam, encantadores
geram encantamentos que se perpetuam entre a saudade e o prazer.
o olhar corre atrás deles, perde-se e encontra-se com as memórias
também elas repletas de sorrisos.
quando regressa, o olhar trás um sorriso,
que capturou nesses poliversos extraordinários de recordações,
que planta na alma, aflora no rosto e resplandece no olhar:
naquele mesmo que trouxe o sorriso.

pequenos universos que moldam a natureza poliversa do amor
que só o estado ébrio e alerta de amante entende;
o estado próprio dos amantes.

perfume de mulher

meu estado de amante teu, sente-se como os aromas: instala-se. nada de narinas.
fecho os olhos e toco-te o odor do teu pescoço, naquele exato ponto
em que se cruza com o da tua orelha e com o perfume da raiz dos teus cabelos.
irresistível;
escapa-se um beijo que te pouso demoradamente no rosto, segredo ao ouvido,
porque meu rosto quer colher o morno aveludado do teu.
tão perfumado.
a fragrância do teu ombro encaminha-me até ao teu peito,
como sempre
repleto de aroma a conforto morno, leve olência:
o equilíbrio perfeito de maternidade e de amante.
ah! e o cheiro terno dos teus braços. como é doce o universo de sensações
quando neles aconchegas minha cabeça no encontro com teus seios
perfumados de mulher.
o aroma do teu ventre chega-me quase impercetível; vem na aragem
e traz um doce florido,
aromatizado de quente de carinho e de intimidade de virilha
odor gáudio de especiarias,
nascido no vaso que te fez mulher: mãe e amante
e nos afeiçoamos
enleiam-se estes aromas em bálsamo e nele me perfumo de ti.

criação

deus criou os poetas
que escreveram as orações
e que ensinaram a rezar
os poemas
que eram orações declamadas.

ora, sabe-se que os poetas
gerados da criação
foram além das profecias
então deus fez os profetas
e para os poetas, criou a poesia.

aqui

estou aqui
tens-me se me quiseres
e se puderes ter-me
que não seja porque te pedi
mas porque me queres
mais, me desejas
e sem que me supliques
sente-me onde estou
aqui

lágrima de vida

ardem-me os olhos das memórias que se esfumam
ardem-me os olhos do farrusco frio das cinzas
ardem-me os olhos do pó da terra
a sequidão procura em mim a lágrima
para romper a esterilidade

se fosse possível à terra chorar
jamais sentiria a aridez
e o vento seco seria bem-vindo
pois enxugaria em vez de ressequir

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

anseio

quero ser um rio de corrente calma
buliçoso nas rochas
navegável por barcos a remos
onde as árvores bebem e tocam o céu
o leito onde flores flutuam
e espraio-me ao desaguar

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

silêncio

não digas nada
deixemos o tempo passar
sem nada dizer. e tu
sem nada me contares
não digas sequer que o tempo está bom
ou que vai chover
não gastes as palavras
é que os silêncios não se preenchem
e muito menos com palavras
as palavras só os encobrem
aparências
não digas nada

um dia ouvi
(se calhar inventei)
que os silêncios se quebram.
era criança e imaginava-os cristais
teriam mil cores,  ou mais
nunca as contei.
todas lindas para me encantar
na minha certeza
que o silêncio nunca fora de ouro
era o meu saber, a minha riqueza
a minha maior idade.
por isso prezo o silêncio, preciosidade
que não quero ver quebrada
mesmo se pesado, denso e acre
como agora
não digas nada.

não digas que o tempo acabou
porque o tempo nunca acaba
o silêncio distende-o
até que seja amplo e moldável
eterno.
consta que a eternidade nasceu em silêncio
que sempre foi silenciosa
como os desertos tão silenciosos e eternos
e como as almas
sempre eternas
sempre silenciosas
não digas nada.

não digas nada
nem à partida nem à chegada
o silêncio não é ausência
e nunca será nada
o silêncio é uma melodia
que podes fazer tua
é no silêncio que falas à lua
é no silêncio que tocas o sol
é no silêncio que te ouves a ti
e pares um poema
bem lá do fundo da imaginação.
e soltas teu simples desejo
"não digas nada".

segunda-feira, 29 de julho de 2013

eterno rio

há um rio que corre em mim
nele refresco a alma
e solto os olhos
nele corro para o mar
e marulho a saudade
nele abracei um peito
que sempre bateu por mim

na alma

na alma
onde a saudade espreita
onde a saudade cresce
onde a saudade dói
mansinha
de mansinho
onde a saudade mora
emudecida
a saudade murmura
na alma

revelação

abeirou-se teu beijo
sem ondas nem brisas
sem raio de sol nem saudade
aflorou
chegou como queria
e eu pedi-lhe que morasse em mim

sábado, 27 de julho de 2013

navegar

por vezes
para sonhar
precisamos de alguém
que sonhe connosco 
e tenha um olhar de caravela 
enfunado ao vento
rumo ao desconhecido
navegando 

latino

por vezes precisamos de sangue
para estarmos vivos
para sentirmos, vermos
odiarmos e amarmos

por vezes precisamos da dor
para nos engrandecer
para curtirmos, amadurecermos
talvez sem envelhecermos

por vezes precisamos gargalhar
para espantarmos os corvos
para declararmos paixão à vida
e à companhia dos amigos

quanto aos amigos...
nada se escreve sem eles
nem um sentido "bom dia"

o pedido

tropeçaram-lhes os olhares
e neles trocaram algo seu.
pouco depois trocavam beijos:
uns dados, outros roubados.
os braços em abraços
outros olhares e as promessas,
eram ofertas e entregas
sempre aceites
sempre retribuídas.
quando ele lhe pediu a mão
ela sorriu comovida como nunca
entrelaçaram os dedos
e saíram mundo fora de mão-dada
fundidos numa só vida.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

entre os lábios

entre os lábios
solta-se a loucura
a mesma que se esconde no peito

fogem palavras
impropérios
sejam de raiva ou de paixão
liberta-se o desejo
no musculado trejeito
de um lábio mordido

depois há os beijos
eles mesmos arautos da loucura
e exercício de musculação

morto-vivo

tudo o que tinha trajava-se de morte
desde o lado mortiço do olhar
que só ele via
ao tom esverdeado da tez 
ao modo zombie do andar
à negra alma que encobria de poesia.
o que parecia alvo e colorido
era uma rasa campa de mármore branco
com uma jarra de flores.
havia nela um sereno epitáfio
"aqui jaze quem morreu lento"