quarta-feira, 22 de outubro de 2014

dos indicadores

a melhor maneira de desumanizar uma sociedade
é descrevê-la por indicadores
numéricos, assépticos, inodoros;
permitem escalpelizar a realidade
numérica, neste caso.

já agora, qual é o indicador de dignidade?
e o de responsabilidade?
e o de racionalidade(?)
no qual assenta toada esta visão "indicadora" das pessoas
no mundo?

quando os números se tornam mais importantes que as palavras
e estas mais importantes que os olhares
a humanidade mortifica-se
pela perda de humanismo.
desconheço a fórmula matemática da dor
da vergonha ou da indiferença
mas sinto-as nas faces,
mais profundamente nos olhos,
nos gestos, grandes e pequenos,
e sei-a sem indicadores
e sei-lhe a grandeza
e sei, ainda, da grandeza de quem sente.

depois há o uso que se faz do indicador
serve para perceber o que falta
e para ir mais além em humanismo (?)
ou serve para justificar a opção pela desumanização
pelo desacato entre grupos
pelo desvio à responsabilidade individual pelo coletivo,
à solidariedade
ou, ainda, para exacerbar uma visão racional
asséptica, inodora. insensível
em análises numéricas, indagando-se
e descobrindo-se sempre - sempre mesmo - alguém
nalgum lugar do mundo
que fez algo, ainda que momentaneamente,
que nos confirma a veracidade
a fundamental
realidade aqueles dígitos
seguidos de uma percentagem
e uma legenda: o indicador
será perfeito se tiver um sinal de moeda
será sublime, se de um magnânime mercado
essa abstração em forma de deus.

trouxeram-nos um bezerro de ouro
fizeram-se sumo-sacerdotes e entoam rituais de sacrifício
propõem-se oferendas; alguns de entre nós, os estropiados.
nos altares erguem-se bem alto dizeres de merecimento do castigo
sacrificam-se alguns para que outros sobrevivam
o que só acontecerá - sobreviver-se - pela benevolência
de um ídolo ourado que precisa de povo para o adorar
e esperam que o povo aclame, em uníssono.

o bezerro é o mesmo de todos os tempos
e os sumo-sacerdotes também
o povo já não aprova e não é unissonante
esse é o sinal do crescimento civilizacional
e esta civilização já deixou o ritual ir longe demais
ainda que todos os indicadores - escolhidos - apontem o contrário.

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