terça-feira, 24 de janeiro de 2012

fealdade na doença

Fui ao médico e, enquanto envelhecia na sala de espera, dei-me conta que estava rodeado de pessoas feias, feias mesmo, do pior que há. Aperaltadas com as melhores roupas, próprio de quem tomou banho e vai ao doutor, mas intrinsecamente feias. Não percebi porquê.

A tristeza e a fragilidade da doença, pensei. A doença faz com que as pessoas fiquem tristes e este estado pode explicar porque as pessoas se sintam e fiquem feias. Contudo, pode-se ser triste e lindo. Lábios e sobrolho descaídos podem ser explorados e suscitar sentimentos de compaixão e carinho e constituírem-se numa performance altamente sedutora e provocando desejo de aproximação. Mas não era este o caso. As pessoas eram feias e causavam repulsa.

A angústia, aduzi. A angústia da doença, do sofrimento, eventualmente, a angústia da morte ou até a angústia por se ter tomado a consciência que se tem fragilidades. Mas a angústia de uma criança não a torna mais feia. Antes pelo contrário, pegamos-lhe ao colo por impulso e protegemo-la. Aquelas pessoas tinham algo que provocava asco.

Egoísmo, encontrei, finalmente. Era aquele egoísmo próprio de quem está doente e acha-se mais doente que os outros, pelo que têm prioridades e direitos infindáveis, sem que haja espaço para os outros e para as respectivas necessidades. Aquelas pessoas tinham estampado no olhar o instinto de fera, aguardando o momento em que podem ultrapassar o parceiro para chegar à frente do outro. Era isto que as fazia feias.

Eram pessoas sem espaço para a solidariedade, cheias do egoísmo mais egocêntrico que possa encontrar-se. O olhar delas não tinha nem inspirava compaixão só o pacóvio sentimento que a sua dor é sempre superior à dos outros.

As roupas novas assentavam-lhes como fardas. Vestiram-se, pentearam-se e expressaram-se como fardados que tinham uma missão: ser atendidos à frente de quem quer que fosse, esgrimindo o seu estatuto de doentes, para se tornarem importantes. O que não entendem é que são doentes por isso mesmo.

(a propósito da consulta de 2012.01.12; 17-18:30h)

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