i
no início
na indistinção o homem contemplou o mundo
e os seus elementos que deificou à sua imagem.
assim, criou deuses que amou e temeu
e por isso os adorou
e a eles se submeteu
e por eles mandou.
neste estado
o homem conheceu-se,
refez-se com o mundo e recriou deus
que fez o homem à sua imagem e semelhança.
depois de criar o universo, o mundo
e todas as coisas, deus criou a vida.
durante a criação
deus andou acompanhado do silêncio,
tão antigo como o próprio homem
que o descobriu sem que o tivesse inventado,
nesse tempo.
ii
no início
deus perguntou:
— de que água farei os rios?
o silêncio respondeu:
— de água que corra num só sentido
e deus fez.
depois, perguntou deus:
— que forma darei a uma onda?
o silêncio propôs:
— a onda tomará a forma do volume da inquietude
e deus fez.
continuando, deus teve dúvidas:
— que cantará um pássaro no voo?
o silêncio enunciou:
— o que os ouvidos não ouvirão, os olhos não verão mas estará na paisagem
e deus fez.
e logo voltou a perguntar:
— e os olhos, o que os levará ao olhar?
o silêncio disse o que sabia:
— o encanto do ser
e deus fez.
ainda questionou, deus:
— que sentido dar às perguntas inúteis?
o silêncio soltou:
— semear inutilidades é a maior de todas as ações
e deus concordou.
então confessou, deus:
— não sei porque teimo em questionar-me...
o silêncio sorriu
— é o teu modo de estares comigo
iii
desde o início
a torre da igreja, senhora de tudo,
ensina a lenda das coisas pequenas;
badala-a ao tempo
derrama-a nas horas,
recria-se a história contida no momento.
iv
no fim
permanece o silêncio
o recomeço, a criação...
o início.
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