sábado, 28 de fevereiro de 2015

iv atos da criação

i
no início
na indistinção o homem contemplou o mundo
e os seus elementos que deificou à sua imagem.
assim, criou deuses que amou e temeu
e por isso os adorou
e a eles se submeteu
e por eles mandou.

neste estado
o homem conheceu-se,
refez-se com o mundo e recriou deus
que fez o homem à sua imagem e semelhança.
depois de criar o universo, o mundo
e todas as coisas, deus criou a vida.

durante a criação
deus andou acompanhado do silêncio,
tão antigo como o próprio homem
que o descobriu sem que o tivesse inventado,
nesse tempo.

ii
no início
deus perguntou:
— de que água farei os rios?

o silêncio respondeu:
— de água que corra num só sentido

e deus fez.

depois, perguntou deus:
— que forma darei a uma onda?

o silêncio propôs:
— a onda tomará a forma do volume da inquietude

e deus fez.

continuando, deus teve dúvidas:
— que cantará um pássaro no voo?

o silêncio enunciou:
— o que os ouvidos não ouvirão, os olhos não verão mas estará na paisagem

e deus fez.

e logo voltou a perguntar:
— e os olhos, o que os levará ao olhar?

o silêncio disse o que sabia:
— o encanto do ser

e deus fez.

ainda questionou, deus:
— que sentido dar às perguntas inúteis?

o silêncio soltou:
— semear inutilidades é a maior de todas as ações

e deus concordou.

então confessou, deus:
— não sei porque teimo em questionar-me...

o silêncio sorriu
— é o teu modo de estares comigo

iii
desde o início
a torre da igreja,  senhora de tudo,
ensina a lenda das coisas pequenas;
badala-a ao tempo
derrama-a nas horas,
recria-se a história contida no momento.

iv
no fim
permanece o silêncio
o recomeço, a criação...
o início.

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