quinta-feira, 26 de março de 2015

sobre estreituras: a do poema

sou tentado a escrever, a minha forma de dizer – um dizer trabalhado
em busca do espontâneo (meu paradoxo) –, que
a escrita de um poema é um processo de acanhamento,
uma contração que o transforma numa estreitura.

o poema mais belo é uma ideia, singelo;
nele rejubilam as palavras, fossem crianças num recreio.
pela escrita, primeiro organizam-se as percepções e
dispõem-se as crianças em tamanho e sexo,
idade ou brincadeiras preferidas e obter-se-á consistência na descrição;
se se conjugarem os tons das vozes e o movimento das crianças
ganhar-se-á a sonância e o ritmo, a melodia;
mas a magia do recreio, a folia da espontaneidade de estar,
chega diminuída
e só quem brincou num recreio estenderá a descrição.
e só quem viveu aquela ideia entenderá o poema,
pois a palavra trabalhada submete o espontâneo e modela a criação,
circunscreve os significados do significante e
compromete a paleta das acepções
que afluíram ao poeta, provindo desta última a essência da poesia.

a escrita de um poema é um exercício de aproximação
de realidades, que a realidade são encontros e reencontros
de realidades que poderíamos chamar ideias,
e a escrita é um instrumento canhestro para as expressar,
contudo, necessário, pela distância – tempo e espaço – entre leitor e autor.
a poética é o estilo – personalizado – de transcrição de ideias
em poema, é uma estreitura por definição, para que se entre na poesia
onde tudo é simples, fértil e amplo como o olhar.

porém, há uma beleza incalculável na estreitura,
por exemplo, a de uma rua da baixa. quanto mais se entra nela
mais profunda e elevada, mais larga a poesia.

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