sexta-feira, 8 de maio de 2015

descoberta

a manhã era de sol. o dia, bonito; é assim que o recordo e não me lembro de o ter visto. teria, eu, por volta de 5 anos de idade, estava no quarto de meus pais, na cama aninhado no que restava do aconchego, e minha mãe vestia-se, mirando-se no espelho do psiché. envergava um vestido verde entre o azeitona e o relva - estou a vê-lo - de cabelo preso em puxo e vestia um olhar lindo e estranho que eu não compreendia. alisava o vestido no corpo de forma particular na zona das ancas e da barriga. perguntei um "-- o que foi mãe?" e obtive um "-- nada" com sorriso combinados, em resposta; ficou-me o enigma com a minha memória: tem no centro um olhar e uma expressão de rosto, de corpo, e um ar que guardei sem entender. creio que por isso mesmo a guardei.

entretanto os anos correram às dezenas, duas e meia pelo menos. era tarde, após o almoço de um sábado, no caminho para o bica com a minha família e cumprirmos o ritual de encontro com os amigos no café, a descida do elevador no meu prédio foi interrompida pela entrada de uma vizinha no 6.º andar (podia ser o 7.º) que chegou trajando o mesmo olhar que eu ainda guardava sem conhecer. senti-o e olhei-a com a mesma meninice da primeira vez; ela não deu conta e eu não perguntei nada, mas decifrara-o, apanhei-lhe o significado, o dela e o da minha mãe, e repousei um silencioso "-- estás grávida", ainda antes de todos abandonarmos a porta elevador à sorte da mola que a encerrou na cadência que todos sabíamos.

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