sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

história de alguém que queria ser chuva

I
parti com a chuva
queria molhar, também
sentir o que é molhar alguém
decidido, saí.
espremi-me, estiquei-me:
adelgacei-me.
tornei-me transparente
julguei-me pronto
e poderia molhar, até encharcar.

II
fitei-me ao solo, fiz pontaria
quando caía numa moça bonita
apontei à testa, que estava descoberta.
não estava quieta, eu em movimento
corrigi a trajetória, desviei 2 gotas
que eram só de água
pedi-lhes desculpa e não fiquei com mágoa.
empurrei, desviei-me
desviei-me, empurrei
tudo aferido, tudo preparado,
não poderia falhar. a testa era minha.
maldito guarda chuva: abriu sem avisar.

III
choquei-lhe com força
a minha e a da emoção.
ricochete no pano; outro voo sem direção,
parei no pêlo de um cão
incomodado, mal agradecido
sacudiu-se forte, tão forte
que logo me soltei e vi-me no ar
aterrei no chão, pisaram-me, os pés
trataram-me como chuva
a das outras gotas: arraia miúda.

IV
empurrado, caí num bueiro
onde vou chocalhando
e não posso com o cheiro
que também é meu, está-me no corpo
eis o meu azar:
tudo o que faço dá sempre p'ro torto.

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