quarta-feira, 9 de abril de 2014

sobre relógios

os ritmos fascinam-me
sempre me fascinaram
e a falta deles abana-me deliciadamente
normalmente gosto de surpresas
e do que delas resta
ainda que sejam só pensamentos
que arrumo ritmados
trauteando em assobio
uma música silenciosa

minha avó tinha um relógio de pêndulo
bem no meio da sala, enchia-a
enchia-a de tic-tac volumosos
imponentes e calmos
nunca contei os movimentos do pêndulo
mas conhecia-lhe os sons do movimento
sabia por onde andava
e eu quase ia com ele
dentro da caixa de madeira onde vivia
e pernoitava
na casa da minha avó ele era o maestro
de noite e de dia

na cozinha da minha mãe
filha da minha avó
havia um despertador de corda
marcava as horas num frenético tic-tac
à noite acompanhava-nos
levavamo-lo para o quarto e adormecíamos
embalados naquele ritmo frenético
verborreia
lembro-me que corria
e eu pronunciava-lhe os movimentos dos ponteiros
para os sincronizar com o som.
na cozinha da minha mãe
ele também era maestro mas não era rei
faltava-lhe a serenidade
levei-o comigo quando saí de casa para a faculdade
e calei-o à míngua de corda
cansava-me

e encontrei os silêncios
aquele momento entre um tac e um tic
tão saboroso
como o meu fascínio por ampulhetas.

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