o som era de violino
encorpado em gente pobre
pelo abandono
as cordas vibravam, via-se
em garganta de anjo
ressoavam em peito de deus
e soavam pelos túneis
entranhando-se
naquele bocadinho de vida
dos transeuntes de olhos fixos
no nada ouviam
conforto de ser
daquele lugar de todas as horas
intemporais, passavam
dançados, confessados, apressados
deixando um nada de si
(a minúscula moeda)
suficiente para manter a voz
um violinista, ali, adrajo
a comunhão de almas que se tocam
a economia de arte
dá-se do fundo mais profundo
a troco de trocos
creio que o conforto de alma não tem preço
creio que ninguém pode pagar por ele
creio que todos os trocos são blasfémia
terça-feira, 31 de dezembro de 2013
fantasiando
conheci-te
conheço-te, reconheço-te
decalcas movimentos
à contraluz conversas
que guardei minhas
revês, aqui e ali,
o modo de estar
nas memórias
nas recordações
engendradas pelo tempo
já não sei se vivo
se revivo,
se recordo ou se invoco
que seria do presente
sem as recordações passadas
sem as memórias futuras?
conheço-te, reconheço-te
decalcas movimentos
à contraluz conversas
que guardei minhas
revês, aqui e ali,
o modo de estar
nas memórias
nas recordações
engendradas pelo tempo
já não sei se vivo
se revivo,
se recordo ou se invoco
que seria do presente
sem as recordações passadas
sem as memórias futuras?
quinta-feira, 26 de dezembro de 2013
saudade
minha saudade
é de trepar aos mastros
não que a saudade tenha mastros
nem mar ela tem
tem recordações caravela de antigas
e nela se navega, fosse mar
é de trepar aos mastros
não que a saudade tenha mastros
nem mar ela tem
tem recordações caravela de antigas
e nela se navega, fosse mar
pôr-de-sol
foi blasfémia
chamaram-te passageiro
quem não te vê todos os dias
não lêem no poema
a poesia além da rima
e no papel vazio
não encontram poesia
chamaram-te passageiro
quem não te vê todos os dias
não lêem no poema
a poesia além da rima
e no papel vazio
não encontram poesia
sábado, 21 de dezembro de 2013
oblíquo
oblíqua, a escrita
inclinado, o poema
erguido por um homem
perpendicular ao sol
que vive no meio (do) dia
e que se derrama
letra a letra
em vaga inclinação
a obliquidade
inclinado, o poema
erguido por um homem
perpendicular ao sol
que vive no meio (do) dia
e que se derrama
letra a letra
em vaga inclinação
a obliquidade
quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
centro comercial em 10 itens
- um centro comercial é uma catedral de compras, há sempre um altar onde comprar;
- um centro comercial é um sítio onde se passeia, divaga e vagueia, se convive e namora, onde se compra e onde se transeundam os amigos do consumo;
- um centro comercial é um microclima onde as estações do ano chegam e partem mais cedo;
- um centro comercial é um culto caro feito de pechinchas;
- um centro comercial é um lá fora insípido e acético, sem chuva, sem sol, sem vento, sem frio e sem calor;
- um centro comercial é um lá fora com um estacionamento dentro de portas e wc limpos;
- num centro comercial o esforço de subir é igual ao de descer pela boleia da passadeira rolante;
- no centro comercial há 2 prateleiras, desajeitadas e reduzidas, dedicadas à poesia;
- num centro comercial rareia a poesia; usam-na para decorar clichés;
- um centro comercial é a caverna onde se revela a alegoria.
ao cantar do galo
o peito…
o meu caiu algures ao acordar
entre o céu e o mar
numa terra d'além
onde o vento marulha
e inquieta é a dor
minh'alma...
desalmou com o peito
inquieta
pecadora
baloiçando
sob um raio de sol
meu olhar...
persegue-os
cantadeiro
da dor
(sem sentido)
ao calor soalheiro
o meu caiu algures ao acordar
entre o céu e o mar
numa terra d'além
onde o vento marulha
e inquieta é a dor
minh'alma...
desalmou com o peito
inquieta
pecadora
baloiçando
sob um raio de sol
meu olhar...
persegue-os
cantadeiro
da dor
(sem sentido)
ao calor soalheiro
meu sonho
uma dia
escolherei uma mão
talvez a direita
com que agarrarei o coração
com ele escreverei
um poema
de passagem
sem início
sem fim
escolherei uma mão
talvez a direita
com que agarrarei o coração
com ele escreverei
um poema
de passagem
sem início
sem fim
supresa
um dia a vida assoma-nos farta
prazerosa
linda, de despontar
bela, de frescura e outros aromas
gostosa de viver
e dizemo-nos a sonhar
(pois)
acordemos, que os sonhos
só duram se forem vividos
prazerosa
linda, de despontar
bela, de frescura e outros aromas
gostosa de viver
e dizemo-nos a sonhar
(pois)
acordemos, que os sonhos
só duram se forem vividos
quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
perspicuidade
quando meus olhos perderam as lágrimas
percebi que nunca as tiveram
eram ondas das marés
notava-se pelo movimento
de mar
e o horizonte ondeava
uma linha indefinida
percebi que nunca as tiveram
eram ondas das marés
notava-se pelo movimento
de mar
e o horizonte ondeava
uma linha indefinida
bom dia
que te sorria, o dia
cheio
como o peito
escapando pelo olhar
de tão cheio
ateado em poesia
bom dia
cheio
como o peito
escapando pelo olhar
de tão cheio
ateado em poesia
bom dia
terça-feira, 17 de dezembro de 2013
desencontro
sem palavras
seco
sem o cristalino
sabor da chuva
em gotas
sem pingo luz
seco
sem corrente
de letras, nem escorrentes
mirrado d'alma
sem poema
desencontrado da poesia
seco
sem o cristalino
sabor da chuva
em gotas
sem pingo luz
seco
sem corrente
de letras, nem escorrentes
mirrado d'alma
sem poema
desencontrado da poesia
domingo, 15 de dezembro de 2013
degraus
há os subidos
os descidos
ainda os tropeçados
e os escorregados
também os outros
onde passamos sentados
os descidos
ainda os tropeçados
e os escorregados
também os outros
onde passamos sentados
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
história suspensa
viviam uma história de campanário
um badalava as horas
a que outro respondia, contando cada batida
intercalados na vida
o que um fazia dia sim, dia não
o outro repetia dia não, dia sim
conversavam e ainda convivem
certos no tempo, que é o deles
uma história suspensa
sem curso e sem fim
um badalava as horas
a que outro respondia, contando cada batida
intercalados na vida
o que um fazia dia sim, dia não
o outro repetia dia não, dia sim
conversavam e ainda convivem
certos no tempo, que é o deles
uma história suspensa
sem curso e sem fim
quinta-feira, 12 de dezembro de 2013
morrer de amor
morrerei quando quiseres
não precisas pedir
nem dizer
é só quereres
fecharei meus olhos
guardarei teu rosto
suspirarei fundo
e morrerei por ti
como sempre morri
de amores
não precisas pedir
nem dizer
é só quereres
fecharei meus olhos
guardarei teu rosto
suspirarei fundo
e morrerei por ti
como sempre morri
de amores
clausura
se acreditas que o teu fogo
se gasta acendendo o cigarro
então é verdade
se acreditas que o frio
é o que sentes em janeiro
então é verdade
tão pouco que sabes de ti
tão pouco te deste a saber
e nunca morreste.
como poderias sentir o fogo do renascer
se desconheces o gelo do transe?
deve ser verdade
se gasta acendendo o cigarro
então é verdade
se acreditas que o frio
é o que sentes em janeiro
então é verdade
tão pouco que sabes de ti
tão pouco te deste a saber
e nunca morreste.
como poderias sentir o fogo do renascer
se desconheces o gelo do transe?
deve ser verdade
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
desassossego
tu olhas-me
eu perco-me
beijo-te íntimo
o mais que posso
toco-te porque me controlo
meu desejo é apalpar-te
agarrar-te fundo
como te sinto
minha
eu perco-me
beijo-te íntimo
o mais que posso
toco-te porque me controlo
meu desejo é apalpar-te
agarrar-te fundo
como te sinto
minha
saudade
em mim
banco de jardim, desbotado
enrolado leve do vento
repousa a folhagem
partirá depois das pétalas
que eram delicadamente brancas
e murcharam
(e)
dissipam-se as formas do tempo
nas pregas deste entendimento
tão garatujo de ser
banco de jardim, desbotado
enrolado leve do vento
repousa a folhagem
partirá depois das pétalas
que eram delicadamente brancas
e murcharam
(e)
dissipam-se as formas do tempo
nas pregas deste entendimento
tão garatujo de ser
nostálgico
lembro-me do tempo de inverno
as poças d'água gelavam
partíamos o gelo
e gostávamos, lembro-me
lembro-me que os dias nasciam
com o sol nascente
a terminavam num aconchego na cama
lembro-me
lembro-me do pôr-do-sol
ser um momento mágico do dia
aguardava-o, via-o sempre
tão longínquo, lembro-me
lembro-me da minha avó
e dos doces olhos, quase cegos
mimava-me de longe
receava que eu não gostasse, lembro-me...
lembro-me dos meus amigos miúdos
amizades grandes, mais que irmandades
lembro-me
lembro-me que ontem detestei meu dia
que o senti perdido de tempo
como desejei esquecer-me, lembro-me
lembro-me do peso da nostalgia
e do cheiro que tem, sinto-o
as poças d'água gelavam
partíamos o gelo
e gostávamos, lembro-me
lembro-me que os dias nasciam
com o sol nascente
a terminavam num aconchego na cama
lembro-me
lembro-me do pôr-do-sol
ser um momento mágico do dia
aguardava-o, via-o sempre
tão longínquo, lembro-me
lembro-me da minha avó
e dos doces olhos, quase cegos
mimava-me de longe
receava que eu não gostasse, lembro-me...
lembro-me dos meus amigos miúdos
amizades grandes, mais que irmandades
lembro-me
lembro-me que ontem detestei meu dia
que o senti perdido de tempo
como desejei esquecer-me, lembro-me
lembro-me do peso da nostalgia
e do cheiro que tem, sinto-o
domingo, 8 de dezembro de 2013
sábado, 7 de dezembro de 2013
luto
a cobardia
é um bicho medonho
primeiro alimenta-se dos medos
depois dos homens
das multidões
e quando chega aos povos
morrem os ideais
padecem os países
no meu país
mandam ignorantes medrosos
semeiam fantasmas no povo
germinam cobardias
matam os ideais
que nos fizeram país
são medonhos
antes fossem bichos
é um bicho medonho
primeiro alimenta-se dos medos
depois dos homens
das multidões
e quando chega aos povos
morrem os ideais
padecem os países
no meu país
mandam ignorantes medrosos
semeiam fantasmas no povo
germinam cobardias
matam os ideais
que nos fizeram país
são medonhos
antes fossem bichos
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
neste jardim
neste jardim
as velas se enfunam
só para acompanharem os pássaros
que voam pelo destino
que um dia escolheram
ainda habitavam o pequeno ovo
e já sonhavam, no calor do choco
com jardim do ninho
e o dia em que estenderiam asas
tremendo de coragem
saltariam. e vogando
seriam nau e descobrimento
deste jardim
as velas se enfunam
só para acompanharem os pássaros
que voam pelo destino
que um dia escolheram
ainda habitavam o pequeno ovo
e já sonhavam, no calor do choco
com jardim do ninho
e o dia em que estenderiam asas
tremendo de coragem
saltariam. e vogando
seriam nau e descobrimento
deste jardim
aconteceu
tropou à porta de mim
que nem era minha
era de uma certa consciência
que eu nunca vira
que mal conhecera.
ela, que propalava ser minha
ignorou o tropar
ainda que este voltasse
mais e mais, sem sossego.
ora sucedeu
que o tropar emudeceu
e a consciência adormeceu
que nem era minha
era de uma certa consciência
que eu nunca vira
que mal conhecera.
ela, que propalava ser minha
ignorou o tropar
ainda que este voltasse
mais e mais, sem sossego.
ora sucedeu
que o tropar emudeceu
e a consciência adormeceu
beata
teu colo é de um rosário
que acaricias nas mãos
conta a conta
onde intercalas ladainhas
suspiros e desejos
de tudo e do céu
carinhoso rumorejo
meiguice ao alto no olhar
cruzas teu peito
de um bailado de mãos
coroado dum ósculo
te consagras e proferes
"uma boa horinha"
que acaricias nas mãos
conta a conta
onde intercalas ladainhas
suspiros e desejos
de tudo e do céu
carinhoso rumorejo
meiguice ao alto no olhar
cruzas teu peito
de um bailado de mãos
coroado dum ósculo
te consagras e proferes
"uma boa horinha"
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
loucura
a loucura tem um dia
como a morte
enlouca-se, morre-se
e nada se mantém
ou de nada valeu
enlouquecer eu morrer
no dia da minha loucura
enlouquece-me
como se tivesse frio
muito frio
e precisasse do teu corpo
para me enlouquecer
no dia da minha loucura
discorda de mim
concorda comigo
mas não me fites indiferente
nem me cites pelo que lês
no dia da minha loucura
sopra-me um beijo
se puderes
toca-me por um beijo
que a minha loucura
se fará pura
como qualquer forma de vida
como a morte
enlouca-se, morre-se
e nada se mantém
ou de nada valeu
enlouquecer eu morrer
no dia da minha loucura
enlouquece-me
como se tivesse frio
muito frio
e precisasse do teu corpo
para me enlouquecer
no dia da minha loucura
discorda de mim
concorda comigo
mas não me fites indiferente
nem me cites pelo que lês
no dia da minha loucura
sopra-me um beijo
se puderes
toca-me por um beijo
que a minha loucura
se fará pura
como qualquer forma de vida
quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
beijos teus
teu beijos, acatei-os
uma a um
confissões de sentidos
onde as palavras mordiscam os sentimentos
onde a emoção consome a voz
eram húmidos
colavam-se na pele
onde fitavas o olhar
revelaram-se
e desvendaram-te
uma a um
confissões de sentidos
onde as palavras mordiscam os sentimentos
onde a emoção consome a voz
eram húmidos
colavam-se na pele
onde fitavas o olhar
revelaram-se
e desvendaram-te
mar prateado
deste mar tirei um lago
longo, escuro, largo
nele cresci uma ilha
que não plantei
de tão sombria
o sol nem tinha luz
que a alumiasse
estive
até o sorriso me nascer
como sol da manhã
das memórias
que um dia guardei de ti
o mar
sempre navegante
evaporou o lago
onde a ilha já se havia afundado
e escolheu-se prata
para oferecer o brilho matinal
longo, escuro, largo
nele cresci uma ilha
que não plantei
de tão sombria
o sol nem tinha luz
que a alumiasse
estive
até o sorriso me nascer
como sol da manhã
das memórias
que um dia guardei de ti
o mar
sempre navegante
evaporou o lago
onde a ilha já se havia afundado
e escolheu-se prata
para oferecer o brilho matinal
sábado, 30 de novembro de 2013
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
dedicatória
sou os dedos
toda a redondeza de corpo
que encorpa a tua beleza
feminina de ser
animal de desejar
flor de cheirar
que num beijo te
entrego
eu, que pelo beijo me entrego
e me dou pelas mãos
por onde saio
genuinamente
genuinamente
teu
ser
vens de mim
como um pequeno adeus
tímido de feitio
desejoso de partir
sereno na chegada
indagador na estada
em silêncios
sempre em silêncios
onde vives
e vens de mim
como um pequeno adeus
tímido de feitio
desejoso de partir
sereno na chegada
indagador na estada
em silêncios
sempre em silêncios
onde vives
e vens de mim
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
ácido
seria ácido, corrosivo
sem condicional
se te declarasse meu amor
serias corroída, de dentro para fora
acontece às pessoas
momentos antes de deixarem de o ser!
sem condicional
se te declarasse meu amor
serias corroída, de dentro para fora
acontece às pessoas
momentos antes de deixarem de o ser!
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
retrato sapato
é assim:
uma vez um retrato feito de um sapato
e para quem o plantou, retratava
quem lá não estava.
mistério indagava:
- como se pode retratar alguém sem lá estar?
poderá haver fotografia de uma imagem vazia?
assim explicava: assim daqui; assim dali;
assim não queria ser confundido com o dono do sapato
que trabalha em assunto sério
sem tema para poema, sem lugar para a poesia;
e, ainda, amava o mistério.
heresia! assim descobriu
o trabalho que fazia, melhorou com a poesia;
a poesia que escreveu, tinha tema muito sério;
a gente intrigada, devagarinho descobriu
o dono do sapato, usado e retratado;
e de boca pequena o assunto era falado;
o tabu estava instalado.
no 1º aniversário, depois de três ai jesus
assim fez trus, escolheu uma fotografia
tão próxima e detalhada que não escapava nada:
ruga, ponto negro ou papada.
agora sabem porque é assim?
é que se não fosse assim
como escreveria este poema?
uma vez um retrato feito de um sapato
e para quem o plantou, retratava
quem lá não estava.
mistério indagava:
- como se pode retratar alguém sem lá estar?
poderá haver fotografia de uma imagem vazia?
assim explicava: assim daqui; assim dali;
assim não queria ser confundido com o dono do sapato
que trabalha em assunto sério
sem tema para poema, sem lugar para a poesia;
e, ainda, amava o mistério.
heresia! assim descobriu
o trabalho que fazia, melhorou com a poesia;
a poesia que escreveu, tinha tema muito sério;
a gente intrigada, devagarinho descobriu
o dono do sapato, usado e retratado;
e de boca pequena o assunto era falado;
o tabu estava instalado.
no 1º aniversário, depois de três ai jesus
assim fez trus, escolheu uma fotografia
tão próxima e detalhada que não escapava nada:
ruga, ponto negro ou papada.
agora sabem porque é assim?
é que se não fosse assim
como escreveria este poema?
exaustamente feliz
esgotaste-te
ainda estás estafado
como após um orgasmo
sente-se na tua face
nos teu olhos
como acariciam cada leitura
(interminavelmente)
do que escreveste
feliz, exaurido
amaste fodidamente
ainda estás estafado
como após um orgasmo
sente-se na tua face
nos teu olhos
como acariciam cada leitura
(interminavelmente)
do que escreveste
feliz, exaurido
amaste fodidamente
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
postal de s. valentim
desprende-te desses olhos pardos de tristeza
e deixa que se alegrem em alguém.
tropeça sem medo
nessa vida alinhada, engelha-a e amassa-a
machuca-te e aceita a cura de um beijo.
despe-te desse bafio ricamente adornado
limpa a maquilhagem que te greta as mãos
e a face
te seca o peito que já se parte de ressequido
exibindo-te o empedernido a que chamas coração;
como vês, não se compara com a imagem desse postal
que torturas na mão. a quem o vais dar?
não o escrevas: rabisca-o, rasura-o, porquê?
porque sim, porque é assim o amor;
ficas nervosa quando dizes que amas, e depois?
é porque amas e pronto, rasura-o
para que vejam, que saibam que tens ansiedade de amar.
e não te preocupes com a resposta,
talvez não seja a que gostarias, e então?
se o que queres é amar, ama! ama! e ama!
sem palavras românticas,
que o romantismo nunca esteve nas palavras
mora no peito e despeja-se pelo olhar e pela entoação.
sim, a entoação que se dá às palavras
sejam elas quais forem, mesmo que te pareçam impropérios;
já ouviste um palavrão que te acendesse o desejo de ser para ti?
ainda bem! pois não és um caso perdido.
e olha, esborrata-me bem esse postal com o teu batom
não precisas de uns lábios perfeitamente desenhados
mas de uns lábios bem amachucados nesse pedaço de coração de papel
já sentiste um beijo perfeito? saciante? carnudo?
doce e terno? desejado de tanto desejo?
pois bem, digo-te, tem lábios colados
gulosos, que nada têm a ver com esse fino recortado.
e o teu corpo? meneia-me esse corpo, dá-lhe balanço
realça-lhe as formas
ou de nada vale a dieta que estudaste e cumpres religiosamente
aceticamente,
sem uma pinta de desejo de pecar, de comer o proibido.
estala o verniz dessas unhas até à loucura
como aquela que imaginas sentir um dia, e ensaias
quando pronuncias para ti um "meu amor" forte e arrebatador
que entregarás ao teu amante que colocaste bem alto num pedestal.
pois bem, atira-te de cabeça, aplaca-o e rebola-te nele
despe-te rasgadamente e sorve-lhe o perfume
e mistura-o com o teu e devolve-lho pela pele
a tua pele na dele. vai-te a ele!
exibe-lhe os teus seios, mostra-lhos
como são bem nutridos
com os melhores cremes e carícias
que disfarças em massagens corporais
corporais uma treta!
são corporais porque também é corporal o prazer
e o desejo, aquele que faz as tuas mãos perecerem de outrem
e desejar-lhe os lábios, mais!
a boca bem aberta, bem cheia do teu seio
ah!! prazer! supremo! vai-te a ele
dá-lhe teu ventre, dá-lhe as costas
dá-lhe tudo o que sempre quiseste dar-lhe
vai-te a ele!
dá-lhe esse maldito postal torturado de mãos em agonia
imperfeito de tudo como o amor
que perfeito e mais que perfeito só o pretérito.
por isso corre, corre à chuva e salta na lama
constipa-te, se for preciso, engripa-te
enlameia-te tanto que os sapatos fiquem estragados
e põe-te na frente dele, barra-lhe o caminho
dá-lhe tudo o que tens e se recusar não interessa
tu ama-lo e és bela, que importa o que aconteça?
e deixa que se alegrem em alguém.
tropeça sem medo
nessa vida alinhada, engelha-a e amassa-a
machuca-te e aceita a cura de um beijo.
despe-te desse bafio ricamente adornado
limpa a maquilhagem que te greta as mãos
e a face
te seca o peito que já se parte de ressequido
exibindo-te o empedernido a que chamas coração;
como vês, não se compara com a imagem desse postal
que torturas na mão. a quem o vais dar?
não o escrevas: rabisca-o, rasura-o, porquê?
porque sim, porque é assim o amor;
ficas nervosa quando dizes que amas, e depois?
é porque amas e pronto, rasura-o
para que vejam, que saibam que tens ansiedade de amar.
e não te preocupes com a resposta,
talvez não seja a que gostarias, e então?
se o que queres é amar, ama! ama! e ama!
sem palavras românticas,
que o romantismo nunca esteve nas palavras
mora no peito e despeja-se pelo olhar e pela entoação.
sim, a entoação que se dá às palavras
sejam elas quais forem, mesmo que te pareçam impropérios;
já ouviste um palavrão que te acendesse o desejo de ser para ti?
ainda bem! pois não és um caso perdido.
e olha, esborrata-me bem esse postal com o teu batom
não precisas de uns lábios perfeitamente desenhados
mas de uns lábios bem amachucados nesse pedaço de coração de papel
já sentiste um beijo perfeito? saciante? carnudo?
doce e terno? desejado de tanto desejo?
pois bem, digo-te, tem lábios colados
gulosos, que nada têm a ver com esse fino recortado.
e o teu corpo? meneia-me esse corpo, dá-lhe balanço
realça-lhe as formas
ou de nada vale a dieta que estudaste e cumpres religiosamente
aceticamente,
sem uma pinta de desejo de pecar, de comer o proibido.
estala o verniz dessas unhas até à loucura
como aquela que imaginas sentir um dia, e ensaias
quando pronuncias para ti um "meu amor" forte e arrebatador
que entregarás ao teu amante que colocaste bem alto num pedestal.
pois bem, atira-te de cabeça, aplaca-o e rebola-te nele
despe-te rasgadamente e sorve-lhe o perfume
e mistura-o com o teu e devolve-lho pela pele
a tua pele na dele. vai-te a ele!
exibe-lhe os teus seios, mostra-lhos
como são bem nutridos
com os melhores cremes e carícias
que disfarças em massagens corporais
corporais uma treta!
são corporais porque também é corporal o prazer
e o desejo, aquele que faz as tuas mãos perecerem de outrem
e desejar-lhe os lábios, mais!
a boca bem aberta, bem cheia do teu seio
ah!! prazer! supremo! vai-te a ele
dá-lhe teu ventre, dá-lhe as costas
dá-lhe tudo o que sempre quiseste dar-lhe
vai-te a ele!
dá-lhe esse maldito postal torturado de mãos em agonia
imperfeito de tudo como o amor
que perfeito e mais que perfeito só o pretérito.
por isso corre, corre à chuva e salta na lama
constipa-te, se for preciso, engripa-te
enlameia-te tanto que os sapatos fiquem estragados
e põe-te na frente dele, barra-lhe o caminho
dá-lhe tudo o que tens e se recusar não interessa
tu ama-lo e és bela, que importa o que aconteça?
estado de outono
o outono não chega
entende-se
depois bebe-se
aquele tom castanho avermelhado
de árvore e pôr-do-sol
morno prazeroso
acompanha-nos gentil
modesto, pelo acolhimento
e também não parte
entende-se
depois bebe-se
aquele tom castanho avermelhado
de árvore e pôr-do-sol
morno prazeroso
acompanha-nos gentil
modesto, pelo acolhimento
e também não parte
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
trajetos e estados
de cada vez que me sento à mesa
vejo um lugar onde posso escrever;
procuro um ponto, olho pela minha janela;
um ponto na minha janela para onde viajo
umas vezes só, outras levo comigo o desejo de fantasiar.
porto-me, então, como uma criança entusiasmada com a brincadeira
da qual tanto gosta, que precisa de a contar à avó:
da qual tanto gosta, que precisa de a contar à avó:
e intermitentemente brinca e vem explicar o quanto se divertiu.
são assim as minhas idas e voltas
entre o ponto da minha janela e a folha de papel em que escrevo;
e palpitam-me os olhos e faísca meu peito.
o entusiasmo descreve-se a si mesmo pela impossibilidade de parar.
nestas alturas não respiro: inspiro e expiro
porque a fantasia e a escrita são destes estados.
terça-feira, 19 de novembro de 2013
o pôr-do-sol
no sítio do horizonte
a montanha copiou-te a silhueta
arredondada, de corpo e de montes
de curva ondulada,
também um v bem vincado
onde o sol se quis acoitar; e lá se pôs
um pouco antes do céu estrelar
e da lua se encher para luar
a montanha copiou-te a silhueta
arredondada, de corpo e de montes
de curva ondulada,
também um v bem vincado
onde o sol se quis acoitar; e lá se pôs
um pouco antes do céu estrelar
e da lua se encher para luar
galo de barcelos
esgravatei o chão
e não estavas lá
de madrugada cantei afinado
e não me atendeste
defendi o território corajosamente
que deixaste vago
alindei minhas penas, colori-as
e sorriste de mim
procurei-me num novo look
e deixei este lugar
agora, que sou do mundo, amas-me
e chamas-me teu
e não estavas lá
de madrugada cantei afinado
e não me atendeste
defendi o território corajosamente
que deixaste vago
alindei minhas penas, colori-as
e sorriste de mim
procurei-me num novo look
e deixei este lugar
agora, que sou do mundo, amas-me
e chamas-me teu
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
nós
se pelos olhares nos abraçássemos
como fios, que se dão em nós
cegos
ou outros, mais artísticos
como os de marinheiro, que ama
e teme o mar,
seríamos a bolina e a amura
seríamos o navegar.
como fios, que se dão em nós
cegos
ou outros, mais artísticos
como os de marinheiro, que ama
e teme o mar,
seríamos a bolina e a amura
seríamos o navegar.
fuga
creio que terás por aí
uma morte para mim
dá-la-ei aos meus pensamentos
aqueles que me torturam
é eu que não suporto não pensar...
essa morte matar-me-á
antes que eu descubra que estou morto
assim acontece a quem foge da dor
e morre-se pelo pensamento
por ele se define a vida
uma morte para mim
dá-la-ei aos meus pensamentos
aqueles que me torturam
é eu que não suporto não pensar...
essa morte matar-me-á
antes que eu descubra que estou morto
assim acontece a quem foge da dor
e morre-se pelo pensamento
por ele se define a vida
sábado, 16 de novembro de 2013
entrei no dia
um pássaro cantou um raio de sol
o sol fez um voo de pássaro nas nuvens
as nuvens exibiam-se volumosas de luz
majestades sem tempo. soprei,
quis influenciar o momento
e o tempo que era de calma
deixou-se afetar, como sempre, devagar
o sol fez um voo de pássaro nas nuvens
as nuvens exibiam-se volumosas de luz
majestades sem tempo. soprei,
quis influenciar o momento
e o tempo que era de calma
deixou-se afetar, como sempre, devagar
sexta-feira, 15 de novembro de 2013
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
biografia iii
nasci em 1961 e tremo de vara verde ante do peso quando me chamam poeta, pelo temor de manchar a primeira forma de literatura que amei.
sempre escrevi, escrevinhando, enquanto estudava psicologia e me tornei profissional. escrevia e acelerava o meu crescer, o meu ver. tive filhos que entraram na escola e me ensinaram a ingenuidade do escrever escrevendo simples. fascinava-me ouvir aquelas composições tão luminosas de gente.
hoje escrevo emoções pela alma que deixo desfiar em linhas que se enovelam em palavras e estas se alinham em escritos de fantasias que conheci na infância e nunca mais larguei. sacio-me ao escrever, necessito-me a desenhar, a rabiscar a rasurar algos com força de mote e métrica de peito.
embora o meu temor de macular a poesia conviva comigo diariamente, um impulso secreto e uma mulher maravilhosa impelem-me a que me desvende, o que tenho feito. já participei numa antologia de poetas portugueses e agora tenho a honra de colaborar numa antologia de poetas nascidos no Brasil e em Portugal, o que me faz muito feliz. sempre me deliciou a sonância que sinto poética do português falado no Brasil
sempre escrevi, escrevinhando, enquanto estudava psicologia e me tornei profissional. escrevia e acelerava o meu crescer, o meu ver. tive filhos que entraram na escola e me ensinaram a ingenuidade do escrever escrevendo simples. fascinava-me ouvir aquelas composições tão luminosas de gente.
hoje escrevo emoções pela alma que deixo desfiar em linhas que se enovelam em palavras e estas se alinham em escritos de fantasias que conheci na infância e nunca mais larguei. sacio-me ao escrever, necessito-me a desenhar, a rabiscar a rasurar algos com força de mote e métrica de peito.
embora o meu temor de macular a poesia conviva comigo diariamente, um impulso secreto e uma mulher maravilhosa impelem-me a que me desvende, o que tenho feito. já participei numa antologia de poetas portugueses e agora tenho a honra de colaborar numa antologia de poetas nascidos no Brasil e em Portugal, o que me faz muito feliz. sempre me deliciou a sonância que sinto poética do português falado no Brasil
maria
maria era livre quando sentia girassol
maria rodava, rodava, maria feliz
perseguindo o infinito, luzente e quente
maria seduzia quando sentia malmequer
maria dançava e em cada pétala maria semeava
ora incerteza de um não, ora a candura da mulher
maria apaixonava quando sentia poesia
maria soltava o corpo, maria encorpava a alma
maria entrava no sonho e ao meu colo, maria adormecia
maria rodava, rodava, maria feliz
perseguindo o infinito, luzente e quente
maria seduzia quando sentia malmequer
maria dançava e em cada pétala maria semeava
ora incerteza de um não, ora a candura da mulher
maria apaixonava quando sentia poesia
maria soltava o corpo, maria encorpava a alma
maria entrava no sonho e ao meu colo, maria adormecia
estranho amor
contradição é viver num gume quando escrevo
e tirar a linha ao horizonte para que não haja limites
contradição é confiar no meu avesso
para sentir a profundidade e a serena doçura do olhar
contradição é saber que escrevendo não envelhecerei
e sentir que quando escrevo vou crescendo
contradição é parir um poema
e sentir-me fillho da poesia
estranho amor este
ser pai e irmão da sua arte
e tirar a linha ao horizonte para que não haja limites
contradição é confiar no meu avesso
para sentir a profundidade e a serena doçura do olhar
contradição é saber que escrevendo não envelhecerei
e sentir que quando escrevo vou crescendo
contradição é parir um poema
e sentir-me fillho da poesia
estranho amor este
ser pai e irmão da sua arte
nota biográfica
escrevo entre o pânico e a necessidade: um gume. a necessidade é pessoal, transborda-me; o pânico é de mácula na poesia.
não procuro a perfeição, procuro tão somente sentir a poesia que pode viver no mais imperfeito dos seres. de outro modo, como se poderiam escrever poemas?
não procuro a perfeição, procuro tão somente sentir a poesia que pode viver no mais imperfeito dos seres. de outro modo, como se poderiam escrever poemas?
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
amarelo de van gogh
far-te-ia um poema em tela
de amarelo pincelado, forte
belo, de girassol
um ramo de girassóis
e teus olhos sendo dois
brilham, uma plantação
amarela viva
de onde tu despontarias
de amarelo pincelado, forte
belo, de girassol
um ramo de girassóis
e teus olhos sendo dois
brilham, uma plantação
amarela viva
de onde tu despontarias
terça-feira, 12 de novembro de 2013
natureza
ao ser gente
tornei-me rio
corri
fiz corrente
empurrei a margem
pulei e aspergi
acalmei
parei
espelhei
espraiando
encontrei o mar
mergulhei
com ele me misturei
tornei-me rio
corri
fiz corrente
empurrei a margem
pulei e aspergi
acalmei
parei
espelhei
espraiando
encontrei o mar
mergulhei
com ele me misturei
nada
sentei na beira do nada
por ser plano, confortável e fresco
como um degrau de escada
o que fazia ali? nada
onde me sentava? nada
em que pensava? nada
sentei-me na beira do nada
por ser plano, confortável e fresco
como um degrau de escada
o que fazia ali? nada
onde me sentava? nada
em que pensava? nada
sentei-me na beira do nada
refugiado
vi a desgraça
pintada de negro
aguardando, pacientemente
vi a solidariedade
pintada de branco
atabalhoada, palrando
entre a dádiva e a necessidade
começou o abismo
onde se perdeu a dignidade
onde se plantaram justificações
estéreis como os problemas
havia sorrisos mas não houve flores
falou-se de desgraça frente aos desgraçados
ignorando-os
na passerelle das competências
desfilaram verborreias, inconsistentes
jardins sem flores
onde é negra a graça da desgraça
porque negra nasceu
e ninguém lhe falou
nada se lhe perguntou
pintada de negro
aguardando, pacientemente
vi a solidariedade
pintada de branco
atabalhoada, palrando
entre a dádiva e a necessidade
começou o abismo
onde se perdeu a dignidade
onde se plantaram justificações
estéreis como os problemas
havia sorrisos mas não houve flores
falou-se de desgraça frente aos desgraçados
ignorando-os
na passerelle das competências
desfilaram verborreias, inconsistentes
jardins sem flores
onde é negra a graça da desgraça
porque negra nasceu
e ninguém lhe falou
nada se lhe perguntou
delírio
a ideia
que chegou de ti
tinha tudo
até a dúvida
a dúvida assaltante
encapuçada
que encapuçou a ideia
vinda de ti
que não reconheces
sendo tua
que chegou de ti
tinha tudo
até a dúvida
a dúvida assaltante
encapuçada
que encapuçou a ideia
vinda de ti
que não reconheces
sendo tua
caos
um dia…
a cabeça acaba por pousar na mesa
primeiro numa mão
depois na outra
nas duas
e aqueixa
o queixo na mesa
o olhar distante como no início
a força anímica menor
mínima
e expressão vazia
como o olhar, agora
o caos...
a cabeça tomba sobre a face
tudo na mesa
das migalhas, da chávena
de uma bebida qualquer
as lágrimas não vêm
ja avisaram
a cabeça acaba por pousar na mesa
primeiro numa mão
depois na outra
nas duas
e aqueixa
o queixo na mesa
o olhar distante como no início
a força anímica menor
mínima
e expressão vazia
como o olhar, agora
o caos...
a cabeça tomba sobre a face
tudo na mesa
das migalhas, da chávena
de uma bebida qualquer
as lágrimas não vêm
ja avisaram
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
colar de migalhas
3 migalhas num colar queriam ser belas; desejavam brilhar
só faltava um pescoço para as passear.
deveria ser fino, formoso;
alto, mas não muito vistoso e que gostasse de as namorar.
o pardalito faminto e inquieto bicou o colar, queria as migalhas
o que não deu certo. salvou-as o melro que chegou mesmo a tempo:
que bem ficariam na plumagem escura, pensaram.
mas o esperto do melro, topou-lhes o sabor
e ao abrir o bico para as engolir de uma só bicada
intrometeu-se a pega, animada pelo colar, que viu uma jóia
de um cintilante brilhar que afinal era orvalho. furiosa
atirou as migalhas para bem longe. caíram aos pés de uma menina
que as apanhou feliz. encontrou o colar da beatriz
a boneca mais linda, feita e vestida pela avó
que hoje fizera um colar de migalhas de pão
e todas iriam passear, olaró.
cuidado que as migalhas não caiam ao chão.
só faltava um pescoço para as passear.
deveria ser fino, formoso;
alto, mas não muito vistoso e que gostasse de as namorar.
o pardalito faminto e inquieto bicou o colar, queria as migalhas
o que não deu certo. salvou-as o melro que chegou mesmo a tempo:
que bem ficariam na plumagem escura, pensaram.
mas o esperto do melro, topou-lhes o sabor
e ao abrir o bico para as engolir de uma só bicada
intrometeu-se a pega, animada pelo colar, que viu uma jóia
de um cintilante brilhar que afinal era orvalho. furiosa
atirou as migalhas para bem longe. caíram aos pés de uma menina
que as apanhou feliz. encontrou o colar da beatriz
a boneca mais linda, feita e vestida pela avó
que hoje fizera um colar de migalhas de pão
e todas iriam passear, olaró.
cuidado que as migalhas não caiam ao chão.
o tombo da desilusão
tombou sobre mim a desilusão
descobri, a desilusão não chega
tomba, como um ataque
mas não ataca, tomba
pesa inerte, algures
entre o corpo e o espírito
mesmo quando não distinguimos um do outro
ou quando um e outro nos falta
ou quando gostaríamos que faltasse
este tombo...
inerte de desilusão...
descobri, a desilusão não chega
tomba, como um ataque
mas não ataca, tomba
pesa inerte, algures
entre o corpo e o espírito
mesmo quando não distinguimos um do outro
ou quando um e outro nos falta
ou quando gostaríamos que faltasse
este tombo...
inerte de desilusão...
"erres" de rio
e o rio correu-me
andei ligeiro, brincando
fugindo em pulos de pés
fingindo não os querer molhados
-- rio não molha, sorriu-me a margem
rio refresca, rio rega, rio rejuvenesce
e outros "erres"
e rimos em altas risadas
que risota
eu, a margem e o rio
andei ligeiro, brincando
fugindo em pulos de pés
fingindo não os querer molhados
-- rio não molha, sorriu-me a margem
rio refresca, rio rega, rio rejuvenesce
e outros "erres"
e rimos em altas risadas
que risota
eu, a margem e o rio
descoberta
descobrir lentamente
a noite por trás de escuro
a luar ao redor da lua
o dia seguindo o sol
a via à volta tua
o vazio da tua ausência
a noite por trás de escuro
a luar ao redor da lua
o dia seguindo o sol
a via à volta tua
o vazio da tua ausência
sábado, 9 de novembro de 2013
amor
queria tanto ver-te
que te procurei
primeiro no improvável
depois no impossível
e encontrei-te no inexgotável
que te procurei
primeiro no improvável
depois no impossível
e encontrei-te no inexgotável
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
envelheço
envelheço
e me antiguo
por ordens
me desconcerto
descompasso
de um tempo
que não tem passo
sem volta
sem 2º oportunidade
envelheço
e me antiguo
sem que entenda
sem que me entendam
espanta-se a lógica
deixam-me escárnios
em sorrisos e berros
querem que saiba
que envelheço
e me antiguo
e me antiguo
por ordens
me desconcerto
descompasso
de um tempo
que não tem passo
sem volta
sem 2º oportunidade
envelheço
e me antiguo
sem que entenda
sem que me entendam
espanta-se a lógica
deixam-me escárnios
em sorrisos e berros
querem que saiba
que envelheço
e me antiguo
peregrinar
se quiseres deixa-me
deixa-me. sei que nem sempre continuar é abandono
às vezes é só continuar por caminhos diferentes
quem se senta precisa ponderar a caminhada
quem muda de caminho segue a consciência
assim é a jornada de preregrino
deixa-me. sei que nem sempre continuar é abandono
às vezes é só continuar por caminhos diferentes
quem se senta precisa ponderar a caminhada
quem muda de caminho segue a consciência
assim é a jornada de preregrino
minhas tias
quando minha alma me parece vazia
vou à infância e lá me deixo, em colos
onde aprendi a sentir a ternura em carinho
chegado na voz soada a peito
no aroma a corpo aconchegado
no prazer íntimo de colo gerado ali mesmo.
as minhas pequenas mãos lhes tocavam os rostos
para lhes sentir os sorrisos e acabavam beijadas.
agora, quando nos encontramos ainda sou puxado
para o colo das minhas tias
entre os meus 50 anos e os 70 delas somos crianças
amando-se com toda a meninice.
ao cruzarem-se, os nossos olhares resplandecem
um infinito brilho de iluminar a alma
de quem se ama almadamente.
vou à infância e lá me deixo, em colos
onde aprendi a sentir a ternura em carinho
chegado na voz soada a peito
no aroma a corpo aconchegado
no prazer íntimo de colo gerado ali mesmo.
as minhas pequenas mãos lhes tocavam os rostos
para lhes sentir os sorrisos e acabavam beijadas.
agora, quando nos encontramos ainda sou puxado
para o colo das minhas tias
entre os meus 50 anos e os 70 delas somos crianças
amando-se com toda a meninice.
ao cruzarem-se, os nossos olhares resplandecem
um infinito brilho de iluminar a alma
de quem se ama almadamente.
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
biografia ii
nasci a 4 de novembro de 1961, no Porto, gorducho de querubim em mão de fadas , pulava entre colos e sorria, e a felicidade, de pudesse ser emoção, seria a única que sabia. com os tios conheci a traquinice e com eles fui diabinho radiante. aprendi a ser feliz sendo angelical e amando a travessura.
a minha adultez chegou precoce. quando aprendia a escrever as letras, depois as palavras e os textos, sonhava com um modo inintelegível de palavras que se decifravam por si como se não resultassem da justaposição de letras. era assim que via a escrita de adulto e enchia "lousas" e "lousas" de desenhos hieroglíficos que sonhava fossem palavras. um dia escreveria assim, afirmava secretamente para mim.
trabalhei imenso para ser um adulto bem comportado e aspergido de traquinas. licenciei-me em psicologia, fui pai de 2 filhos que me ensinaram a escrever depois de ter casado com aquela que o destino incumbiria de assolhar as rasuras que escrevi rasurando (e que apelidou de poesia.)
porque há algos que se perpetuam, ainda hoje sou impelido para desenhar linhas que deixo enovelar em sonâncias de alma, algures entre o silêncio e a euforia. assim abraço palavras com que urdo poemas; escritos, suspiros de vadias emoções sem céu nem inferno, tal como o horizonte que nunca teve linha e muito menos divisória.
neste vadiamento assumi-me assim e do advérbio de modo fiz meu nome por me soar mais almado antónio assim d'oliveira e o senti-lo mais apropriado ao meu ser desenhador.
a minha adultez chegou precoce. quando aprendia a escrever as letras, depois as palavras e os textos, sonhava com um modo inintelegível de palavras que se decifravam por si como se não resultassem da justaposição de letras. era assim que via a escrita de adulto e enchia "lousas" e "lousas" de desenhos hieroglíficos que sonhava fossem palavras. um dia escreveria assim, afirmava secretamente para mim.
trabalhei imenso para ser um adulto bem comportado e aspergido de traquinas. licenciei-me em psicologia, fui pai de 2 filhos que me ensinaram a escrever depois de ter casado com aquela que o destino incumbiria de assolhar as rasuras que escrevi rasurando (e que apelidou de poesia.)
porque há algos que se perpetuam, ainda hoje sou impelido para desenhar linhas que deixo enovelar em sonâncias de alma, algures entre o silêncio e a euforia. assim abraço palavras com que urdo poemas; escritos, suspiros de vadias emoções sem céu nem inferno, tal como o horizonte que nunca teve linha e muito menos divisória.
neste vadiamento assumi-me assim e do advérbio de modo fiz meu nome por me soar mais almado antónio assim d'oliveira e o senti-lo mais apropriado ao meu ser desenhador.
nada
passei o dia no meio de nada
rodeado de coisas
coisas de nada que se espinhavam
e os pássaros, sempre espertos, nelas se empoleiravam
depois, o dia passou sem que partisse, mudou
e quando eu passei, se é que passei, que eu nem notei
nada não me arranhou, segurou o pássaro
e eu voltei, quando não sei, para mais um dia no meio de nada
rodeado de coisas
coisas de nada que se espinhavam
e os pássaros, sempre espertos, nelas se empoleiravam
depois, o dia passou sem que partisse, mudou
e quando eu passei, se é que passei, que eu nem notei
nada não me arranhou, segurou o pássaro
e eu voltei, quando não sei, para mais um dia no meio de nada
espraiar
ouves?
este mar, onda a onda
espraiar...
na areia
tanto prazer numa dança
num enrolo
ouves
espraiar...
o ronceiro som do mar
ouves
tem sonância de corpo na cama
espreguiçar...
soada de lençol
escorregar...
ouves?
espraiar...
este mar, onda a onda
espraiar...
na areia
tanto prazer numa dança
num enrolo
ouves
espraiar...
o ronceiro som do mar
ouves
tem sonância de corpo na cama
espreguiçar...
soada de lençol
escorregar...
ouves?
espraiar...
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
idealizando
viveria onde pudesse pairar
que os toques, a existirem, fossem de alma
e por eles se sustentassem os corpos
as mentes e as ideias
as mesmas que sustentam ideais
as âncoras da humanidade
pairaria incauto, como deve ser
uma existência feliz
e por eles se sustentassem os corpos
as mentes e as ideias
as mesmas que sustentam ideais
as âncoras da humanidade
pairaria incauto, como deve ser
uma existência feliz
ondear
quero um lugar de onda
onde possa ondear
mas não quero ser onda
que essas são filhas do mar
e eu que só me sinto perdido
é lá que quero estar
enterrado até ao pescoço
mergulho a cabeça na água
para me sentir renascer
ou para me fazer renascido
sem frutos que tenha de dar
possa meu estado ser peco
bravio, sem poda, vadio
bravio, sem poda, vadio
resistente ou moribundo
como arbusto daninho
que vive para ondear
como arbusto daninho
que vive para ondear
contemplação
bem no alto do calhau que nomeei meu
contemplo
as rugosidades do tempo
que chegam nas nuvens
salgadas, carregadas de mar.
toco com a língua no meu calhau
sinto-lhe o sal e a lisura da brancura
tão pura que eu amo tanto;
como amo este meu território
de guardar no bolso junto ao corpo
onde me sinto livre
verdadeiramente liberto
para lhe conhecer a grandiosidade
contemplo
as rugosidades do tempo
que chegam nas nuvens
salgadas, carregadas de mar.
toco com a língua no meu calhau
sinto-lhe o sal e a lisura da brancura
tão pura que eu amo tanto;
como amo este meu território
de guardar no bolso junto ao corpo
onde me sinto livre
verdadeiramente liberto
para lhe conhecer a grandiosidade
terça-feira, 5 de novembro de 2013
mirada
o mundo, do tamanho e forma de uma gota de água
resplandece quando tocado pelo sol
de tão cristalino que é
tal como as gotas de orvalho
e as lágrimas,
venham elas dos lados da alegria
ou nascidas da tristeza.
o sol, eternamente quente
que existe redondo que já o vi
tem o reluzente que sempre habita em nós
e alimenta-se de sentimentos
e cintila na emoção
pequenezes que fazem sorrisos
olhares radiantes
e belas fotos
resplandece quando tocado pelo sol
de tão cristalino que é
tal como as gotas de orvalho
e as lágrimas,
venham elas dos lados da alegria
ou nascidas da tristeza.
o sol, eternamente quente
que existe redondo que já o vi
tem o reluzente que sempre habita em nós
e alimenta-se de sentimentos
e cintila na emoção
pequenezes que fazem sorrisos
olhares radiantes
e belas fotos
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
domingo, 3 de novembro de 2013
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
testamento
se puderem, se vos for possível deixem-me morrer
sossegadinho, calminho como o respirar de um conto infantil
era uma vez... e eu morri.
e começa o enredo de magia e fantasia infinitas.
peço que não escolham réis, príncipes e princesas
nem animais de colo
prefiro vadios e transviados
e se quiserem mesmo animais, convidem os acossados.
criem um conto preferencialmente sem moral
sem felicidade final
somente uma história que possa continuar com todos
e tenha um dia seguinte.
sossegadinho, calminho como o respirar de um conto infantil
era uma vez... e eu morri.
e começa o enredo de magia e fantasia infinitas.
peço que não escolham réis, príncipes e princesas
nem animais de colo
prefiro vadios e transviados
e se quiserem mesmo animais, convidem os acossados.
criem um conto preferencialmente sem moral
sem felicidade final
somente uma história que possa continuar com todos
e tenha um dia seguinte.
doçura
era noite
queria que me agarrasses
como um favo, me abanasses, apertasses
tirasses de mim toda a minha doçura
que meu mel te cobrisse
que dele te deliciasses
e tu obreira rainha
fadando a noite
fizeste de mim o favo mais doce
atulhado de mel
queria que me agarrasses
como um favo, me abanasses, apertasses
tirasses de mim toda a minha doçura
que meu mel te cobrisse
que dele te deliciasses
e tu obreira rainha
fadando a noite
fizeste de mim o favo mais doce
atulhado de mel
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
intuitivamente
havia poemas nascidos
de quem ainda não escrevia
porque não sabia;
de quem sonhava e sonhava
sem paisagem e sem história,
via-se com uma pena
que da mão lhe saía, em linhas
encadilhadas em algos
a que dava voz.
os olhos moviam-se
para o céu, para si e para dentro
como acontece com os poemas
ele sabia
sem que soubesse porquê
ali havia poesia.
de quem ainda não escrevia
porque não sabia;
de quem sonhava e sonhava
sem paisagem e sem história,
via-se com uma pena
que da mão lhe saía, em linhas
encadilhadas em algos
a que dava voz.
os olhos moviam-se
para o céu, para si e para dentro
como acontece com os poemas
ele sabia
sem que soubesse porquê
ali havia poesia.
do estado das pessoas
ela abeirou-se
precisava saber se tudo estava bem
não estava, não estava...
nada estava bem
mas agora que se viram
tudo parecia melhor
e assim ficou...
melhor
precisava saber se tudo estava bem
não estava, não estava...
nada estava bem
mas agora que se viram
tudo parecia melhor
e assim ficou...
melhor
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
cega paixão
desejo pedir-te, mesmo suplicar-te que me ames
que me ames como se não houvesse mais ninguém
a cegueira da paixão não me deixa entender
como serei mais amado quando me escolhes de entre outros
que me ames como se não houvesse mais ninguém
a cegueira da paixão não me deixa entender
como serei mais amado quando me escolhes de entre outros
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
biografia
minha biografia escreve-se de banalidades, como as letras que a
integram. nasci a 04.11.1961 e sinto que desde logo me pularam de colo para
colo: pais, tias e avós. fui deles e eles meus, por inteiro. durante 6 anos fui
a única criança daquele reino de fadas mimentas que me fizeram sentir querido,
lindo e inteligente. aprendi a ser príncipe, a ser ouvido; senti o conforto do
colo e o prazer de trocar carinhos pelas mãos, pelos sorrisos e pelas palavras,
em noites à lareira, enquanto me crescia a fantasia dos contos lindos de
impossíveis, do meu avô. ouvi-os vezes sem conta e nunca se repetiram. que
lindos, dizia então; que poesia, lembro hoje.
o tempo impeliu-me a escrever fantasias. primeiro com um ardor dorido de adolescente (sempre apaixonado) em plena revolução. passei a jovem adulto, profissional de psicologia, competentemente adulto, que por um ímpeto sempre inexplicável pecava: perdia tempo escrevendo devaneios que obnubilariam qualquer adultez, os quais sempre fui encobrindo, não sei se por cobardia intelectual se por um desejo intrínseco de culto do secreto. foi um tempo de treino, talvez de experiência.
o tempo impeliu-me a escrever fantasias. primeiro com um ardor dorido de adolescente (sempre apaixonado) em plena revolução. passei a jovem adulto, profissional de psicologia, competentemente adulto, que por um ímpeto sempre inexplicável pecava: perdia tempo escrevendo devaneios que obnubilariam qualquer adultez, os quais sempre fui encobrindo, não sei se por cobardia intelectual se por um desejo intrínseco de culto do secreto. foi um tempo de treino, talvez de experiência.
recentemente, já sem noites e sem lareira, sem nevoeiros e sem manhãs, sem mais nada para além da impetuosa necessidade de fantasiar, escrevi da minha alma os vagidos e as traquinices tal como os ouço e me tocam e dei por mim parindo-me a cada letra, verso a verso, umas vezes com a delicadeza brotante da nascente, outras com a crueza estrondosa do vagalhão, deixando emergir o que em mim sempre esteve e para a qual não encontro outro nome, senão mesmo natureza. foi então que me apropriei do advérbio que me define o modo e dele fiz nome meu; antónio assim d'oliveira.
solidão
a solidão dela fizera-se de abandonos
abandonos de memórias
primeiro as boas, depois as más
que antes de partirem escorraçaram tudo
abandonos de memórias
primeiro as boas, depois as más
que antes de partirem escorraçaram tudo
só
um livro, só
um livro numa mesa
de pé de galo
ladeado de uma chávena, só
vazia de tudo
também havia uma caneta, só
e uma folha de papel
uma folha, só
quando chegou alguém
puxou uma só cadeira
sentou-se à mesa, só
de tudo debandou a solitude
um livro numa mesa
de pé de galo
ladeado de uma chávena, só
vazia de tudo
também havia uma caneta, só
e uma folha de papel
uma folha, só
quando chegou alguém
puxou uma só cadeira
sentou-se à mesa, só
de tudo debandou a solitude
dito e não dito
quando me olhaste: — doçura
eras meu mel
quando me sorriste: — bom dia
eras meu sol
quando soltei: — querida
gritava: — meu amor
quando te beijei: — bom dia
como desejava morder-te
eras meu mel
quando me sorriste: — bom dia
eras meu sol
quando soltei: — querida
gritava: — meu amor
quando te beijei: — bom dia
como desejava morder-te
terça-feira, 22 de outubro de 2013
frágil intelegibilidade
a fragilidade com que escrevi meu nome
como o constatei quebrável, sem que fosse cristalino
frágil; mole, sem que fosse moldável, sem que fosse flexível...
a fragilidade com que escrevi meu nome escorrente no papel
como tinta aguada, como gordura ao sol
sem forma, sem textura, sem mensagem
não entendo, porque não me aceito frágil
como o constatei quebrável, sem que fosse cristalino
frágil; mole, sem que fosse moldável, sem que fosse flexível...
a fragilidade com que escrevi meu nome escorrente no papel
como tinta aguada, como gordura ao sol
sem forma, sem textura, sem mensagem
não entendo, porque não me aceito frágil
boa água
tanto espero e mais desejo
que meus olhos saibam dizer-te
o que eu não sei
o que não me perpassa os lábios
o que a garganta não desata
o que a língua não modela
a ideia que baralhei e não encontro
e na qual tropeço diariamente
constantemente
tanto espero e mais desejo
que meus olhos saibam contar-te
o rio em que minha alma se transformou
o prateado brilho, onde navegas
que em mim resplandece teu vogar
toque, corpo, água e sol
teu sorriso colorindo a janela
uma lágrima gritando
boa água
que meus olhos saibam dizer-te
o que eu não sei
o que não me perpassa os lábios
o que a garganta não desata
o que a língua não modela
a ideia que baralhei e não encontro
e na qual tropeço diariamente
constantemente
tanto espero e mais desejo
que meus olhos saibam contar-te
o rio em que minha alma se transformou
o prateado brilho, onde navegas
que em mim resplandece teu vogar
toque, corpo, água e sol
teu sorriso colorindo a janela
uma lágrima gritando
boa água
conversas ocas
foi tudo dito
tudo está dito
restam glosas e mais glosas
no mesmo tema
no mesmo assunto
sem nada acrescentado
sem nada mudado
sem novas vistas
falar e abafar silêncios
verborreia e mais verborreia
oiçamos o silêncio
entendamo-lo, sapientes
tudo está dito
restam glosas e mais glosas
no mesmo tema
no mesmo assunto
sem nada acrescentado
sem nada mudado
sem novas vistas
falar e abafar silêncios
verborreia e mais verborreia
oiçamos o silêncio
entendamo-lo, sapientes
domingo, 20 de outubro de 2013
mudema
gosto das letras mudas
por mim, todas as letras seriam mudas
as palavras pronunciar-se-iam mudamente
com os olhos bem coloridos de expressão
os poemas seriam almados, plenos... enormes
os poemas seriam declamados com olhares
por mim, todas as letras seriam mudas
as palavras pronunciar-se-iam mudamente
com os olhos bem coloridos de expressão
os poemas seriam almados, plenos... enormes
os poemas seriam declamados com olhares
meu espelho
agasta-se dia a dia
o espelho em que me vejo
pica-se-lhe o espelhado
amarelece
ao ritmo das paredes onde se aninha
enquanto as rugas se lhe desenham
na imagem do espelhado
e no olhar que me reflete
vejo-lhe o brilho
que o espelhado imagina
o espelho em que me vejo
pica-se-lhe o espelhado
amarelece
ao ritmo das paredes onde se aninha
enquanto as rugas se lhe desenham
na imagem do espelhado
e no olhar que me reflete
vejo-lhe o brilho
que o espelhado imagina
sábado, 19 de outubro de 2013
sexta-feira, 18 de outubro de 2013
nascente
onde a lua voa
e o pássaro passeia
onde as nuvens navegam
e a chuva caminha
onde as poças chapinam
e as crianças brincam
afaga-se a liberdade
e o poema corre rio
e o pássaro passeia
onde as nuvens navegam
e a chuva caminha
onde as poças chapinam
e as crianças brincam
afaga-se a liberdade
e o poema corre rio
memórias
contam-se as memórias
uma a uma
sem contas, sem ordem
como a memória
sucedem-se
ligadas num punhado
fossem cerejas
assolham-se, limpam-se
alindam-se e guardam-se
tesouros sem tesouro
brilhos sem brilhantes
essência de existência
velam-se e ostentam-se
em pensamentos secretos
sorrisos enigmáticos
olhares perdidos
o indecifrável da compreensão
uma a uma
sem contas, sem ordem
como a memória
sucedem-se
ligadas num punhado
fossem cerejas
assolham-se, limpam-se
alindam-se e guardam-se
tesouros sem tesouro
brilhos sem brilhantes
essência de existência
velam-se e ostentam-se
em pensamentos secretos
sorrisos enigmáticos
olhares perdidos
o indecifrável da compreensão
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
banho de vida
se te parece
que a vida te cai aos pés
não a pises
não a evites
não a ignores
sobretudo
nunca te lamentes
chapina nela
até te sentires mergulhado
de vida
que a vida te cai aos pés
não a pises
não a evites
não a ignores
sobretudo
nunca te lamentes
chapina nela
até te sentires mergulhado
de vida
trovoada
dormente
este céu de nuvens
espessas
penedos flutuantes
contundentes
quase ruidosos
quase faiscantes
tateei o luzente
simples
como um caminho
vadio
tinha aroma a tardio
despreconceituoso
um poema
talvez extraviado
ainda incompreendido
ansioso
para ser desvendado
fizemo-nos companhia
embrenhados na trovoada
o dia rompeu
não havia poema
nem eu
este céu de nuvens
espessas
penedos flutuantes
contundentes
quase ruidosos
quase faiscantes
tateei o luzente
simples
como um caminho
vadio
tinha aroma a tardio
despreconceituoso
um poema
talvez extraviado
ainda incompreendido
ansioso
para ser desvendado
fizemo-nos companhia
embrenhados na trovoada
o dia rompeu
não havia poema
nem eu
nós
teu dia chegou-me
perfumado de ventre
onde o sol nasce
meu dia enleou-se no teu
e conjugaste-nos com todos os segundos
perfumado de ventre
onde o sol nasce
meu dia enleou-se no teu
e conjugaste-nos com todos os segundos
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
verdade
assim
dispersa pela cidade
numa situação verdadeira
mente insustentável
fizeste-te de aragem
tal a tua ânsia de chegar
a todos, teus amantes
alguns indignos de ti
verdade
pela qual existem
muros e pássaros
dispersa pela cidade
numa situação verdadeira
mente insustentável
fizeste-te de aragem
tal a tua ânsia de chegar
a todos, teus amantes
alguns indignos de ti
verdade
pela qual existem
muros e pássaros
voto de humanidade
espero que a idade me cure
desta forma infiel de viver
não renascer em cada estação
não apreciar o vento e a neve fria
que eu ganhe cor e verdor
e ao ser homem seja alguém
desta forma infiel de viver
não renascer em cada estação
não apreciar o vento e a neve fria
que eu ganhe cor e verdor
e ao ser homem seja alguém
sexta-feira, 11 de outubro de 2013
desejo
se eu pudesse
correria até voar
rumaria com o vento
dançaria em teus cabelos
rebolaria em teus seios
abrigar-me-ia em teus dedos
confortar-me-ia em teu ventre
flutuaria no luar
voaria num só pé
brilharia como os rios
seria cristal sem tesouro
correria até voar
rumaria com o vento
dançaria em teus cabelos
rebolaria em teus seios
abrigar-me-ia em teus dedos
confortar-me-ia em teu ventre
flutuaria no luar
voaria num só pé
brilharia como os rios
seria cristal sem tesouro
emociomar
deixem o mar destapado
o mar precisa-se aberto
cheio de água fervente
espuma tudo o que sente
vociferando encapelado
sintam o mar por perto
pois o mar é sagrado
o mar precisa-se aberto
cheio de água fervente
espuma tudo o que sente
vociferando encapelado
sintam o mar por perto
pois o mar é sagrado
fumar
o prazer de um cigarro
esfuma-se, no fumo
a memória aloja-se nos ossos
daí se solta
com o calafrio
esfuma-se, no fumo
a memória aloja-se nos ossos
daí se solta
com o calafrio
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
desalento
caíam as mãos
peso do desapego
amargo da consciência
depois o corpo cansado
até para as mãos
que caíam
escorrendo pelo corpo
à frente dos braços
agora escorridamente longos
mais longos
tão longos que jamais abraçariam
e as mãos caídas, separadas
jamais se acariciariam
os anéis
tornaram-se largos
afastaram-se, impercetíveis
peso do desapego
amargo da consciência
depois o corpo cansado
até para as mãos
que caíam
escorrendo pelo corpo
à frente dos braços
agora escorridamente longos
mais longos
tão longos que jamais abraçariam
e as mãos caídas, separadas
jamais se acariciariam
os anéis
tornaram-se largos
afastaram-se, impercetíveis
terça-feira, 8 de outubro de 2013
ídolo
sossega
o peito
pulsar
demais
pode ser
defeito
menina
corada
respiração
pesada
grito
engatilhado
pro herói
da banda
rosto
de revista
que canta
que dança
que artista
perfeito
não pulsa
demais
sossega
o peito
o peito
pulsar
demais
pode ser
defeito
menina
corada
respiração
pesada
grito
engatilhado
pro herói
da banda
rosto
de revista
que canta
que dança
que artista
perfeito
não pulsa
demais
sossega
o peito
mais além
sentir-te é ir além dos sentidos
o mais além, sem distâncias
sentir-te a doçura da memória que te assalta
e te desconcentra
sentir-te o pensamento que me reservaste
e te contraria o momento
sentir-te a ligeireza com que te desprendes do dia
enleada te deixaste num detalhe de nós
sentir-te pelas incompreensíveis noções
de alma gémea, química, telepatia, seja lá o que for
sentir-te por algo que sinto como essência
do que chamamos amor
que nasceu de nós, cresceu
desmesuradamente, sem controlo
é o que sinto
e o que sinto diz-me que sei muito pouco
e o que sinto nunca se conjugou com medida e controlo
o mais além, sem distâncias
sentir-te a doçura da memória que te assalta
e te desconcentra
sentir-te o pensamento que me reservaste
e te contraria o momento
sentir-te a ligeireza com que te desprendes do dia
enleada te deixaste num detalhe de nós
sentir-te pelas incompreensíveis noções
de alma gémea, química, telepatia, seja lá o que for
sentir-te por algo que sinto como essência
do que chamamos amor
que nasceu de nós, cresceu
desmesuradamente, sem controlo
é o que sinto
e o que sinto diz-me que sei muito pouco
e o que sinto nunca se conjugou com medida e controlo
domingo, 6 de outubro de 2013
sorriso de pássaro
o sorriso num pássaro
tem voo e tem chilreio
tem olhar: primeiro um olho
depois o outro
tem distinção de plumagem
tem confiança: de se deixar mirar
e de vir comer às mãos
e não há alma que não lhe sorria
tem voo e tem chilreio
tem olhar: primeiro um olho
depois o outro
tem distinção de plumagem
tem confiança: de se deixar mirar
e de vir comer às mãos
e não há alma que não lhe sorria
sábado, 5 de outubro de 2013
boa água
meu poema jamais se re-escreverá
jamais de repetirão as letras de que nasceu
o que minhas tristezas parem, não se escreve
e não há palavras para a insipiência deste sol peco
meu poema foi rio abaixo
boa água
por ali vogará
compondo-se no horizonte
onde os olhares se põem
jamais de repetirão as letras de que nasceu
o que minhas tristezas parem, não se escreve
e não há palavras para a insipiência deste sol peco
meu poema foi rio abaixo
boa água
por ali vogará
compondo-se no horizonte
onde os olhares se põem
viagem
segui a voz do cantar
acendi o sonho do poema
tocou no horizonte, a melodia
um pouco de mim não quer regressar
as viagens são assim
algo de nós por lá fica
algo de lá nos acompanhará, sem fim
acendi o sonho do poema
tocou no horizonte, a melodia
um pouco de mim não quer regressar
as viagens são assim
algo de nós por lá fica
algo de lá nos acompanhará, sem fim
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
urdêncios
um poeta vive nos silêncios
fios dobados, anovelados
deles urde poemas
em paciência de enxoval
em amor virginal, de entrega
um dia...
assolha-os ao tempo
ao vento
em silêncio, trauteando
um tesouro...
fios dobados, anovelados
deles urde poemas
em paciência de enxoval
em amor virginal, de entrega
um dia...
assolha-os ao tempo
ao vento
em silêncio, trauteando
um tesouro...
silêncios
silêncio, a soada que não se ouve
o silêncio escuta-se e entende-se
o silêncio de uma gargalhada
o silêncio da palavra
o silêncio do olhar
o silêncio do sorriso
o silêncio da tarde
o silêncio de um olhar sorrido num final de tarde
o silêncio de um poema
o silêncio de estarmos connosco
em silêncio
o silêncio escuta-se e entende-se
o silêncio de uma gargalhada
o silêncio da palavra
o silêncio do olhar
o silêncio do sorriso
o silêncio da tarde
o silêncio de um olhar sorrido num final de tarde
o silêncio de um poema
o silêncio de estarmos connosco
em silêncio
terça-feira, 1 de outubro de 2013
ressequido
esvaziámos nossas carícias
primeiro ocas, agora ressequidas
magoámo-nos na aspereza do toque
já não há corpo nem meio nem lugar
para as carícias
debandaram como corvos negros
gralharam horizonte fora
até ficarmos aliviados
agora magoamo-nos se nos tocamos
primeiro ocas, agora ressequidas
magoámo-nos na aspereza do toque
já não há corpo nem meio nem lugar
para as carícias
debandaram como corvos negros
gralharam horizonte fora
até ficarmos aliviados
agora magoamo-nos se nos tocamos
tempo de brincar
vi tantas histórias nos montes da areia da minha ampulheta;
cresciam em camadas, os montes e as histórias.
podiam ser doces, pareciam-me de açúcar
amontoado, destinado a um bolo guloso;
eram sagradas de sal imaculado
como o do batismo na minha igreja,
que só a santa mão do sacerdote tocava;
via-as areias de um deserto que alguém galgava
com ou sem amada, sempre uma aventura.
então o tempo parava e a hstória mudava,
o personagem renascia num outro episódio,
feito camada a camada,
que os meus olhitos de menino namoravam
e nelas se alimentavam brincando.
quando eu sabia brincar com o tempo.
cresciam em camadas, os montes e as histórias.
podiam ser doces, pareciam-me de açúcar
amontoado, destinado a um bolo guloso;
eram sagradas de sal imaculado
como o do batismo na minha igreja,
que só a santa mão do sacerdote tocava;
via-as areias de um deserto que alguém galgava
com ou sem amada, sempre uma aventura.
então o tempo parava e a hstória mudava,
o personagem renascia num outro episódio,
feito camada a camada,
que os meus olhitos de menino namoravam
e nelas se alimentavam brincando.
quando eu sabia brincar com o tempo.
a ampulheta
lembram-se da ampulheta?
instrumento maravilhoso
instrumento maravilhoso
acumula o tempo
solta-o, devagarinho
caindo, em montinho
de cima para baixo
trabalho da gravidade
e o tempo lá dentro
não foge, caindo
se cima para baixo
depois tudo pára
também há a pausa
conhecem? a pausa?
ampulheta tem sempre pausa
segunda-feira, 30 de setembro de 2013
à janela
aquele amor perfeito
com que iluminaste a janela
a cada dia que a espreito
por ele te vejo nela
então sorrio, para ela
um sorriso que é teu
flor da minha janela
com que iluminaste a janela
a cada dia que a espreito
por ele te vejo nela
então sorrio, para ela
um sorriso que é teu
flor da minha janela
introspeção
no reboliço de uma conversa
de mim-para-mim, aprendi
recostei-me no silêncio
sem tempo
que deixei em paz
sabia que ali devia estar
tudo o que aprendi
sempre esteve comigo
sem o saber
de mim-para-mim, aprendi
recostei-me no silêncio
sem tempo
que deixei em paz
sabia que ali devia estar
tudo o que aprendi
sempre esteve comigo
sem o saber
palavras
serão eternas as palavras
as nascidas do teu nome
as crescidas em teu nome
que os dias guardam
memórias, imortalidades
palavras espalhadas no ar
fossem dente-de-leão
palavras viventes no chão
fossem pedras do caminho
a imortalidade do dia
que eterno se fez
de palavras
em teu nome evocadas
as nascidas do teu nome
as crescidas em teu nome
que os dias guardam
memórias, imortalidades
palavras espalhadas no ar
fossem dente-de-leão
palavras viventes no chão
fossem pedras do caminho
a imortalidade do dia
que eterno se fez
de palavras
em teu nome evocadas
bocejamar
então mar?
ainda bocejas?
onda a onda
ruidosamente
venho ouvir-te
gosto de ouvir-te
preciso ouvir-te
ver-te
só depois cheirar-te
e sentir a tua aura
a neblina
a frescura
a beira-mar
no caminho para cá
senti-te
teu chamamento
minha necessidade
amigos
um chama
outro precisa
nunca se sabe quem
e hoje bocejas
oh, se bocejas
preguiçoso
quem não te conheça
ver-te-á vigoroso
há vigor na preguiça
espraiaste tu
satisfeito
tu e eu
venturosos
bocejando
onda a onda
passo a passo
amigos
ruidosamente amigos
ainda bocejas?
onda a onda
ruidosamente
venho ouvir-te
gosto de ouvir-te
preciso ouvir-te
ver-te
só depois cheirar-te
e sentir a tua aura
a neblina
a frescura
a beira-mar
no caminho para cá
senti-te
teu chamamento
minha necessidade
amigos
um chama
outro precisa
nunca se sabe quem
e hoje bocejas
oh, se bocejas
preguiçoso
quem não te conheça
ver-te-á vigoroso
há vigor na preguiça
espraiaste tu
satisfeito
tu e eu
venturosos
bocejando
onda a onda
passo a passo
amigos
ruidosamente amigos
viver, como árvore
como árvore
enterro os pés na areia
que espreguiço como raízes
como árvore
preciso do fresco do chão
para viver
como árvore
embrenho os braços ao céu
para sentir o celeste
como árvore
preciso do divino ar
para viver
como árvore
ofereço-me pelo meu tronco
à poesia de amantes
como árvore
preciso de um coração de amante
para viver
enterro os pés na areia
que espreguiço como raízes
como árvore
preciso do fresco do chão
para viver
como árvore
embrenho os braços ao céu
para sentir o celeste
como árvore
preciso do divino ar
para viver
como árvore
ofereço-me pelo meu tronco
à poesia de amantes
como árvore
preciso de um coração de amante
para viver
meu dia
de tão estranho que me seja
lembrou-se de mim, o dia
teve-me, quis-me
amou-me como filho
rondou-me, libertou-me
deixou que lhe mudasse o curso
deixou-me aprisionar-me
deixou-me crescer, escolher
deixou-me gavinhar
sempre com a complacência
de quem olha amando, acaricia
não importa o concordar
lembrou-se de mim, o dia
teve-me, quis-me
amou-me como filho
rondou-me, libertou-me
deixou que lhe mudasse o curso
deixou-me aprisionar-me
deixou-me crescer, escolher
deixou-me gavinhar
sempre com a complacência
de quem olha amando, acaricia
não importa o concordar
sexta-feira, 27 de setembro de 2013
desesperança
e depois, mateio-o
disse-o ela
tom de lamento sem confissão
doía-lhe tanto
a cada palavra sentia na mão
o cabo vibrando da lâmina entrando
no corpo que sentira seu.
cortou-lhe o peito, o olhar surpreendido
pânico de morrer.
e depois, era tarde
arrependimento, de nada valeu
se ainda pudesse
ofereceria ao golpe, o corpo
que sendo seu, nascera para sofrer.
tanta dor, tanto doer...
(a propósito do telefilme português E depois, matei-o)
disse-o ela
tom de lamento sem confissão
doía-lhe tanto
a cada palavra sentia na mão
o cabo vibrando da lâmina entrando
no corpo que sentira seu.
cortou-lhe o peito, o olhar surpreendido
pânico de morrer.
e depois, era tarde
arrependimento, de nada valeu
se ainda pudesse
ofereceria ao golpe, o corpo
que sendo seu, nascera para sofrer.
tanta dor, tanto doer...
(a propósito do telefilme português E depois, matei-o)
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
morrimento
morrer-se por dentro
acontece antes do corpo
depois
seremos o que formos
mais que alguém sem uma parte
seremos quem sabe e quem sente
morta uma parte de si
o tempo da metamorfose
o modo do renascimento
acontece antes do corpo
depois
seremos o que formos
mais que alguém sem uma parte
seremos quem sabe e quem sente
morta uma parte de si
o tempo da metamorfose
o modo do renascimento
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
o sol
o sol
luminoso e quente
da felicidade
nasce no peito
quando se põe
pela razão de ser necessário
dá lugar ao conforto
que só a noite conhece
o sol
o astro sol
é a inspiração
sem a qual este texto
seria destituído de sentido
luminoso e quente
da felicidade
nasce no peito
quando se põe
pela razão de ser necessário
dá lugar ao conforto
que só a noite conhece
o sol
o astro sol
é a inspiração
sem a qual este texto
seria destituído de sentido
natureza da água
de toda a água
a da nascente, é a mais vigorosa
a do rio, a mais livre
a da chuva, a mais generosa
a do mar, a mais viva
a da nuvem, sonhadora
a da lágrima, a mais salgada
a da nascente, é a mais vigorosa
a do rio, a mais livre
a da chuva, a mais generosa
a do mar, a mais viva
a da nuvem, sonhadora
a da lágrima, a mais salgada
o u t o n o
o gesto que se me esvai das mãos
escreve outono
o-u-t-o-n-o
foge-me o sentido destas articulações
de dedos, de letras, de pensamentos
outono
ou tono
outo no
vá lá entender-se um corpo
anatomia de ossos, nervos e músculos
sem ideias?
vá lá entender-se um corpo
mergulhado, enrolado
em outono insignificado?
escreve outono
o-u-t-o-n-o
foge-me o sentido destas articulações
de dedos, de letras, de pensamentos
outono
ou tono
outo no
vá lá entender-se um corpo
anatomia de ossos, nervos e músculos
sem ideias?
vá lá entender-se um corpo
mergulhado, enrolado
em outono insignificado?
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
fim
à beira d'água nascem os rios
à beira d'água despede-se o mar
para logo nos reencontrar
marulhando-nos como rios
que nem sempre correm
espraiam-se preguiçosos
quiçá temerosos
o vazio do acabar
sabe-se que o mar vai e vem
enganando-se perpetuadamente
ignorando que renasce nas marés
onda após onda
à beira d'água despede-se o mar
para logo nos reencontrar
marulhando-nos como rios
que nem sempre correm
espraiam-se preguiçosos
quiçá temerosos
o vazio do acabar
sabe-se que o mar vai e vem
enganando-se perpetuadamente
ignorando que renasce nas marés
onda após onda
natureza pássaro
chilreiam os pássaros no nascer do dia
chilreiam os pássaros na ramagem das árvores
chilreiam os pássaros no entardecer
chilreiam os pássaros dentro do poema
aquele lugar que deus quis para eles
e que os poetas criaram inspirados neles
chilreiam os pássaros na ramagem das árvores
chilreiam os pássaros no entardecer
chilreiam os pássaros dentro do poema
aquele lugar que deus quis para eles
e que os poetas criaram inspirados neles
domingo, 22 de setembro de 2013
sábado, 21 de setembro de 2013
não aos escritos
não às palavras, gastas
deformadas, de tão mal tratadas
encalhadas
por pregões, vendilhões
e galifões que as usam
em cânticos matinais
para escurecer o povo
do olhar até à alma
a quem levam o sol e luar
para hipotecar.
sequiosas criaturas
do sangue e das lágrimas
a quem confiámos
o céu que nos ofereceram
os infernos que agora temos
não às palavras, gastas
deformadas, de tão mal tratadas
encalhadas
por pregões, vendilhões
e galifões que as usam
em cânticos matinais
para escurecer o povo
do olhar até à alma
a quem levam o sol e luar
para hipotecar.
sequiosas criaturas
do sangue e das lágrimas
a quem confiámos
o céu que nos ofereceram
os infernos que agora temos
carrego nas mãos o mesmo que no peito
no corpo, às costas, no colo, no regaço
palavras sem dono,
palavras nunca amestradas
jamais dedicadas, palavras sem amo
como as verdadeiras palavras são
do vento, onde viajam
do ar, de que se proferem
do peito onde se sentem
da alma onde se fazem
uma a uma, sílaba a sílaba
para que nunca sejamos sós
que nos fizemos gregários como palavras
que nos concebemos como agregação de sílabas
no corpo, às costas, no colo, no regaço
palavras sem dono,
palavras nunca amestradas
jamais dedicadas, palavras sem amo
como as verdadeiras palavras são
do vento, onde viajam
do ar, de que se proferem
do peito onde se sentem
da alma onde se fazem
uma a uma, sílaba a sílaba
para que nunca sejamos sós
que nos fizemos gregários como palavras
que nos concebemos como agregação de sílabas
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
terça-feira, 17 de setembro de 2013
fantasia
perfuma-me a tua voz de fresco ar
e leva-me pela mão
onde os contos ganham princesas
onde as bruxas sucumbem
onde o bem sempre sobrevem
por mais adulto que eu cresça
colhe minha alma de menino
embala-a pela tua voz
veste-lhe um personagem duma história tua
e deixa-a fruir que será feliz
e leva-me pela mão
onde os contos ganham princesas
onde as bruxas sucumbem
onde o bem sempre sobrevem
por mais adulto que eu cresça
colhe minha alma de menino
embala-a pela tua voz
veste-lhe um personagem duma história tua
e deixa-a fruir que será feliz
marmóreo
esclerótico
aquele olhar tudo gelava
acre de branco
parecendo imaculado
era só branco
nenhuma cor estava
olhar de mármore
marmoreava
aquele olhar tudo gelava
acre de branco
parecendo imaculado
era só branco
nenhuma cor estava
olhar de mármore
marmoreava
garatuja
desenhos à margem, no caderno de notas
insistentemente à margem, das notas
que desenhas, enquanto anotas
a tua liberdade, e nem notas
um pensamento, um ritual sem tento
em desenho, o teu momento
em que fugiste, em que voltaste
sempre por dentro
daquele registo, daquele diário
daquele desenho, onde anotas o tempo
insistentemente à margem, das notas
que desenhas, enquanto anotas
a tua liberdade, e nem notas
um pensamento, um ritual sem tento
em desenho, o teu momento
em que fugiste, em que voltaste
sempre por dentro
daquele registo, daquele diário
daquele desenho, onde anotas o tempo
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
despedida
quando ela lhe disse que ia regressar, ele não entendeu.
quando cruzaram olhares, ele gelou.
quando ela pousou o olhar no infinito, ele chorou.
jamais cruzariam os olhares
e ele jamais sentiria a mornidade do conforto
quando cruzaram olhares, ele gelou.
quando ela pousou o olhar no infinito, ele chorou.
jamais cruzariam os olhares
e ele jamais sentiria a mornidade do conforto
sobre hipocrisia
a hipocrisia não se combate, nunca se vence, tem pele de vítima.
a hipocrisia não se tolera; ideais e liberdade, desprezam-na.
quando associados à inteligência, mirram-na.
porém, à mais pequena distração surgirá colossal.
a mais daninha existência.
a hipocrisia não se tolera; ideais e liberdade, desprezam-na.
quando associados à inteligência, mirram-na.
porém, à mais pequena distração surgirá colossal.
a mais daninha existência.
sabores do fado
sabem-me os lábios à ausência
a que me habituei
sabem-me os olhos à saudade
que nasceu comigo
sabem-me os dias à mingua
que o luar me deixou
sabe-me o tempo à aventura
que o partir me dói
sabem-me os sonhos ao reencontro
que o renascer pariu
à beira-mar
meu beijo descobriu-te
húmido frio
é da chuva, brincaste
sabíamos ser da neblina, do mar
hm, hm; enrolou ele
no seu tom de bem-estar
sábado, 14 de setembro de 2013
um pensamento escrito
mãe,
chego com um sorriso, sem pedido de perdão, sem declaração de amor e muito menos uma exposição de admiração. tudo o que tenho é um texto escrito ao ritmo do pensamento: um pensamento escrito para ti. não conheço nada mais espontâneo. não conheço nada mais bonito, nem nada que deseje mais para ti e para mim.
noto que te escrevo por "tu" embora te fale por "você", sem que use o termo que me ensinaste ser de tão má educação que o guardei na gaveta dos impropérios. terei ficado unilateralmente íntimo de ti e noto como tu sempre foste unilateralmente íntima de mim. neste pensamento seremos "tu e eu" ou "eu e tu" e o teu olhar angustiado dará lugar à expressão de marota cumplicidade ternamente feliz que tens para mim. nesse momento as dores passam-te, a idade desaparece-te e transformas-te numa espécie leve de bobo para me mostrares que brincar é bom e desejável, desde que as intenções sejam boas — a vírgula é tua e enfaticamente colocada e acentuada por ti.
isso, as intenções: o que pensamos, o que desejamos, a pureza no estarmos seja onde for. sabes que cada vez estou mais assim? e sorris de vaidade; não murmuras o valeu a pena porque pensas no consegui. é por isso que sorrio e sorrio na escrita destas palavras ainda não rasuradas nem revistas, nem na pontuação: espelham o espontâneo que tanto gostas. é mais natural, elogiarias e eu ouviria e sorriria; teria piada. hoje, entre ouvidos e sorrisos, faz-me todo o sentido.
mãe! tenho pensado na morte, não tanto pelo medo que tenha de morrer, mas é o meu medo que tu morras. engraçado, é que venho preparando a tua morte desde os meus 10 anos, talvez antes, ou um pouco depois, e embora sereno, ainda não estou preparado. é altura de me sorrires um burro velho não aprende línguas, e é verdade. também me dirás que todos morrem e só deus sabe como e quando, a que eu acrescento na sua infinita sabedoria, no meu mais silencioso sarcástico. tu, que não tens o ressentimento que eu sinto, sei que se ouvisses, os teus olhos, primeiro ficariam vagos e oblíquos ao chão, para depois se cravarem nos meus e golpearias o teu graças a deus muitas, graças com deus poucas e eu respeitar-te-ia impotentemente, sabendo que no fundo até a morte é natural.
sabes que houve tempos em que só tinha medo da minha morte? e tu rezavas, quase sempre com prazer, parecias e dizias-te pronta para o céu, ao passo que eu detestava rezar, saía-me algo mecânico como a tabuada; sei que falo mas nunca sei o que digo e tenho de pensar nas palavras que acabei de proferir para lhes encontrar significado e nem sempre chego lá. hoje escrevo poemas e gosto de trocadilhos entre poemas e orações, entre rezas de declamações; o deus ganhou poesia, eu fiquei mais sereno. e tu manténs o mesmo olhar sobre mim, com que me fazes sentir ungido: e tu sabes que eu gosto e eu delicio-me com o prazer que colhes do meu gosto. mães e filhos são assim: impenetravelmente juntos.
já nos confessámos que o tempo urge: os nossos encontros serão menos, decrescentemente menos, e tornámo-los mais intensos; têm mais abraços, têm mais carinhos, mais toques, mais olhares cruzados. têm mais marotices, como quando eu tinha 5 anos e era assumidamente menino, sem saber como carinho de mãe faz crescer.
sei que ficarei magoado quando morreres, mas sei também que terás um beijo para me confortares, daqueles com que me curaste de tantas quedas e eu talvez consiga escrever-te um poema.
o meu sorriso mãe.
chego com um sorriso, sem pedido de perdão, sem declaração de amor e muito menos uma exposição de admiração. tudo o que tenho é um texto escrito ao ritmo do pensamento: um pensamento escrito para ti. não conheço nada mais espontâneo. não conheço nada mais bonito, nem nada que deseje mais para ti e para mim.
noto que te escrevo por "tu" embora te fale por "você", sem que use o termo que me ensinaste ser de tão má educação que o guardei na gaveta dos impropérios. terei ficado unilateralmente íntimo de ti e noto como tu sempre foste unilateralmente íntima de mim. neste pensamento seremos "tu e eu" ou "eu e tu" e o teu olhar angustiado dará lugar à expressão de marota cumplicidade ternamente feliz que tens para mim. nesse momento as dores passam-te, a idade desaparece-te e transformas-te numa espécie leve de bobo para me mostrares que brincar é bom e desejável, desde que as intenções sejam boas — a vírgula é tua e enfaticamente colocada e acentuada por ti.
isso, as intenções: o que pensamos, o que desejamos, a pureza no estarmos seja onde for. sabes que cada vez estou mais assim? e sorris de vaidade; não murmuras o valeu a pena porque pensas no consegui. é por isso que sorrio e sorrio na escrita destas palavras ainda não rasuradas nem revistas, nem na pontuação: espelham o espontâneo que tanto gostas. é mais natural, elogiarias e eu ouviria e sorriria; teria piada. hoje, entre ouvidos e sorrisos, faz-me todo o sentido.
mãe! tenho pensado na morte, não tanto pelo medo que tenha de morrer, mas é o meu medo que tu morras. engraçado, é que venho preparando a tua morte desde os meus 10 anos, talvez antes, ou um pouco depois, e embora sereno, ainda não estou preparado. é altura de me sorrires um burro velho não aprende línguas, e é verdade. também me dirás que todos morrem e só deus sabe como e quando, a que eu acrescento na sua infinita sabedoria, no meu mais silencioso sarcástico. tu, que não tens o ressentimento que eu sinto, sei que se ouvisses, os teus olhos, primeiro ficariam vagos e oblíquos ao chão, para depois se cravarem nos meus e golpearias o teu graças a deus muitas, graças com deus poucas e eu respeitar-te-ia impotentemente, sabendo que no fundo até a morte é natural.
sabes que houve tempos em que só tinha medo da minha morte? e tu rezavas, quase sempre com prazer, parecias e dizias-te pronta para o céu, ao passo que eu detestava rezar, saía-me algo mecânico como a tabuada; sei que falo mas nunca sei o que digo e tenho de pensar nas palavras que acabei de proferir para lhes encontrar significado e nem sempre chego lá. hoje escrevo poemas e gosto de trocadilhos entre poemas e orações, entre rezas de declamações; o deus ganhou poesia, eu fiquei mais sereno. e tu manténs o mesmo olhar sobre mim, com que me fazes sentir ungido: e tu sabes que eu gosto e eu delicio-me com o prazer que colhes do meu gosto. mães e filhos são assim: impenetravelmente juntos.
já nos confessámos que o tempo urge: os nossos encontros serão menos, decrescentemente menos, e tornámo-los mais intensos; têm mais abraços, têm mais carinhos, mais toques, mais olhares cruzados. têm mais marotices, como quando eu tinha 5 anos e era assumidamente menino, sem saber como carinho de mãe faz crescer.
sei que ficarei magoado quando morreres, mas sei também que terás um beijo para me confortares, daqueles com que me curaste de tantas quedas e eu talvez consiga escrever-te um poema.
o meu sorriso mãe.
da génese das palavras
são os pássaros que trazem as palavras
aos pios, nos voos
aos chilreios, no alto dos poleiros
e nós dizemos palavras para os imitar
aos pios, nos voos
aos chilreios, no alto dos poleiros
e nós dizemos palavras para os imitar
beira d'água
tenho vida de mar
infinito, de horizonte
meus meses oceanos
e os anos são ondas
ritmadas
de amplitude e força
desconhecidas
infinito, de horizonte
meus meses oceanos
e os anos são ondas
ritmadas
de amplitude e força
desconhecidas
pês da primavera
primavera tem ímpetos
tem impulsos
primavera tem pássaros
e passarinhos
e muito desejo
ainda que destituído de p
como sol e flores
ventos, verdes e cores
tem abelhinhas e borboletas
zumbindo, rodopiando
a fertilidade das flores
o crescimento das árvores
e a reprodução
sempre a reprodução
e seus amores
tem impulsos
primavera tem pássaros
e passarinhos
e muito desejo
ainda que destituído de p
como sol e flores
ventos, verdes e cores
tem abelhinhas e borboletas
zumbindo, rodopiando
a fertilidade das flores
o crescimento das árvores
e a reprodução
sempre a reprodução
e seus amores
primavera em setembro
a primavera faz-se de desejos
ideais. só depois se aproveita o sol
para a iluminar
e as palavras, para falarem dela
revelando as conversas dos pássaros
as flores despontam do verde
só porque querem participar
deste espreguiçar de vida
que vemos, porque procuramos.
o acontecer de primavera
ver-se-á melhor de olhos fechados
porque também há os aromas
sobre os quais ainda não falamos
e as juras de namorados.
era setembro.
ideais. só depois se aproveita o sol
para a iluminar
e as palavras, para falarem dela
revelando as conversas dos pássaros
as flores despontam do verde
só porque querem participar
deste espreguiçar de vida
que vemos, porque procuramos.
o acontecer de primavera
ver-se-á melhor de olhos fechados
porque também há os aromas
sobre os quais ainda não falamos
e as juras de namorados.
era setembro.
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
a morte
a morte. a morte chegou-me de manhã, com o nascer do dia, ainda antes de eu acordar.
instalou-se. estava instalada.
tinha um vestido vermelho e eu que nunca tinha reparado. eu aprendera que se vestia de negro — negro da morte — e, talvez por isso, nunca tenha notado a vermelhidão da vestimenta.
também me sorriu, o que teve em mim um efeito que poderia chamar-se encanto feminino. por isso não pude deixar de a olhar e, depois, de a apreciar, com o meu melhor olhar distante.
ela insinuava-se, sentada, tombava ora sobre um lado, ora sobre o outro, num rebolo das ancas sobre a almofada da poltrona. usou o sempre clássico cruzar de pernas, dançado e enfeitado por dois joelhos perfeitos. insinuava-se também pelo olhar: ora tropeçante no meu, ora indiferente, como a ignorância.
minha pose era seráfica, hirta como um sírio, como aprendi com meu pai e sabia-me a castigo ou a alerta. por ali ficámos, estando: eu sonhava, ela instalava-se, mediamo-nos, cúmplices.
não fossem as modas dos tempos e teríamos ido ao encontro um do outro pedindo/oferecendo lume para um cigarro. mas agora seria um convite explícito para sairmos: os dois para um momento de intensa intimidade, no exterior, à porta de algo — neste caso do sonho — em torno de um cigarro que partilharíamos passa-a-passa.
acordei! tudo tinha passado, porém, estava cá tudo: o vestido vermelho, os olhares e o desejo de uma passa, também.
compreendi porque o cigarro mata.
instalou-se. estava instalada.
tinha um vestido vermelho e eu que nunca tinha reparado. eu aprendera que se vestia de negro — negro da morte — e, talvez por isso, nunca tenha notado a vermelhidão da vestimenta.
também me sorriu, o que teve em mim um efeito que poderia chamar-se encanto feminino. por isso não pude deixar de a olhar e, depois, de a apreciar, com o meu melhor olhar distante.
ela insinuava-se, sentada, tombava ora sobre um lado, ora sobre o outro, num rebolo das ancas sobre a almofada da poltrona. usou o sempre clássico cruzar de pernas, dançado e enfeitado por dois joelhos perfeitos. insinuava-se também pelo olhar: ora tropeçante no meu, ora indiferente, como a ignorância.
minha pose era seráfica, hirta como um sírio, como aprendi com meu pai e sabia-me a castigo ou a alerta. por ali ficámos, estando: eu sonhava, ela instalava-se, mediamo-nos, cúmplices.
não fossem as modas dos tempos e teríamos ido ao encontro um do outro pedindo/oferecendo lume para um cigarro. mas agora seria um convite explícito para sairmos: os dois para um momento de intensa intimidade, no exterior, à porta de algo — neste caso do sonho — em torno de um cigarro que partilharíamos passa-a-passa.
acordei! tudo tinha passado, porém, estava cá tudo: o vestido vermelho, os olhares e o desejo de uma passa, também.
compreendi porque o cigarro mata.
terça-feira, 10 de setembro de 2013
meu gato
o melhor riso de um gato arrebita-lhe os bigodes
para que lhe acentue os cantos elevados da boca.
é que os gatos não têm lábios. por isso não beijam;
lambem e continuam a sorrir aquele sorriso; de gato, claro.
o melhor riso do gato fecha-lhe os olhos
para que a gargalhada seja mais profunda.
por isso ronronam como só os gatos sabem.
a minha namorada não consegue ronronar mas vê-se gatinha
e cerra os olhos quando sorri. tal como os gatos
quer uma gargalhada profunda; de gato, claro.
o melhor riso de gato pode ser indecifrável.
efeitos da personalidade felidea, independente. por isso
criou o mito de dar: dá mios, dá saltos e dá-nos o prazer
de o termos ao colo, enquanto o gato sorri
como os gatos; enigmático e indecifrável, claro.
para que lhe acentue os cantos elevados da boca.
é que os gatos não têm lábios. por isso não beijam;
lambem e continuam a sorrir aquele sorriso; de gato, claro.
o melhor riso do gato fecha-lhe os olhos
para que a gargalhada seja mais profunda.
por isso ronronam como só os gatos sabem.
a minha namorada não consegue ronronar mas vê-se gatinha
e cerra os olhos quando sorri. tal como os gatos
quer uma gargalhada profunda; de gato, claro.
o melhor riso de gato pode ser indecifrável.
efeitos da personalidade felidea, independente. por isso
criou o mito de dar: dá mios, dá saltos e dá-nos o prazer
de o termos ao colo, enquanto o gato sorri
como os gatos; enigmático e indecifrável, claro.
poema
tivera eu um útero
e far-te-ia renascer em mim
fora eu um jardineiro
e far-te-ia florir em mim
sou o bobo demente
sentado no mais cinzento dos cinzas
tu és a cor que me chega
e pedes-me que te pronuncie
como sílaba de poesia
e far-te-ia renascer em mim
fora eu um jardineiro
e far-te-ia florir em mim
sou o bobo demente
sentado no mais cinzento dos cinzas
tu és a cor que me chega
e pedes-me que te pronuncie
como sílaba de poesia
verdadeiro deus
velhinha:
— meu deus, como nasceram as estrelas? foram semeadas? quem as plantou lá no céu?
deus:
— nem uma coisa nem outra. são obra da criação e foram criadas por ti e outros como tu.
narrador:
— a beata velhinha sorriu. afinal deus tinha um humor divinal.
— meu deus, como nasceram as estrelas? foram semeadas? quem as plantou lá no céu?
deus:
— nem uma coisa nem outra. são obra da criação e foram criadas por ti e outros como tu.
narrador:
— a beata velhinha sorriu. afinal deus tinha um humor divinal.
lengalenga
ao adormecer, sei
que viverei a história
que escreverei enleada
na que sonharei acordado
de dia, na companhia da janela
que quis ser minha e eu sou dela
que viverei a história
que escreverei enleada
na que sonharei acordado
de dia, na companhia da janela
que quis ser minha e eu sou dela
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
meu sonho
meu sonho, sempre grande
enquanto aprendia as letras sonhava
com irreconhecitude da minha caligrafia de adulto
enquanto aprendia a ler sonhava
com grandes públicos atentos
enquanto aprendia as outras matérias sonhava-me
mestre nas habilidades científicas, literárias e artísticas
...
enquanto escrevo um poema, sonho
com o convívio das nossas fantasias
enquanto escrevo um poema, sonho a fantasia
e por ele distendo meu sonho entre o aqui e o de lá
enquanto aprendia as letras sonhava
com irreconhecitude da minha caligrafia de adulto
enquanto aprendia a ler sonhava
com grandes públicos atentos
enquanto aprendia as outras matérias sonhava-me
mestre nas habilidades científicas, literárias e artísticas
...
enquanto escrevo um poema, sonho
com o convívio das nossas fantasias
enquanto escrevo um poema, sonho a fantasia
e por ele distendo meu sonho entre o aqui e o de lá
a ansiedade
tem um corte fatiado
fininha, meticulosa
insistente, persistente e fria
fria até aos suores; frios também
rói, moi, corroi
de um vazio transparente e solene
aloja-se entre os dentes cerrados
no franzido do rosto
no lado apertado do corpo
contraído até ao estalido
no estado dorido
da ansiedade
consome o bom dia
amarelece o sorriso
cheiro frio a perfeição
do mofo organizado
o mais perfeito pecado
a ansiedade
fininha, meticulosa
insistente, persistente e fria
fria até aos suores; frios também
rói, moi, corroi
de um vazio transparente e solene
aloja-se entre os dentes cerrados
no franzido do rosto
no lado apertado do corpo
contraído até ao estalido
no estado dorido
da ansiedade
consome o bom dia
amarelece o sorriso
cheiro frio a perfeição
do mofo organizado
o mais perfeito pecado
a ansiedade
domingo, 8 de setembro de 2013
sábado, 7 de setembro de 2013
mealheiro de rios
havia no mealheiro
o necessário para ter um rio
daqueles que chapinam, que nos ouvem
que se fazem ouvir e falamos
um rio rico e brilhante de prata bem limpa
um rio amigo que correria comigo até ao mar
naquele mealheiro eu guardava,
o sonho que sempre recordava
a cada moeda que lá amealhava
havia naquele mealheiro
o necessário para ser rio
o necessário para ter um rio
daqueles que chapinam, que nos ouvem
que se fazem ouvir e falamos
um rio rico e brilhante de prata bem limpa
um rio amigo que correria comigo até ao mar
naquele mealheiro eu guardava,
o sonho que sempre recordava
a cada moeda que lá amealhava
havia naquele mealheiro
o necessário para ser rio
quinta-feira, 5 de setembro de 2013
cumplicidade
pesquei um poema espelhado
no rio que te banhava
— há tanto tempo e não desamo de ti
cintilou o rio
eu escrevi
no rio que te banhava
— há tanto tempo e não desamo de ti
cintilou o rio
eu escrevi
traço de poesia
desenhei-te em traço de poema
vi-te à essência de ti mesma
envolvi-te em fantasia
daquela que me insinuaste
e te soltaste um beijo
um olhar
um sorriso
um abraço
um aceno
uma flor
...
tanto faz
ser-me-ás poesia
vi-te à essência de ti mesma
envolvi-te em fantasia
daquela que me insinuaste
e te soltaste um beijo
um olhar
um sorriso
um abraço
um aceno
uma flor
...
tanto faz
ser-me-ás poesia
fantasia
é frágil a vidraça da minha janela
por ela viajam os sonhos
ainda que feche as portadas
e tenha as cortinas cerradas
por ela viajam os sonhos
ainda que feche as portadas
e tenha as cortinas cerradas
rio
o rio
para onde rio
riou-nos
sorrimos
as rimas
que rimos
tu ria(s)
eu ria
ainda rio
na beira do rio
para onde rio
riou-nos
sorrimos
as rimas
que rimos
tu ria(s)
eu ria
ainda rio
na beira do rio
dia
dia de tirar a respiração
inspiramos, inspiramos
queremos tudo, tudo dele
e guardarmos, bem para nós
soltos no suspiro
duma memória doce do horizonte
inspiramos, inspiramos
queremos tudo, tudo dele
e guardarmos, bem para nós
soltos no suspiro
duma memória doce do horizonte
quarta-feira, 4 de setembro de 2013
conjugação
pela manhã deste-me um beijo
fresco de crocante e suculento, tudo junto,
bem polpudo como sempre
— logo dou-te mais — declaraste-me
— bommm, guarda-mos — pedi-te eu
— beijos não se guardam, dão-se
dão-se sempre frescos, acabadinhos de sentir
querem-se aromatizados — ensinaste-me
— então e aqueles apressados — indaguei
— são rápidos, são pequeninos — continuaste-me —
mas para serem beijados, têm de ser frescos
se recessos não são beijos
nem ósculos serão, que nem esses são ressequidos.
isso de que falas são tiques em molde de beijo
outras vezes são desfeitas
amordaçam e despeitam os agredidos.
beijo não cabe em "tupperware"
nem se conserva em frigorífico
beijo tem, sempre, aroma do momento
— e dos beijos que te dei — balancei
— foi nos teus beijos que aprendi o que sei — sorriste-me
— no teu peito nasce a poesia que escrevo — escrevi —
... ainda que me chames poeta
fresco de crocante e suculento, tudo junto,
bem polpudo como sempre
— logo dou-te mais — declaraste-me
— bommm, guarda-mos — pedi-te eu
— beijos não se guardam, dão-se
dão-se sempre frescos, acabadinhos de sentir
querem-se aromatizados — ensinaste-me
— então e aqueles apressados — indaguei
— são rápidos, são pequeninos — continuaste-me —
mas para serem beijados, têm de ser frescos
se recessos não são beijos
nem ósculos serão, que nem esses são ressequidos.
isso de que falas são tiques em molde de beijo
outras vezes são desfeitas
amordaçam e despeitam os agredidos.
beijo não cabe em "tupperware"
nem se conserva em frigorífico
beijo tem, sempre, aroma do momento
— e dos beijos que te dei — balancei
— foi nos teus beijos que aprendi o que sei — sorriste-me
— no teu peito nasce a poesia que escrevo — escrevi —
... ainda que me chames poeta
poeta espécime
poeta só existe no estado independente
e nem da independência se torna refém.
é arisco, indomável e errante
transviado por natureza
solta poemas: assinala o caminho
que não o siga quem gostar do conforto
a poesia tem a beleza da aventura
vive de trepar o impossível e de pairar o infinito
e morre nos círculos das rotinas
por aí não há poetas
e nem da independência se torna refém.
é arisco, indomável e errante
transviado por natureza
solta poemas: assinala o caminho
que não o siga quem gostar do conforto
a poesia tem a beleza da aventura
vive de trepar o impossível e de pairar o infinito
e morre nos círculos das rotinas
por aí não há poetas
angústia
todos os dias sinto a infelicidade
de uma folha branca, de uma janela vazia
aguardando
que nela me verta que nela eu encontre
o sentido tresmalhado do dia
de uma folha branca, de uma janela vazia
aguardando
que nela me verta que nela eu encontre
o sentido tresmalhado do dia
terça-feira, 3 de setembro de 2013
trajetos da tarde
i
não sou nada, por isso
quando olho pela janela
só encontro meu reflexo
todo o resto, eu invento
ii
destino de homem
que se foi fazendo bicho
é bicho-homem
corpo de homem
alma de bicho;
indistinto bicho
iii
a metafísica, a filosofia
e uma certa poesia
são modos de procurar
a felicidade
em dias de mau-humor
iv
ai,
como eu tenho algo para te dar...
v
vejo uma flor que cresce do chão
estica-se, balança-se, aproxima-se
o chão ajuda-a e eu sorrio-lhes
pateta da emoção...
não sou nada... nada...
vi
a primavera escreve-se nas árvores
e também nas flores
livros estampados de paisagens
com o mar, sempre o mar,
ao fundo
para onde todos os rios correm
vii
as folhas
amarelas-castanho de morno e de sol
libertam o outono
dançam ondulações de mar
(ainda o mar)
unem-se sem capas, algumas enrolam-se
outras rebolam, livres, porque é solta a poesia
viii
os amantes, como poetas, assinam nos troncos
querem a perenidade de um epitáfio
não sou nada, por isso
quando olho pela janela
só encontro meu reflexo
todo o resto, eu invento
ii
destino de homem
que se foi fazendo bicho
é bicho-homem
corpo de homem
alma de bicho;
indistinto bicho
iii
a metafísica, a filosofia
e uma certa poesia
são modos de procurar
a felicidade
em dias de mau-humor
iv
ai,
como eu tenho algo para te dar...
v
vejo uma flor que cresce do chão
estica-se, balança-se, aproxima-se
o chão ajuda-a e eu sorrio-lhes
pateta da emoção...
não sou nada... nada...
vi
a primavera escreve-se nas árvores
e também nas flores
livros estampados de paisagens
com o mar, sempre o mar,
ao fundo
para onde todos os rios correm
vii
as folhas
amarelas-castanho de morno e de sol
libertam o outono
dançam ondulações de mar
(ainda o mar)
unem-se sem capas, algumas enrolam-se
outras rebolam, livres, porque é solta a poesia
viii
os amantes, como poetas, assinam nos troncos
querem a perenidade de um epitáfio
pé-de-orelha
puxa minha orelha
e lá encontrarás o último segredo
aquele que lá deixaste
ouço-o todos os dias
aventura
de todas as vezes que saí empenhei algo de mim
investimento na viagem iniciada para um incerto
visto como certo, de tão crentemente desejado
empenhei-me de todas as vezes que parti
levava numa mão a amargura; do errado
na outra, a convicção
trilhei em frente, fitado no horizonte
aquele mesmo que um dia libertei da linha
investimento na viagem iniciada para um incerto
visto como certo, de tão crentemente desejado
empenhei-me de todas as vezes que parti
levava numa mão a amargura; do errado
na outra, a convicção
trilhei em frente, fitado no horizonte
aquele mesmo que um dia libertei da linha
quadra
vagueiam as letras em teu nome
como no céu as estrelas
compõem palavras nós
amor, entrego-me a lê-las
como no céu as estrelas
compõem palavras nós
amor, entrego-me a lê-las
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
poeta d'água
poeta faz-se de água
nasce em água de útero
espraia-se em água de rio
vagueia em água de nuvem
escorre em água de chuva
renasce em água de mar
brota água de lágrima
beira-mar
cada onda volta uma folha
era o mar.
o vento
a inspiração da página seguinte
gravura prateada a sol.
o poema
o voo da gaivota, sempre gandaio
desenho dos ventos de poesia.
ainda o mar
na melodia de fundo
ao grito de gaivota que declama o poema
que a areia e a rocha aplaudem
enquanto a criança pequena
planta castelos na areia
que o mar os abrace
e o sorriso lhe aparece
então o poeta tece inutilidades.
era o mar.
o vento
a inspiração da página seguinte
gravura prateada a sol.
o poema
o voo da gaivota, sempre gandaio
desenho dos ventos de poesia.
ainda o mar
na melodia de fundo
ao grito de gaivota que declama o poema
que a areia e a rocha aplaudem
enquanto a criança pequena
planta castelos na areia
que o mar os abrace
e o sorriso lhe aparece
então o poeta tece inutilidades.
leve
aprecio o nado dos peixes
aprecio o voo das aves
aprecio a leveza de ter os pés ao nível da cabeça
aprecio o voo das aves
aprecio a leveza de ter os pés ao nível da cabeça
domingo, 1 de setembro de 2013
manoel
com quantos pássaros se escreve teu nome
que letras se usam para pintar o céu
quantos desenhos tem um poema
com que revelas segredos a deus
desrimando
rumando à poesia que quer ser criança
fantasia
sem "quantos" nem "comos"
que letras se usam para pintar o céu
quantos desenhos tem um poema
com que revelas segredos a deus
desrimando
rumando à poesia que quer ser criança
fantasia
sem "quantos" nem "comos"
a praia de todos
ela, a praia
nascera dele, o mar
e dela, a areia
é amada por eles, as gentes
que nela arejam os corpos
assolham a alma
exibindo o que têm
ora exuberantemente
ora em absoluta discrição
como ela, a praia
de todos, os momentos
nascera dele, o mar
e dela, a areia
é amada por eles, as gentes
que nela arejam os corpos
assolham a alma
exibindo o que têm
ora exuberantemente
ora em absoluta discrição
como ela, a praia
de todos, os momentos
amores
amor é doçura do tempo que chega em alguém, com a forma de vida
amor é uma ideia amadurecida em peito sonhador
amor é aquele colorido num arco do vento
amor é o cristalino da água na concha das mãos
amor é uma ideia amadurecida em peito sonhador
amor é aquele colorido num arco do vento
amor é o cristalino da água na concha das mãos
desconcertante
o sol partiu de manhã
agora que é tarde, ainda não veio
há bocado, que era noite, fez-me tanta falta
agora que é tarde, ainda não veio
há bocado, que era noite, fez-me tanta falta
sábado, 31 de agosto de 2013
inevitável
a paz é simples, quer-se
tem a sabedoria de criança
a guerra é complexa
tem aquela sabedoria de adulto
a da inevitabilidade
tem a sabedoria de criança
a guerra é complexa
tem aquela sabedoria de adulto
a da inevitabilidade
charco
há água no charco
guarda o rosto da noite
guarda o raio do sol
guarda olhares enamorados
guarda a rezinga do velho
guarda o olhar de cão
guarda o rosto de criança
enquanto aguarda traquinice de meninos
em chapinos e ondas
e mistura-se tudo em alegria
guarda o rosto da noite
guarda o raio do sol
guarda olhares enamorados
guarda a rezinga do velho
guarda o olhar de cão
guarda o rosto de criança
enquanto aguarda traquinice de meninos
em chapinos e ondas
e mistura-se tudo em alegria
fé
a dureza do dia-a-dia tinha muros
entre eles e entre os dias
fez-se de pedras e de espinhos
nascidos e criados entre eles
todos os dias
e como ela temia desejar-lhe a morte
e se a comiseração de deus intercedesse?
como se vive com peso na consciência?
não confiava no deus em que acreditava
podia não ser tão bom quanto ela
que disso não tinha consciência
entre eles e entre os dias
fez-se de pedras e de espinhos
nascidos e criados entre eles
todos os dias
e como ela temia desejar-lhe a morte
e se a comiseração de deus intercedesse?
como se vive com peso na consciência?
não confiava no deus em que acreditava
podia não ser tão bom quanto ela
que disso não tinha consciência
a importância dos segredos
na sabedoria criança
os segredos partilham-se com amigos
na sabedoria adulta
os segredos guardam-se
os segredos partilham-se com amigos
na sabedoria adulta
os segredos guardam-se
a paz
tem a forma de um sonho
tem a sabedoria de uma criança
a paz
nasce nos rios e nos riachos
onde a água corre
para tocar nossos dedos
tem a sabedoria de uma criança
a paz
nasce nos rios e nos riachos
onde a água corre
para tocar nossos dedos
meu mar
minha paixão é de maré-cheia
de mar
salgada, de abençoada
roncante, de ondas possantes
pura, de espuma de mar
espraia-se, enrolando na areia
de mar
salgada, de abençoada
roncante, de ondas possantes
pura, de espuma de mar
espraia-se, enrolando na areia
sexta-feira, 30 de agosto de 2013
um porco que gostava de letras
o porco fugiu para a horta e comeu-lhe cada uma das letras. sim, sendo os porcos omnívoros, também comem letras. porém, resultou ser impossível dizer-se para onde o porco fugira: não havia palavra. tinha sido comida.
logo surgiram tantas letras que se alinharam em filas, como se quisessem dançar. ensaiaram composições novas para dar nome àquilo cujas letras o porco comera, depois de ter fugido.
alguns dos arranjos eram impronunciáveis, uns quantos hilariantes e outros eram normais. de todas as hipóteses, acabaram por escolher HORTA, por parecer a mais bonita: — aquele H mudo dava a distinção merecida à horta — concordaram todos. até o porco.
a palavra era igual à antecessora, só que agora todos (letras e porco) sabiam porque fora escolhida.
as letras gostaram do convívio letra-a-letra e das sílabas e das palavras simples e compostas que formaram.
o porco continua na horta — agora com um novo nome — e se o deixarem comerá todas as letras, incluindo o H mudo, que confere distinção.
logo surgiram tantas letras que se alinharam em filas, como se quisessem dançar. ensaiaram composições novas para dar nome àquilo cujas letras o porco comera, depois de ter fugido.
alguns dos arranjos eram impronunciáveis, uns quantos hilariantes e outros eram normais. de todas as hipóteses, acabaram por escolher HORTA, por parecer a mais bonita: — aquele H mudo dava a distinção merecida à horta — concordaram todos. até o porco.
a palavra era igual à antecessora, só que agora todos (letras e porco) sabiam porque fora escolhida.
as letras gostaram do convívio letra-a-letra e das sílabas e das palavras simples e compostas que formaram.
o porco continua na horta — agora com um novo nome — e se o deixarem comerá todas as letras, incluindo o H mudo, que confere distinção.
lucidez
já vivi dias de grande lucidez
neles senti-me pronto para morrer
neles dei o verdadeiro valor às coisas
incluindo a morte e a vida
que sendo irmãs, as vemos como inimigas
pelo estado de obnubilada consciência
em que habitualmente nos instalamos
a lucidez chega com o perigo
com a míngua, com a despedida
e com o definitivo
manifesta-se pelo óbvio
com que valorizamos um céu azul
ou um sorriso de olhar brilhante
e com que identificamos o supérfluo comezinho.
a lucidez não perdoa o arrependimento
do olhar pregado no chão
a menos que sejamos lúcidos para soprar sorrisos
e sentir-nos-emos prontos para morrer.
neles senti-me pronto para morrer
neles dei o verdadeiro valor às coisas
incluindo a morte e a vida
que sendo irmãs, as vemos como inimigas
pelo estado de obnubilada consciência
em que habitualmente nos instalamos
a lucidez chega com o perigo
com a míngua, com a despedida
e com o definitivo
manifesta-se pelo óbvio
com que valorizamos um céu azul
ou um sorriso de olhar brilhante
e com que identificamos o supérfluo comezinho.
a lucidez não perdoa o arrependimento
do olhar pregado no chão
a menos que sejamos lúcidos para soprar sorrisos
e sentir-nos-emos prontos para morrer.
fratria
o sapo perguntou à rã:
— somos irmãos?
— podemos ser, mas sou eu quem coaxa.
respondeu a nova irmã do sapo.
— somos irmãos?
— podemos ser, mas sou eu quem coaxa.
respondeu a nova irmã do sapo.
da poesia ao poema
em poesia sente-se a profundidade
do humano desconhecimento
e das coisas triviais
que se descreve com palavras conhecidas
e outras inventadas
o poema é o momento
sincopado pelos arranjos de palavras
para debelar a indiferença
entre a poesia e o poema
há pontes inacabadas
os pensamentos dos poetas
do humano desconhecimento
e das coisas triviais
que se descreve com palavras conhecidas
e outras inventadas
o poema é o momento
sincopado pelos arranjos de palavras
para debelar a indiferença
entre a poesia e o poema
há pontes inacabadas
os pensamentos dos poetas
quinta-feira, 29 de agosto de 2013
raiz de árvore
a raiz das árvores
sei que não é quadrada
porque as árvores servem-se dos números
mas não são de números.
as raízes das árvores são profundas
entram pela terra adentro
até ao coração e libertam os vulcões
são como a paixão da terra.
às vezes atravessam o mar
e tomam a forma de algas
e acolhem os peixes
(os peixes pulam nas raízes)
e o mar agradecido
vai arrefecendo os vulcões
para que não queimem as folhas das árvores.
as árvores, o mar e a terra são amigos
por isso nos deixaram crescer
tal como às flores, aos pássaros
e aos insetos cantadores do verão quente
e nós reconhecidos fizemos barcos de árvores
para conhecer o mar
e só depois aprendemos os números
e descobrimos a raiz quadrada
que sabemos não ser de árvore
porque conhecemos a árvore.
pensamento
talvez inútil seja uma forma in de ser útil...
já uma inutilidade é acharmos a idade útil e in
já uma inutilidade é acharmos a idade útil e in
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
só
cheguei
como a luz, sem vento
como o piscar de olhos
como o reflexo pupilar
como o ruído da noite
cheguei
só
sem mais nada
como a luz, sem vento
como o piscar de olhos
como o reflexo pupilar
como o ruído da noite
cheguei
só
sem mais nada
sussurros do acordar
o sol sussurrou-me um raio pela fresta da janela
e sussurrava aos retratos de gente antiga, imponente
que posava sussurrante aguardando o clic
que os poria na sussurrância da cómoda que outrora compraram
ou na pendurância sussurrante da parede, cuja cor escolheram.
fizeram-se sussurros em memórias
história daquele quarto cheio de histórias sussurradas
tão sussurrante e tão sem mofo
e sussurrava aos retratos de gente antiga, imponente
que posava sussurrante aguardando o clic
que os poria na sussurrância da cómoda que outrora compraram
ou na pendurância sussurrante da parede, cuja cor escolheram.
fizeram-se sussurros em memórias
história daquele quarto cheio de histórias sussurradas
tão sussurrante e tão sem mofo
sussurros da manhã
o sussurro fumegante do café
o sussurro estaladiço do pão
a manteiga que sussurrava a torrada
o lá fora sempre sussurrante
as flores sussurravam entre si
as borboletas voavam em sussurros
o vento sussurro que sussurrantemente sussurrava
os olhares sussurraram algo
e um beijo sussurrou em mim
o sussurro estaladiço do pão
a manteiga que sussurrava a torrada
o lá fora sempre sussurrante
as flores sussurravam entre si
as borboletas voavam em sussurros
o vento sussurro que sussurrantemente sussurrava
os olhares sussurraram algo
e um beijo sussurrou em mim
teus passos
fechei os olhos, precisava
sentir teus passos no pensamento
tinham um sabor a carícia
soavam como soalho de lar
iam e vinham, rondando-me
sonho
e sou o centro do universo
sentir teus passos no pensamento
tinham um sabor a carícia
soavam como soalho de lar
iam e vinham, rondando-me
sonho
e sou o centro do universo
segunda-feira, 26 de agosto de 2013
sem tempo
tanta que tu és de madrugadas
de pores-de-sol, de tempos de nada
namoras-me ronceira
na orla de calmaria que tem a paz
deixámos a meio o canto dos pássaros
dissemos todas as palavras pela metade
fizemos o mesmo com as frases
as carícias e as juras
temos de nos encontrar
sem precisarmos de argumentos
de pores-de-sol, de tempos de nada
namoras-me ronceira
na orla de calmaria que tem a paz
deixámos a meio o canto dos pássaros
dissemos todas as palavras pela metade
fizemos o mesmo com as frases
as carícias e as juras
temos de nos encontrar
sem precisarmos de argumentos
aconteceres
a manhã, amanhece
a tarde, entardece
a noite, anoitece
enquanto o dia acontece
tecendo-se, também tece
a tela do dia seguinte
a tarde, entardece
a noite, anoitece
enquanto o dia acontece
tecendo-se, também tece
a tela do dia seguinte
sábado, 24 de agosto de 2013
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
uma corda da roupa no horizonte
o horizonte tinha uma linha
era uma espécie de corda da roupa
ao longe
onde pendurava pedaços de coisas
coloridas, drapeantes ao vento e ao tempo
era lindo.
uma vez pendurei coisas na parte de cima da linha
o que parecia impossível resultou bonito
na mesma corda havia algos que não caíam
e outros que não esvoassavam
de um lado e do outro eram coloridos
drapeantes ao vento e ao tempo
reluziam ao sol, era lindo.
tentei-me e tirei a linha do horizonte
com ela foi a corda da roupa
os pedaços de coisas caíram,
dispersaram-se, amontoaram-se
e movimentaram-se; uma dança
entre o céu e a terra, sem linha.
sem corda
drapeiam ao vento, dançando
reluzem ao sol, fantasiando cores
formas e movimentos
que só à imaginação interessam
e tornam feliz quem ali desvenda poesia.
é lindo.
era uma espécie de corda da roupa
ao longe
onde pendurava pedaços de coisas
coloridas, drapeantes ao vento e ao tempo
era lindo.
uma vez pendurei coisas na parte de cima da linha
o que parecia impossível resultou bonito
na mesma corda havia algos que não caíam
e outros que não esvoassavam
de um lado e do outro eram coloridos
drapeantes ao vento e ao tempo
reluziam ao sol, era lindo.
tentei-me e tirei a linha do horizonte
com ela foi a corda da roupa
os pedaços de coisas caíram,
dispersaram-se, amontoaram-se
e movimentaram-se; uma dança
entre o céu e a terra, sem linha.
sem corda
drapeiam ao vento, dançando
reluzem ao sol, fantasiando cores
formas e movimentos
que só à imaginação interessam
e tornam feliz quem ali desvenda poesia.
é lindo.
divagando
na divagação, os meus pensamentos
são desejos tresmalhados e pedaços de nexos
que convivem no devaneio, aquele lugar de liberdade
regido pelo princípio do bem-estar.
na presença da escrita todos se alinham
parecendo o que nunca foram:
ordenados.
são desejos tresmalhados e pedaços de nexos
que convivem no devaneio, aquele lugar de liberdade
regido pelo princípio do bem-estar.
na presença da escrita todos se alinham
parecendo o que nunca foram:
ordenados.
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
vento
— o vento de ontem beijava, abraçava, era ousado
e o vento de hoje oscula, roça, é tímido
— na fonte dos ventos há tantos
e cada um só nos cruza uma vez
passa, é um vento...
— há a fonte dos ventos?
— é num sítio que fica entre os montes altos
está ligado ao céu
é lá que guardam todos os sopros dos santos
os de acender o lume, os de soprar as migalhas
os de soprar as sopas e o caldo quentes...
é que no céu não há ventos
— é, o vento é coisa do céu...
e o vento de hoje oscula, roça, é tímido
— na fonte dos ventos há tantos
e cada um só nos cruza uma vez
passa, é um vento...
— há a fonte dos ventos?
— é num sítio que fica entre os montes altos
está ligado ao céu
é lá que guardam todos os sopros dos santos
os de acender o lume, os de soprar as migalhas
os de soprar as sopas e o caldo quentes...
é que no céu não há ventos
— é, o vento é coisa do céu...
além
tenho o condão de olhar o silêncio
sem ficar esperando
pela leveza dum beijo te aproximaste
desvendaste-me que sou como tu
que gosto de estar comigo
tens o dom de me entender
sem ficar esperando
pela leveza dum beijo te aproximaste
desvendaste-me que sou como tu
que gosto de estar comigo
tens o dom de me entender
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
as meninas dos olhos
somaram gerúndios:
correndo, pulando, gritando, rodando
chamando a algazarra
um passarão grande
fazendo de conta ou faz de contando
colorido, com penas de almofada.
trazia com ele a história pulada,
a princesa apanhada,
o rato esconde-esconde,
a dona macaca sempre quadrada
que queria a patela muito bem saltada,
a serpente vidente que fazia de corda
e qua adivinhava os erros das contas
e a tabuada.
e o recreio de tão animado
estava vistoso, estava todo inchado.
e hoje eu sinto-me recreio.
correndo, pulando, gritando, rodando
chamando a algazarra
um passarão grande
fazendo de conta ou faz de contando
colorido, com penas de almofada.
trazia com ele a história pulada,
a princesa apanhada,
o rato esconde-esconde,
a dona macaca sempre quadrada
que queria a patela muito bem saltada,
a serpente vidente que fazia de corda
e qua adivinhava os erros das contas
e a tabuada.
e o recreio de tão animado
estava vistoso, estava todo inchado.
e hoje eu sinto-me recreio.
dia-a-dia
houve um dia que não acordei
acho eu
espreguicei-me de olhos cerrados
levantei-me aos bocados
lavei-me, saí
trabalhei: telefonei, escrevi
tomei café
pus meus olhos assoalhar
vi uma folha cair
desenhei no canto do papel
tomei notas
encerrei a reunião
regressei a casa
jantei
e à noite não adormeci
acho eu
espreguicei-me de olhos cerrados
levantei-me aos bocados
lavei-me, saí
trabalhei: telefonei, escrevi
tomei café
pus meus olhos assoalhar
vi uma folha cair
desenhei no canto do papel
tomei notas
encerrei a reunião
regressei a casa
jantei
e à noite não adormeci
imponência
e foi um ar que nos deu
um voo rasante de gaivota
vadio, que perseguimos
elevando o nosso olhar
um voo rasante de gaivota
vadio, que perseguimos
elevando o nosso olhar
utopia
sonho
na margem
no bordo
na beira
no início
no cimo
no alto
no ondeante
e ao primeiro passo a vida começa
e encho meu sonho de vida
na margem
no bordo
na beira
no início
no cimo
no alto
no ondeante
e ao primeiro passo a vida começa
e encho meu sonho de vida
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
meu vento maroto empurrou a água do rio
fez-se onda de água rebolada, e tanto que gostou
deu uma gargalhada de água chocalhada
subiu uma pedra e numa pulada
caiu noutra água, e mais uma onda rebolada
o vento agora mais vigoroso soprou bem soproso
na rebolada onda de água que soltou um marulho
bem do fundo do peito e pôs-se a jeito
queria que o sol a fizesse espelhada
percebendo-lhe a vaidade, o vento com vivacidade
chapinou a água tão agradecida, feliz e abrilhantada
fez-se onda de água rebolada, e tanto que gostou
deu uma gargalhada de água chocalhada
subiu uma pedra e numa pulada
caiu noutra água, e mais uma onda rebolada
o vento agora mais vigoroso soprou bem soproso
na rebolada onda de água que soltou um marulho
bem do fundo do peito e pôs-se a jeito
queria que o sol a fizesse espelhada
percebendo-lhe a vaidade, o vento com vivacidade
chapinou a água tão agradecida, feliz e abrilhantada
domingo, 18 de agosto de 2013
sábado, 17 de agosto de 2013
sentidos de filho
minha mãe chamava-me filho, era aconchegante
meu pai chamava-me filho, protegia-me
minha avó chamava-me filho, era mãe duas vezes
minha vizinha chamava-me filho, estava enganada
minha catequista chamava-me filho, era língua de deus
minha mulher chamou-me filho, foi querida
um desconhecido chamou-me filho, pareceu-me que juntou mais qualquer coisa
meu pai chamava-me filho, protegia-me
minha avó chamava-me filho, era mãe duas vezes
minha vizinha chamava-me filho, estava enganada
minha catequista chamava-me filho, era língua de deus
minha mulher chamou-me filho, foi querida
um desconhecido chamou-me filho, pareceu-me que juntou mais qualquer coisa
da ponta do meu lápis sai uma linha
única, sozinha
que se enovela em voltas e se enrodilha em letras
palavras e pontos que interrogam
exclamam e terminam.
às vezes tenho um pauta musical
outras, o que me parece um poema
outras ainda, um desenho lindo de criança
a maior parte delas fico com uma garatuja de adulto
que só um adulto entende.
então, eu fico sem sentido.
única, sozinha
que se enovela em voltas e se enrodilha em letras
palavras e pontos que interrogam
exclamam e terminam.
às vezes tenho um pauta musical
outras, o que me parece um poema
outras ainda, um desenho lindo de criança
a maior parte delas fico com uma garatuja de adulto
que só um adulto entende.
então, eu fico sem sentido.
minha casa vive rodeada do verde que as árvores pintaram
e as relvas espraiaram-se só para que os pássaros as passarinhem
e assim vai sendo entre o passado e o futuro: o vento chega
puxa as folhas às árvores, passa a mão nas cabeças das flores
e roja-se na relva: quer sentir o verde
e roja-se na relva: quer sentir o verde
enquanto as aves bicam no chão, que é a sua forma de passear
e deixam-me apreciar, porque também me vêem de verde.
há um sino na torre da igreja que canta de meia em meia hora
é um tempo religioso, da criação, para poetizar o tempo real
que construímos árido e contundente como o cimento que modelamos
do qual às vezes não gostamos.
no tempo real, minha casa está cercada de um jardim
é feita de pedra e cimento por homens de máquinas medonhas
com que rasgaram a terra e o céu por ela.
é feita de pedra e cimento por homens de máquinas medonhas
com que rasgaram a terra e o céu por ela.
no tempo poético, a natureza deu-me o direito a fazer meu ninho
e eu sou um pontinho negro, pairando entre o verde e o azul do vento.
o tempo poético é daquela meninice que há em nós
que fantasia, pula e sorri com o futuro nos olhos
que bom que é ser feliz.
que fantasia, pula e sorri com o futuro nos olhos
que bom que é ser feliz.
quinta-feira, 15 de agosto de 2013
pensamento
existe sempre uma dificuldade em nos mantermos vivos
a vida vivida nunca será fácil de viver, para ser gostosa
a vida fácil, muito fácil, tem tédio e (geralmente) é fastidiosa.
a vida vivida nunca será fácil de viver, para ser gostosa
a vida fácil, muito fácil, tem tédio e (geralmente) é fastidiosa.
incrédulo
por ti tudo será possível
até o céu encostar-se à terra à procura de aconchego
e os anjos, que sempre vimos como estrelas
entrarem no paraíso, que afinal
sempre esteve aqui, contigo, onde o semeias
por ti tudo será possível
até as rochas entoarão hosanas lá das suas alturas
e os anjos que pensávamos estrelas do céu
que afinal sempre esteve em ti, rodar-te-ão
serão putos de um recreio, felizes por ali estares
por ti tudo será possível
eu sei, só não sei dizer, nem escrever
também não sei desenhar, como te sinto
e não me parece que caiba nas 4 letras de amar
embora eu saiba que por ti tudo será possível
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
confissão
escrevo-te em confissão
o que guardo para mim
escrevo-te segredos
que sopro no ar
liberto os pecados
que escondo na aragem
pela escrita
que me confessa
sem penitência
rezo o poema
o que guardo para mim
escrevo-te segredos
que sopro no ar
liberto os pecados
que escondo na aragem
pela escrita
que me confessa
sem penitência
rezo o poema
desvendamento
escrevo de ti
a cumplicidade dos segredos
a cada revelação
algo desvendo de mim
o que escrevo de ti
algo que desvendo de mim
a cumplicidade dos segredos
a cada revelação
algo desvendo de mim
o que escrevo de ti
algo que desvendo de mim
terça-feira, 13 de agosto de 2013
infância
era criança o suficiente
para desenhar tudo o que via
criava histórias com cenários
ilustrando pensamentos
sem balões. sem diálogos
os desenhos se declamavam
e alimentavam-lhe o sorriso
tão bem que o fazia
com a mão abraçou meu dedo
para que eu o entendesse
e com ele sentisse em poesia
que sabia ter-lhe nascido
talvez quisesse que o lembrasse
se algum dia se esquecesse
para desenhar tudo o que via
criava histórias com cenários
ilustrando pensamentos
sem balões. sem diálogos
os desenhos se declamavam
e alimentavam-lhe o sorriso
tão bem que o fazia
com a mão abraçou meu dedo
para que eu o entendesse
e com ele sentisse em poesia
que sabia ter-lhe nascido
talvez quisesse que o lembrasse
se algum dia se esquecesse
segunda-feira, 12 de agosto de 2013
a propósito de Ennio Morricone, II
descobri!
agora sei porque nasci
para te seguir, de ouvido
correr e andar
por onde a imaginação me quiser
e tudo mais que de mim vier
será a tua música a latejar
agora sei porque nasci
para te seguir, de ouvido
correr e andar
por onde a imaginação me quiser
e tudo mais que de mim vier
será a tua música a latejar
dignidade
serve-me a morte, fria
em porcelana dura
finamente decorada
nada esbotenada, não a quero cortante.
servir-me-ei da morte fria com talher prateado
servir-me-ei com honras de convidado
a talharei e comerei bem mastigada
de boca sempre fechada, engolirei silencioso
sorrindo e apreciando, ainda
que me saiba asqueroso, a comerei até ao fim
agradecendo ao cozinheiro
seu empenho em meu repasto
sua atenção em mim.
em porcelana dura
finamente decorada
nada esbotenada, não a quero cortante.
servir-me-ei da morte fria com talher prateado
servir-me-ei com honras de convidado
a talharei e comerei bem mastigada
de boca sempre fechada, engolirei silencioso
sorrindo e apreciando, ainda
que me saiba asqueroso, a comerei até ao fim
agradecendo ao cozinheiro
seu empenho em meu repasto
sua atenção em mim.
ociesia
há uma certa poesia
que vive nos jardins
soa a cigarra
e alimenta-se de ócios
e
delicia-se num dolce farniente
no cheiro de um livro de poemas
nas viagens dos pensamentos vagos
no belo, sempre belo sorriso da amada
e no desejo preguiçoso
de escrever banalidades em forma de verso
que vive nos jardins
soa a cigarra
e alimenta-se de ócios
e
delicia-se num dolce farniente
no cheiro de um livro de poemas
nas viagens dos pensamentos vagos
no belo, sempre belo sorriso da amada
e no desejo preguiçoso
de escrever banalidades em forma de verso
domingo, 11 de agosto de 2013
estrofe
pois
quando as árvores respiram
quando as árvores respiram
inspiram poetas
expiram magia
e sopram do bosque
ares de poesia
melodia
toco-te
como as cordas da minha guitarra
soltas um acorde
encanto-me
sopro-te
como o bocal da minha harmónica
soas uma melodia
encanto-me
acaricio-te
como às teclas do meu piano
desenrola-se a magia
encanto-me
dançamos
a leveza de uma valsa
a paixão de um tango
exorcizamos
desatamos
aquele mesmo sorriso
de adão e eva
quando descobriram a nudez
como as cordas da minha guitarra
soltas um acorde
encanto-me
sopro-te
como o bocal da minha harmónica
soas uma melodia
encanto-me
acaricio-te
como às teclas do meu piano
desenrola-se a magia
encanto-me
dançamos
a leveza de uma valsa
a paixão de um tango
exorcizamos
desatamos
aquele mesmo sorriso
de adão e eva
quando descobriram a nudez
sábado, 10 de agosto de 2013
a propósito de Ennio Morricone
há músicas que têm o dom de nos completar
depois de as ouvir
torna-se difícil resistir a escrever um poema
que sempre se sentirá de um belo
até à lágrimas
amigo imaginário
escrevo-te da imaginação
aquele lugar
onde tudo é imaginário
como tu meu amigo
escrevo as histórias
imaginárias
que ambos vivemos
de uma verdade imaginária
tão real
é que a realidade se imagina
e a imaginação se realiza
o segredo da nossa amizade
que tecemos nos silêncios
aquele lugar
onde tudo é imaginário
como tu meu amigo
escrevo as histórias
imaginárias
que ambos vivemos
de uma verdade imaginária
tão real
é que a realidade se imagina
e a imaginação se realiza
o segredo da nossa amizade
que tecemos nos silêncios
a viúva
existia debaixo de um negro de lenço
o corpo despontava das vestes negras
num branco seráfico de pele
a que luz das velas amarelecia
de amarelecido de cera ardente
os olhos tomaram-se do luto
num corpo, como as velas, encurvado e gotejante.
havia ainda algo seu, pouco estimado
podia ser alma ou simplesmente algo
perdido, abnegado, esperando o momento
além daquela luz de vela e do luto de viúva
que a afastava dali.
o corpo despontava das vestes negras
num branco seráfico de pele
a que luz das velas amarelecia
de amarelecido de cera ardente
os olhos tomaram-se do luto
num corpo, como as velas, encurvado e gotejante.
havia ainda algo seu, pouco estimado
podia ser alma ou simplesmente algo
perdido, abnegado, esperando o momento
além daquela luz de vela e do luto de viúva
que a afastava dali.
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
pura poesia
a poesia sem palavras
chega no vento
soa das árvores
declamam-na as folhas
dançam-na as borboletas
também as abelhas e as aves
desenham-na as crianças
em linhas simples
em formas planas, transparentes
infância dos olhares sorridentes
chega no vento
soa das árvores
declamam-na as folhas
dançam-na as borboletas
também as abelhas e as aves
desenham-na as crianças
em linhas simples
em formas planas, transparentes
infância dos olhares sorridentes
de passagem
cruzei com um olhar de gaivota
era a serenidade determinada
a beleza de um voo livre e certeiro
esclareceu-me que lhe valia
a sua independência vadia
era a serenidade determinada
a beleza de um voo livre e certeiro
esclareceu-me que lhe valia
a sua independência vadia
íntimo
seja quando for
o mar entrar-nos-á pela porta dentro
quererá visitar-nos
estender-se-á a nossos pés
mergulha-nos-á os tornozelos
molhar-nos-á os joelhos
e nele banharemos as mãos
seduzir-nos-á para nos tomar o corpo
nas ondas que nos fez, à medida
intimamente, acreditamos
algures, nós e o mar
entrevimo-nos gémeos
quando nos sentimos irmãos
o mar entrar-nos-á pela porta dentro
quererá visitar-nos
estender-se-á a nossos pés
mergulha-nos-á os tornozelos
molhar-nos-á os joelhos
e nele banharemos as mãos
seduzir-nos-á para nos tomar o corpo
nas ondas que nos fez, à medida
intimamente, acreditamos
algures, nós e o mar
entrevimo-nos gémeos
quando nos sentimos irmãos
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
poliversos de amante
o estado de amante sente-se como as estrelas: pontos, reminiscências
que encantam um belo de um céu estrelado.
partículas luminosas, aparentemente insignificantes
que são tudo: são a força do universo, talvez o prenúncio de poliversos.
tal como o amor: é a anunciação de tantos todos, feitos de pequenos nadas.
a mais poliversa das existências.
o estado de amante sente-se como os sorrisos; encantam, encantadores
geram encantamentos que se perpetuam entre a saudade e o prazer.
o olhar corre atrás deles, perde-se e encontra-se com as memórias
também elas repletas de sorrisos.
quando regressa, o olhar trás um sorriso,
que capturou nesses poliversos extraordinários de recordações,
que planta na alma, aflora no rosto e resplandece no olhar:
naquele mesmo que trouxe o sorriso.
pequenos universos que moldam a natureza poliversa do amor
que só o estado ébrio e alerta de amante entende;
o estado próprio dos amantes.
que encantam um belo de um céu estrelado.
partículas luminosas, aparentemente insignificantes
que são tudo: são a força do universo, talvez o prenúncio de poliversos.
tal como o amor: é a anunciação de tantos todos, feitos de pequenos nadas.
a mais poliversa das existências.
o estado de amante sente-se como os sorrisos; encantam, encantadores
geram encantamentos que se perpetuam entre a saudade e o prazer.
o olhar corre atrás deles, perde-se e encontra-se com as memórias
também elas repletas de sorrisos.
quando regressa, o olhar trás um sorriso,
que capturou nesses poliversos extraordinários de recordações,
que planta na alma, aflora no rosto e resplandece no olhar:
naquele mesmo que trouxe o sorriso.
pequenos universos que moldam a natureza poliversa do amor
que só o estado ébrio e alerta de amante entende;
o estado próprio dos amantes.
perfume de mulher
meu estado de amante teu, sente-se como os aromas: instala-se. nada de narinas.
fecho os olhos e toco-te o odor do teu pescoço, naquele exato ponto
em que se cruza com o da tua orelha e com o perfume da raiz dos teus cabelos.
irresistível;
escapa-se um beijo que te pouso demoradamente no rosto, segredo ao ouvido,
porque meu rosto quer colher o morno aveludado do teu.
tão perfumado.
a fragrância do teu ombro encaminha-me até ao teu peito,
como sempre
repleto de aroma a conforto morno, leve olência:
o equilíbrio perfeito de maternidade e de amante.
ah! e o cheiro terno dos teus braços. como é doce o universo de sensações
quando neles aconchegas minha cabeça no encontro com teus seios
perfumados de mulher.
o aroma do teu ventre chega-me quase impercetível; vem na aragem
e traz um doce florido,
aromatizado de quente de carinho e de intimidade de virilha
odor gáudio de especiarias,
nascido no vaso que te fez mulher: mãe e amante
e nos afeiçoamos
enleiam-se estes aromas em bálsamo e nele me perfumo de ti.
fecho os olhos e toco-te o odor do teu pescoço, naquele exato ponto
em que se cruza com o da tua orelha e com o perfume da raiz dos teus cabelos.
irresistível;
escapa-se um beijo que te pouso demoradamente no rosto, segredo ao ouvido,
porque meu rosto quer colher o morno aveludado do teu.
tão perfumado.
a fragrância do teu ombro encaminha-me até ao teu peito,
como sempre
repleto de aroma a conforto morno, leve olência:
o equilíbrio perfeito de maternidade e de amante.
ah! e o cheiro terno dos teus braços. como é doce o universo de sensações
quando neles aconchegas minha cabeça no encontro com teus seios
perfumados de mulher.
o aroma do teu ventre chega-me quase impercetível; vem na aragem
e traz um doce florido,
aromatizado de quente de carinho e de intimidade de virilha
odor gáudio de especiarias,
nascido no vaso que te fez mulher: mãe e amante
e nos afeiçoamos
enleiam-se estes aromas em bálsamo e nele me perfumo de ti.
criação
deus criou os poetas
que escreveram as orações
e que ensinaram a rezar
os poemas
que eram orações declamadas.
ora, sabe-se que os poetas
gerados da criação
foram além das profecias
então deus fez os profetas
e para os poetas, criou a poesia.
que escreveram as orações
e que ensinaram a rezar
os poemas
que eram orações declamadas.
ora, sabe-se que os poetas
gerados da criação
foram além das profecias
então deus fez os profetas
e para os poetas, criou a poesia.
aqui
estou aqui
tens-me se me quiseres
e se puderes ter-me
que não seja porque te pedi
mas porque me queres
mais, me desejas
e sem que me supliques
sente-me onde estou
aqui
tens-me se me quiseres
e se puderes ter-me
que não seja porque te pedi
mas porque me queres
mais, me desejas
e sem que me supliques
sente-me onde estou
aqui
lágrima de vida
ardem-me os olhos das memórias que se esfumam
ardem-me os olhos do farrusco frio das cinzas
ardem-me os olhos do pó da terra
a sequidão procura em mim a lágrima
para romper a esterilidade
se fosse possível à terra chorar
jamais sentiria a aridez
e o vento seco seria bem-vindo
pois enxugaria em vez de ressequir
ardem-me os olhos do farrusco frio das cinzas
ardem-me os olhos do pó da terra
a sequidão procura em mim a lágrima
para romper a esterilidade
se fosse possível à terra chorar
jamais sentiria a aridez
e o vento seco seria bem-vindo
pois enxugaria em vez de ressequir
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
anseio
quero ser um rio de corrente calma
buliçoso nas rochas
navegável por barcos a remos
onde as árvores bebem e tocam o céu
o leito onde flores flutuam
e espraio-me ao desaguar
buliçoso nas rochas
navegável por barcos a remos
onde as árvores bebem e tocam o céu
o leito onde flores flutuam
e espraio-me ao desaguar
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
silêncio
não digas nada
deixemos o tempo passar
sem nada dizer. e tu
sem nada me contares
não digas sequer que o tempo está bom
ou que vai chover
não gastes as palavras
é que os silêncios não se preenchem
e muito menos com palavras
as palavras só os encobrem
aparências
não digas nada
um dia ouvi
(se calhar inventei)
que os silêncios se quebram.
era criança e imaginava-os cristais
teriam mil cores, ou mais
nunca as contei.
todas lindas para me encantar
na minha certeza
que o silêncio nunca fora de ouro
era o meu saber, a minha riqueza
a minha maior idade.
por isso prezo o silêncio, preciosidade
que não quero ver quebrada
mesmo se pesado, denso e acre
como agora
não digas nada.
não digas que o tempo acabou
porque o tempo nunca acaba
o silêncio distende-o
até que seja amplo e moldável
eterno.
consta que a eternidade nasceu em silêncio
que sempre foi silenciosa
como os desertos tão silenciosos e eternos
e como as almas
sempre eternas
sempre silenciosas
não digas nada.
não digas nada
nem à partida nem à chegada
o silêncio não é ausência
e nunca será nada
o silêncio é uma melodia
que podes fazer tua
é no silêncio que falas à lua
é no silêncio que tocas o sol
é no silêncio que te ouves a ti
e pares um poema
bem lá do fundo da imaginação.
e soltas teu simples desejo
"não digas nada".
deixemos o tempo passar
sem nada dizer. e tu
sem nada me contares
não digas sequer que o tempo está bom
ou que vai chover
não gastes as palavras
é que os silêncios não se preenchem
e muito menos com palavras
as palavras só os encobrem
aparências
não digas nada
um dia ouvi
(se calhar inventei)
que os silêncios se quebram.
era criança e imaginava-os cristais
teriam mil cores, ou mais
nunca as contei.
todas lindas para me encantar
na minha certeza
que o silêncio nunca fora de ouro
era o meu saber, a minha riqueza
a minha maior idade.
por isso prezo o silêncio, preciosidade
que não quero ver quebrada
mesmo se pesado, denso e acre
como agora
não digas nada.
não digas que o tempo acabou
porque o tempo nunca acaba
o silêncio distende-o
até que seja amplo e moldável
eterno.
consta que a eternidade nasceu em silêncio
que sempre foi silenciosa
como os desertos tão silenciosos e eternos
e como as almas
sempre eternas
sempre silenciosas
não digas nada.
não digas nada
nem à partida nem à chegada
o silêncio não é ausência
e nunca será nada
o silêncio é uma melodia
que podes fazer tua
é no silêncio que falas à lua
é no silêncio que tocas o sol
é no silêncio que te ouves a ti
e pares um poema
bem lá do fundo da imaginação.
e soltas teu simples desejo
"não digas nada".
segunda-feira, 29 de julho de 2013
eterno rio
há um rio que corre em mim
nele refresco a alma
e solto os olhos
nele corro para o mar
e marulho a saudade
nele abracei um peito
que sempre bateu por mim
nele refresco a alma
e solto os olhos
nele corro para o mar
e marulho a saudade
nele abracei um peito
que sempre bateu por mim
na alma
na alma
onde a saudade espreita
onde a saudade cresce
onde a saudade dói
mansinha
de mansinho
onde a saudade mora
emudecida
a saudade murmura
na alma
onde a saudade espreita
onde a saudade cresce
onde a saudade dói
mansinha
de mansinho
onde a saudade mora
emudecida
a saudade murmura
na alma
revelação
abeirou-se teu beijo
sem ondas nem brisas
sem raio de sol nem saudade
aflorou
chegou como queria
e eu pedi-lhe que morasse em mim
sem ondas nem brisas
sem raio de sol nem saudade
aflorou
chegou como queria
e eu pedi-lhe que morasse em mim
sábado, 27 de julho de 2013
navegar
por vezes
para sonhar
precisamos de alguém
que sonhe connosco
e tenha um olhar de caravela
enfunado ao vento
rumo ao desconhecido
navegando
latino
por vezes precisamos de sangue
para estarmos vivos
para sentirmos, vermos
odiarmos e amarmos
por vezes precisamos da dor
para nos engrandecer
para curtirmos, amadurecermos
talvez sem envelhecermos
por vezes precisamos gargalhar
para espantarmos os corvos
para declararmos paixão à vida
e à companhia dos amigos
quanto aos amigos...
nada se escreve sem eles
nem um sentido "bom dia"
para estarmos vivos
para sentirmos, vermos
odiarmos e amarmos
por vezes precisamos da dor
para nos engrandecer
para curtirmos, amadurecermos
talvez sem envelhecermos
por vezes precisamos gargalhar
para espantarmos os corvos
para declararmos paixão à vida
e à companhia dos amigos
quanto aos amigos...
nada se escreve sem eles
nem um sentido "bom dia"
o pedido
tropeçaram-lhes os olhares
e neles trocaram algo seu.
pouco depois trocavam beijos:
uns dados, outros roubados.
os braços em abraços
outros olhares e as promessas,
eram ofertas e entregas
sempre aceites
sempre retribuídas.
quando ele lhe pediu a mão
ela sorriu comovida como nunca
entrelaçaram os dedos
e saíram mundo fora de mão-dada
fundidos numa só vida.
sexta-feira, 26 de julho de 2013
entre os lábios
entre os lábios
solta-se a loucura
a mesma que se esconde no peito
fogem palavras
impropérios
sejam de raiva ou de paixão
liberta-se o desejo
no musculado trejeito
de um lábio mordido
depois há os beijos
eles mesmos arautos da loucura
e exercício de musculação
solta-se a loucura
a mesma que se esconde no peito
fogem palavras
impropérios
sejam de raiva ou de paixão
liberta-se o desejo
no musculado trejeito
de um lábio mordido
depois há os beijos
eles mesmos arautos da loucura
e exercício de musculação
morto-vivo
tudo o que tinha trajava-se de morte
desde o lado mortiço do olhar
que só ele via
ao tom esverdeado da tez
ao modo zombie do andar
à negra alma que encobria de poesia.
o que parecia alvo e colorido
era uma rasa campa de mármore branco
com uma jarra de flores.
havia nela um sereno epitáfio
"aqui jaze quem morreu lento"
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